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Trinta anos de sucesso

Pioneiro de transplante conta sua história


postado em 04/11/2019 04:00 / atualizado em 03/11/2019 18:08

Hospital Felício Rocho/Divulgação
'Sala inteligente' do Hospital Felício Rocho, onde foi realizado o primeiro transplante de fígado em Minas, há 30 anos (foto: Hospital Felício Rocho/Divulgação)
 
Marcus Martins, coordenador de cirurgia geral da Rede Mater Dei de Saúde, pioneiro de transplante de fígado em Minas, relata sua história em carta dirigida aos colegas do Hospital Felício Rocho, por não poder estar presente à homenagem que lhe seria prestada no último dia 1º, quando seu transplante comemora 30 anos. Vale conhecer sua luta:

“Caros colegas do Hospital Felício Rocho, nesta comemoração da data que foi muito importante para minha carreira, infelizmente não estarei aí com vocês, pois estarei também em uma comemoração importante em minha vida, que é a formatura de minha filha Carolina, em Londres. A história do primeiro transplante de fígado do Hospital Felício Rocho, realizado em 1º de novembro de 1989, começou, na minha opinião, a ser desenhada em 1986, como o primeiro transplante de coração do hospital (dr. Carlos Figueiroa).

Na época, eu era residente de cirurgia geral do hospital e todo aquele procedimento me marcou muito. Tínhamos uma cirurgia geral com grande experiência em cirurgia de fígado. O hospital já realizava transplante de rim, coração e córneas. O transplante de fígado já era feito em São Paulo desde 1985. Por que não transformar o transplante de fígado em realidade no nosso estado?

No meu livro-texto de cirurgia abdominal, o capítulo sobre transplante de fígado era escrito pelo prof. Sir Roy Calne, da Universidade de Cambridge, na Inglaterra. No centro de estudos do hospital,  conversando sobre este meu projeto, o dr. Arquimedes Santos simplesmente me entregou um artigo de revista escrito pelo Calne e lá estava o endereço de correspondência do serviço.

Após várias cartas, currículo e documentos, consegui a aceitação para o serviço e então saí à procura de uma bolsa de estudos, que foi aprovada pelo Rotary Club de Belo Horizonte para o período 1988/1989. O período de janeiro de 1988 a agosto de 1989 no Departamento de Cirurgia da Universidade de Cambridge foi de intenso aprendizado, muitas cirurgias e também pesquisa. Basicamente, estava à disposição 24 horas por dia e cheio de energia da idade (26/27 anos)!

Fui o cirurgião que mais fez retirada de órgãos para o serviço até aquele período. Tive o privilégio de realizar meu primeiro transplante de fígado na Inglaterra tendo o Prof. Calne me auxiliando (o terceiro estrangeiro a fazer essa cirurgia em seu departamento, uma grande honra e reconhecimento). No retorno ao Brasil, trouxe comigo seis litros da solução para preservação de fígado na bagagem de mão e a pinça principal para a cirurgia (liver clamp), doados pelo departamento. A alfândega no Rio de Janeiro queria apreender a solução, mas, após muitas explicações, papéis e boa vontade, consegui trazê-la para BH. Não existia essa solução em nosso meio naquela época.

As reuniões sobre a realização do primeiro transplante de fígado no hospital começaram imediatamente após meu retorno, foram muitas e com várias clínicas envolvidas. Não poderia deixar de mencionar: anestesia (dr. Celso Homero de Oliveira); cirurgia geral (dr. Antônio Sérgio Alves, dr. Cláudio Almeida de Oliveira, dr. Wilson Luis Abrantes); hepatologia (dr. João Galizzi Filho, dr. Magnus O. Andrade); terapia intensiva (dr. Arquimedes Santos).

Muitas discussões, protocolos e a viabilização do procedimento no hospital que exigiria novos equipamentos e esforços intensos como o da hematologia (dr. Romeu Ibrahim de Carvalho) foram feitas. Certamente, deixei de citar vários nomes importantes, que, inclusive, participaram diretamente da cirurgia,  mas ficaria inviável aqui.

O primeiro paciente candidato a transplante de fígado era um adolescente que vinha sendo acompanhado pela hepatologia do HFR, portador de hepatopatia crônica avançada decorrente de doença de Wilson e com várias internações hospitalares no último ano por descompensação. Parecia ser um bom candidato e, após muitas discussões, foi formalmente aceito. Internamente, todos os entraves foram sendo resolvidos com a colaboração de vários colegas. O doador surgiu menos de 30 dias após a aprovação,  dentro do próprio hospital.

A cirurgia de retirada de órgãos (fígado, rins, coração e córneas) ocorreu em harmonia das equipes e utilizei a solução de preservação que tinha trazido da Inglaterra. O fígado estava preservado e armazenado numa caixa de gelo! Fui então à minha casa e, após alguma meditação, retornei para a cirurgia do transplante. A cirurgia tinha que ter sucesso! A vida do paciente, a minha carreira começando, o nome de vários colegas que confiaram neste projeto, bem como o nome do Hospital Felício Rocho, e até para Minas Gerais, já que seria o primeiro transplante fora da Universidade de São Paulo (USP).

A cirurgia evoluiu muito tranquila, pouco sangramento (dentro do esperado), anestesia equilibrada e o paciente foi bem para o CTI. A emoção foi muita e, nesse dia, chorei de alegria e alívio. A imunossupressão foi feita com Ciclosporina + Azatioprina corticoide. No pós-operatório, uma pequena crise de rejeição (esperada e tratada com corticoide) e hipertensão arterial (tratada com Nifedipina).

O paciente fez aniversário no hospital, grande festa para todos os envolvidos, e recebeu alta após 30 dias de internação. Evoluiu muito bem durante mais de 15 anos e veio falecer de cirrose por hepatite C, doença hoje tratável. Depois deste primeiro transplante fora de São Paulo, outros centros assumiram a liderança e não posso deixar de elogiar o trabalho do Hospital das Clínicas da UFMG (dr. Agnaldo Soares Lima, dr. Walter Antonio Pereira) e da Santa Casa de Porto Alegre (dr. Guido Cantisani).

Grande abraço a todos e felicidades neste grande projeto de transplantes que o Hospital Felício Rocho vem realizando.”  

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