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A chupeta do FGTS

Governo quer ativar o consumo, vencido pelo enigma de décadas de baixo crescimento econômico

Com liberação de parcela do saldo do FGTS, o governo espera incrementar a economia - Foto: Marcos Vieira/EM/D.A Press %u2013 11/3/17

Como chupeta para recarregar bateria arriada, o governo de Jair Bolsonaro deve apelar à gambiarra adotada em 2017 por Michel Temer para tentar injetar algum ânimo no consumo e vitaminar o combalido crescimento econômico, liberando depósitos do FGTS e do PIS.
Depois da severa retração de 7% do Produto Interno Bruto (PIB) no biênio 2015 -2016, seguida de crescimentos pífios de 1,1% em 2017 e 2018 e tendendo a menos que isso este ano, não se pode dizer que a economia esteja bem. A permissão ao trabalhador para sacar sua poupança forçada no FGTS só se justifica pela excepcionalidade da situação.
A renda per capita continua encolhendo, não há sinal de reversão do desemprego e subemprego que afetam 27% da força de trabalho de 106 milhões de pessoas, a ociosidade na produção faz o PIB operar com ociosidade ao redor de 8%, o investimento produtivo é quimera.
Que se faça algo contra a notória insuficiência de demanda, que a equipe econômica minimizava vis-à-vis as reformas estruturais, com cautela para não se criar outra bolha de endividamento pessoal. Mas é o caso de pensarmos com os próprios botões, esse exercício de reflexão em falta nos últimos anos – décadas, diriam os mais velhos.
Era compreensível que um governo-tampão como o de Temer, impopular como nenhum outro, recorresse a expedientes para manter a economia acima da linha d’água. Apesar disso, o Congresso aprovou com ele o teto do gasto público, a reforma trabalhista e o fim do monopólio da Petrobras no pré-sal.
Só que as contingências de Temer não são as de Bolsonaro. Ele se elegeu prometendo inovar na política e recuperar o emprego. Tais juras estão em stand-by, sobretudo o crescimento. O ministro Paulo Guedes acenou com crescimento padrão chinês se a nova Previdência fosse aprovada com, segundo ele, “potência fiscal de R$ 1 trilhão”.
A Câmara chegou perto dessa quantia na primeira das duas votações da emenda constitucional, enquanto semana a semana os economistas só têm feito picar a projeção da taxa do PIB neste ano – falavam de 2,5% em dezembro. Hoje, projetam 0,81% e o viés é de baixa.
O que houve? Não se sabe no governo se o seu ministro liberal não teria cacifado uma medida de indução do consumo que contraria suas convicções.
Foi de improviso, tanto que Bolsonaro queria anunciar a ‘novidade’ já na quinta-feira e teve de esperar mais alguns dias.
 
O que importa discutir
Mais importante que buscar nestes sete meses de governo Bolsonaro as causas de o crescimento continuar anêmico é saber por que a economia perde terreno no cenário mundial desde a década de 1980. E não só.
A cada ano o PIB se mostra menos capaz de manter o sistema de Estado moldado pela Constituição de 1988 – da federação desproporcional em relação à capacidade ou disposição contributiva da sociedade (com 33% de carga tributária e gasto público acima de 40% do PIB) às benesses do funcionalismo, os poderes com excessiva autonomia, subsídios etc.
Em todos esses anos, criaram-se metas para tudo que envolvesse gasto, menos para o que ampliasse a base tributável: o investimento real, inclusive em infraestrutura, em educação adequada e em inovação. E não faltou discurso ideológico, normalmente em torno da distribuição de riquezas existentes só no papel e do que nem sequer foi produzido.
 
A China já nos invejou
Um olhar para o que aconteceu no passado recente em quase todos os países com economia comparável em algum momento à nossa permite que se entendam melhor as causas de nossa estagnação. Tome-se a China, o exemplo mais expressivo na história de uma economia miserável, 100% estatizada, que virou 2ª potência global em apenas quatro décadas.
Em 1978, o PIB chinês era de US$ 150 bilhões e sua população de 1,3 bilhão de pessoas, majoritariamente analfabeta. O PIB era menor que o do Brasil e igual ao da Holanda. Foi quando a elite dirigente abriu a economia ao capital externo, descoletivizou a agricultura, reduziu o controle do Estado e iniciou dois programas ambiciosos: educação em massa e investimento em infraestrutura. Hoje, 60% do PIB é privado.
Seu PIB de US$ 12 trilhões só perde para o dos EUA. E a Holanda? O PIB segue menor que o nosso, mas exporta US$ 107 bilhões de produtos agrícolas com o tamanho do Rio, e nós, US$ 102 bilhões...
 
Disciplina pelo progresso
Exceto pela ditadura de partido único, pouca coisa difere o modelo chinês do desenvolvimento que enriqueceu os EUA e reconstruiu Japão e Alemanha depois da devastação da 2ª Guerra. O traço comum aos países bem-sucedidos tem mais a ver com décadas de disciplina férrea pelo progresso que com ideologias e modelos econômicos.
É essa disciplina que nunca tivemos. Corrompeu-se, aqui, o papel do Estado como catalisador do progresso, ao fazê-lo protetor de grupos políticos e econômicos e provedor de lobbies de funcionários. E se cometerá outro erro se se desfibrar seu propósito de indutor da visão criadora de riqueza, tarefa da sociedade, não do Estado empresário que nem a China dita comunista contempla.
O que importa é saber que o liberalismo que exclui do Estado o seu papel de coordenador do progresso e o dirigismo que criou iniquidades e corrupção só trazem atraso. Nada disso implica negar as reformas da Previdência, a tributária etc. Elas não são contra o Estado, são a favor da sociedade, ao tomá-lo dos que o extorquem desde sempre.


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