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Meu amigo Murilo


postado em 21/04/2020 04:00

O escritor Murilo Rubião (1916-1991), precursor da literatura fantástica no Brasil, em registro de 1978 (foto: Arquivo Estado de Minas)
O escritor Murilo Rubião (1916-1991), precursor da literatura fantástica no Brasil, em registro de 1978 (foto: Arquivo Estado de Minas)
Busca daqui, remexe dali, acabei encontrando em minhas estantes um exemplar do Suplemento Literário do Estado de Minas Gerais, dedicado a Murilo Rubião – O centenário do mágico. Na realidade, trata-se de uma reprodução de crônica publicada aqui no Estado de Minas, em setembro de 2011. Vale a pena ler de novo:

Amigo de minhas irmãs mais velhas, Murilo Rubião acabou mesmo se tornando grande amigo meu. Adorava conversar com ele, lia e relia seus contos, maravilhosos numa época em que a literatura fantástica ainda estava por acontecer por aqui. Naquele tempo em que o Maletta não existia, nossos papos rolavam na Confeitaria Elite, onde ele estava sempre com seu terno e gravata. Murilo era uma flor de atenção. Os amigos comuns, mais velhos do que eu, achavam que estava me paquerando. Não era verdade. Tínhamos apenas uma afinidade pelos casos e histórias que contava em seus livros.

Só não concordávamos sobre alguns pratos de que ele gostava. E tanto conversávamos sobre rabada com feijão-branco, que ele apreciava, que uma noite me chamou para prová-la no restaurante do Erlich, no térreo do Automóvel Clube, um pedaço da Europa em Belo Horizonte. Com paredes de lambris, havia mesas com divisórias para conversas mais à vontade. No centro, mesas grandes de madeira cobertas com toalhas em xadrez, boas e cômodas cadeiras que convidavam ao relax. Portanto, fui com ele ser apresentada a um de seus pratos prediletos. Comi e nunca mais repeti. Acredito que a ilusão de uma meninota, acompanhada pelo par disputado pelas moças da cidade, deu um tempero que nunca mais encontrei no prato. Foi uma experiência e tanto: raramente uma jovem jantava em restaurante da cidade acompanhada por um senhor.

O que me atrai em seus contos é o clima fantástico que cerca todas as suas histórias. Quis saber como ele conseguia imaginar tudo aquilo, usar a Bíblia como versal. Contou-me que não era difícil – sonhava todos eles, depois era só escrever, daí o clima onírico. Relendo esses contos quando Murilo não estava mais aqui, consegui vislumbrar as metáforas criadas por ele.

Naquela época, os encontros da sociedade durante o carnaval ocorriam em tardes movimentadas em frente à Confeitaria Elite. O clima era tão bom, tão alegre, que famílias inteiras vinham do Rio passar os dias de festa por aqui. Outra moda era o footing na Avenida Afonso Pena. Moças e rapazes vinham de todos os cantos da cidade, desfilando por ali em clima carnavalesco. As mulheres, para não ser reconhecidas, usavam calças compridas, blusa e um capuz que cobria todo o rosto, deixando apenas os olhos e a boca de fora.

Numa animada tarde carnavalesca, Murilo chegou à Elite, repleta de amigos, comboiando uma agitada gatinha. Quando deu de cara comigo, desmontou. Contou que arrastou a moça com ele porque, pelos olhos, achava que era eu. E não acreditava que esta colunista poderia estar de gatinho no carnaval da avenida. Foi uma gozeira total. E a moça, livre, mandou-se Rua da Bahia abaixo, livre do arrastão.

Amigo de JK, com quem trabalhou, passou uma temporada como adido cultural da embaixada brasileira na Espanha. Recebi alguns cartões dele. Quando passei a ser “sua colega”, como ele falava, jornalista que era, fui designada a entrevistá-lo. Entrecortada com o que ele falou e o que eu já sabia, fui à sua casa, na Serra. Estava fazendo a sesta quando cheguei – conversamos informalmente na sala. Voltando no tempo, acho que foi a única vez que o vi sem paletó e gravata. 

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