O ministro Fernando Haddad enfrenta neste momento o pior dilema de sua carreira política. Premido por contas que teimam em não fechar, o ministro tampouco encontra o apoio que imaginava ter do presidente que o convocou para o cargo. A sensação é de perda de chão. O ministro se sente despencando no vácuo, pois é cobrado nas mídias pela meta de gradual reequilíbrio das contas públicas em 2024, embora não tenha um só coelho para sacar de sua cartola mágica para sustentar a tese de um resultado primário zerado no próximo ano. O desconforto político do ministro é muito grande e o nível de desgaste pessoal quase insuportável.

Em outros tempos, com outros protocolos no trato da política, era comum que ministros desatendidos em suas orientações pedissem o boné. Casos desse tipo são inúmeros na história das relações da Fazenda com o Palácio do Planalto. Para ficar num episódio que lembra outro grande ministro, que muito honrou a cadeira onde hoje se senta Fernando Haddad, lembro da despedida de Mário Henrique Simonsen, quando teve desautorizada sua orientação de conter o gasto público e ajustar a taxa de câmbio – esta, na época, sujeita à intervenção direta do governo. Simonsen, como pessoa de dimensão internacional, tinha noção clara sobre o agravamento do quadro externo, diante da ameaça, logo concretizada, de uma segunda explosão do preço do petróleo, na esteira da primeira elevação da cotação do barril, em 1973, então decretada pela OPEP, o cartel dominado pela Arábia Saudita.

Simonsen havia estado à frente da Fazenda durante todo o mandato presidencial do General Ernesto Geisel. Havia se virado para manter um ritmo de crescimento adequado à vibrante economia brasileira, então abalada, desde o fim de 1973, com a subida forte do petróleo importado do qual o Brasil dependia quase por completo. Mas, naquele momento, em agosto de 1979, embora Simonsen houvesse se mantido à frente da economia pelo presidente João Figueiredo, justamente para enfrentar a nova tempestade internacional, não obteve do sucessor de Geisel o mesmo suporte que tivera, na gestão anterior, ao enfrentar as difíceis decisões econômicas num cenário altamente convulsionado, com inflação crescente, câmbio pressionado e reservas externas na lona. O fato é que, sem apoio, Simonsen saiu do governo e a vida do país continuou...só que para muito pior. O ano de 1979 marcou – hoje sabemos – o momento do afundamento do nosso sonho de ser um país próspero e bom de nele se viver. Simonsen percebia a relevância de insistir num profundo ajuste da economia.

Mas quase ninguém compartilhava sua visão. O que se seguiu, numa sucessão de erros catastróficos de política econômica, foi a chamada “década perdida” – os anos 1980 – seguida do confisco da poupança popular em 1990, no tresloucado Plano Collor que, por sua vez, produziu hiperinflação, seguida do memorável mas inconcluso Plano Real, cuja falta de foco na reforma de um Estado obeso e espoliador nos fez desembocar, até hoje, em duas décadas de populismos e estancamento estrutural da sociedade brasileira.

Parece exagero, mas aquela renúncia de Mário Simonsen marca a despedida do país de uma história de avanços econômicos e sociais. Lá se vão quase 50 anos. Uma vida. De lá para cá, entretanto, o Brasil descobriu bastante petróleo, desenvolveu o Cerrado e a “tropicultura” pela mão de Alysson Paolinelli e outros visionários e, no desespero, o país acertou o câmbio em 1999 quando introduziu o regime de flutuação da moeda e o sistema de metas de inflação pelo Banco Central. Hoje, as reservas brasileiras são confortáveis e nos livram do drama argentino, que era nosso também, no passado, de não ter um tostão no caixa para pagar as contas em dólares.

Se pudesse resumir o drama brasileiro de hoje, diria que o Brasil não precisa mais de apoio externo para se paralisar na mediocridade. As amplas reservas em dólar e uma agricultura pujante nos livram de ter que buscar um empurrão de fora para aprofundar nossas incompetências. Crise, agora, fazemos em casa, com roteiro próprio e atores nacionais. Talvez por isso mesmo, Haddad tampouco precise seguir o rumo do seu admirado antecessor Mário Henrique. No cenário atual, a repercussão de não se consertar o crônico e vexaminoso desequilíbrio fiscal do governo federal não conduzirá o país à morte súbita, como foi o caso da terrível recessão e crise cambial que se seguiram à renúncia de Simonsen. Agora é diferente. Não há risco de morte. Tampouco há risco de recuperação do progresso. Alcançamos um outro tipo de estabilidade, que é a resultante do imobilismo anestesiado. Estamos parados e relativamente cômodos. Não vamos mais a lugar algum.

Portanto, se conselho valesse, esse seria o meu para o esforçado ministro: não siga os protocolos do passado. Não vale a pena radicalizar por meio ponto percentual de um resultado fiscal primário que interessa pouco diante do enorme déficit financeiro escondido por trás do discurso de um “fiscal zerado”. O Brasil não vai melhorar, tampouco irá naufragar por causa de mais essa teimosia presidencial. Nosso inferno político está cheio de outras teimosias. Hoje, os ministros da área econômica são como produtores de uma série enfadonha da Netflix, daquelas que seguem rodando enquanto o espectador ronca na poltrona.

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