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Maurino de Araújo deixa legado importante de obras sacras

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Minha mãe, que tinha um olho firme para as artes, conhecia profundamente o barroco sem nunca ter ido a escolas mais importantes, cursou apenas o primário em Santa Luzia, era uma autodidata completa. Foi ela quem descobriu, lá pelos anos 1970, o escultor Maurino de Araújo, naquela ótima feira de artesanato que funcionava na Praça da Liberdade, que acabou soterrada pelo progresso. Maurino, que era de Rio Casca, faleceu recentemente, foi considerado um caso único na arte brasileira, como expressionista barroco realmente importante.





Como nasceu na roça, foi criado pela família no estilo da época, fazendo de tudo, como disse numa entrevista: “Nós plantávamos, fazíamos nossas casas, nossos utensílios e tudo o mais necessário”. Foi operário, servente de pedreiro, ajudante de balcão e contador em obras. Sob a influência de seus avós, que eram ceramistas, Maurino começou a trabalhar com o barro. Ainda criança, mudou-se para o Paraná. Distante do barro, começou a desenhra. Na escola que frequentou, a professora mandava-o desenhar no quadro-negro, fascinada com o talento precoce do aluno.

Nos anos 1960, o artista descobriu a madeira e logo foi influenciado pelo estilo barroco; no barro não encontrava a firmeza que buscava. Maurino estudou durante seis anos em um seminário franciscano em São João del-Rei e foi ali que conheceu as obras do Aleijadinho. Encantado pelo mestre, passou a estudá-las minuciosamente. Das expressões ao corte da madeira, nada escapou da sua visão. A impressão foi tanta que ficou gravada em sua mente enquanto viveu, deixando em suas obras leves resquícios dessa poderosa influência. Em 1965, o artista plástico se transfere para Belo Horizonte.

Mas foi em 1970 que ele passou a se dedicar exclusivamente à sua arte. Como muitos outros artistas brasileiros, começou mostrando suas obras na feira de artesanato da Praça da Liberdade. Gradativamente, foi ganhando notoriedade entre os críticos e apreciadores de arte popular. Sem preocupações com estilos ou classificações acadêmicas, seu trabalho começa a “ganhar” o Brasil e o mundo.





No final da década de 1970,  sua obra dá uma reviravolta ao conhecer a África. “... Ali, parece que algo dentro de mim acordou, se rompeu e começo a me entender melhor...”, avaliou o artista. Sob a influência do tempo em que passou no seminário, a obra de Maurino é formada em sua maioria por esculturas sacras. Com o desencanto que se apoderou dele,  deixou o seminário e passou a se dedicar somente à sua arte. O tema sacro, segundo ele, não foi escolha, mas imposição do próprio espírito.

De enormes blocos de madeira, Maurino fazia surgir Santanas, Franciscanos, Cristos e Madonas, esculpidos e encarnados com um processo criado pelo próprio artista: cera, cola branca, tinta xadrez e até querosene para acentuar o envelhecimento das peças. As cores são escuras e sombrias – ele usava preferencialmente o cedro em suas figuras, utilizando o formão e a grosa para retirar da madeira pesados blocos esculturais. Começando como distração, a escultura tornou-se gradativamente a expressão do seu íntimo e uma necessidade do seu espírito.

A partir daí, foi possível notar em sua obra uma intensa expressão de sofrimento. O corte rápido e preciso confere um tom dramático aos agrupamentos de figuras. "Não nego que o sofrimento estampado na face dos meus santos seja o sofrimento da própria humanidade. Nas classes humildes, as pessoas são mais próximas, sentem e sofrem juntas uma dor que se torna comum", disse o artista.

Seus trabalhos, reconhecidos nacionalmente e até no exterior, receberam vários prêmios, entre eles o Prêmio Legião Brasileira de Assistência; Destaque nas Artes, promoção Diários Associados (1976); Melhor do Ano no setor de artes, promoção Diários Associados (1981). Participou também de várias outras exposições coletivas e individuais, sendo uma das últimas o 1º Salão de Artes Visuais da Fundação Clóvis Salgado, Palácio das Artes, BH (1984).