
Após celular proibido, escolas traçam estratégias
Instituições educacionais públicas e particulares planejam iniciativas para auxiliar os estudantes a se adaptarem a aulas com as restrições ao uso do telefone
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Siga noUm polêmico personagem que frequentava as salas de aula está saindo de cena. O telefone celular, cuja presença nas escolas era alvo de reclamações por uns, e defendido categoricamente por outros, entra em 2025 um tanto fora de área. Após anos de embates e debates, o uso do aparelho móvel foi banido das salas de aula - ao menos da forma como era até então - conforme lei sancionada na última segunda-feira (13/1) pelo governo federal. Mas como as escolas estão se preparando para essa nova etapa com telinhas desplugadas?
A adesão ao novo regramento é tido como desafio para as escolas consultadas pelo Estado de Minas, tanto na rede privada quanto no ensino público. As instituições educacionais defendem que somente proibir o uso do aparelho não irá surtir a eficácia desejada se as entidades não criarem um ambiente favorável ao diálogo com os estudantes.
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A variedade de medidas estudadas pelas escolas para domesticar o uso de telefones celulares é elástica. Algumas dizem que não vão recolher os aparelhos dos alunos, contando com o empenho dos estudantes. Outras, no entanto, já providenciam até mobiliário próprio para trancar os aparelhos eletrônicos e não descartam emitir advertências aos meninos e meninas.
Um dos receios no segmento educacional é que a simples implementação da lei sem o devido diálogo tenha desdobramentos ineficazes. Para Edlo Pena, diretor do Colégio Arnaldo, é fundamental a conversa com os estudantes sobre a motivação por trás dessa regulamentação. “É a necessidade de educar para o uso. Proibição pela proibição não vai gerar nada”, diz. Ele acredita que se o estudante não for apresentado aos motivos, a medida pode parecer uma “pegação no pé” por parte da escola.
Para evitar ruídos, também está no radar das equipes pedagógicas a implementação de campanhas de conscientização junto à comunidade escolar, como no Colégio Santo Agostinho. “A ideia não é fazer a mudança de maneira brusca, mas como ela já vinha sendo feita, com calma, aos poucos, mantendo o diálogo com nossos estudantes. Vamos fazer campanhas para que eles entendam o processo”, adianta Gabriel Verdin, supervisor pedagógico do ensino médio da escola particular.
RECREIO SEM TELEFONE
Outra novidade que pode preocupar é o banimento do celular durante os intervalos. Algumas escolas já desautorizavam o telefone durante as aulas - Minas Gerais já tinha a lei 23.013, que regulamentava o uso de celulares nas escolas exclusivamente para atividades pedagógicas -, mas o uso durante o recreio passa a também ser proibido. Para a diretora do Colégio Sagrado Coração de Jesus, a extensão da proibição para o momento de descanso dos estudantes é louvável, uma vez que o impacto dos eletrônicos também têm se manifestado nos pátios da escola. “Recreio é aprendizagem da vida social. Recreio é momento de troca, de conversar, de usar o corpo. É para descansar, para relaxar. É um momento lúdico. O celular do recreio provoca muito isolamento”, afirma Ana Amélia.
A proibição do celular durante os intervalos não é unanimidade. Há quem inclusive a considere uma medida radical. É o caso de Ronnie Lourenço, diretor de ensino do Grupo Olimpo. Diante do banimento da tecnologia no recreio, ele defende que a escola invista em atividades alternativas, como xadrez, pebolim, ping-pong e as quadras poliesportivas do colégio.
Mas não será uma tarefa simples. A diretora administrativa do Colégio Santa Dorotéia, Zuleica Ávila, lembra que o intervalo de 30 minutos demanda a captação da atenção e lazer dos estudantes com mais atividades, como aumentar o número de mesas de pingue-pongue e jogos de cartas.
A divergência entre os profissionais está na maneira em que a restrição vai ser implementada e como ela vai ser “fiscalizada”. No caso da escola Olimpo, que tem unidades espalhadas pelo Brasil, Ronnie Lourenço diz que não vai haver nenhum tipo de punição, especialmente nesse primeiro momento, quando os estudantes vão passar por uma adaptação. Ele diz também que os celulares não serão recolhidos pela coordenação, cabendo aos alunos mantê-los guardados. No entanto, Lourenço destaca que pode haver mudanças nas medidas, uma vez que a melhor condução será descoberta com o tempo.
Já no Colégio Sagrado Coração de Jesus, os celulares vão ser recolhidos e colocados em uma caixa fechada com cadeado. Essa medida já era implementada na escola, mas não era obrigatória.
As escolas particulares têm como aliado outra ferramenta: o uso dos circuitos internos de câmeras. Quanto à responsabilidade de “fiscalização” do cumprimento da norma, a maioria dos diretores das escolas particulares afirmam que a responsabilidade será da coordenação do colégio e o papel do professor será verificar dentro das salas de aula, como é de praxe. “Não é responsabilidade do professor essa vigilância. Aqui no Santa Dorotéia, eu tenho 680 câmeras, por exemplo. Mas se o professor pegar usando durante a aula, ele vai encaminhar para coordenação, que tomará as medidas cabíveis, justamente para não sobrecarregá-los”, afirma Zuleica.
QUESTÕES DE SAÚDE MENTAL
A saúde mental dos estudantes também é ponto de alerta para a implementação da nova medida, especialmente devido à chamada nomofobia, que trata-se do medo ou ansiedade pela falta de uso do celular, o que pode gerar irritabilidade e falta de sono, segundo especialistas.
Como algumas escolas já tinham tirado o celular das mãos dos alunos durante as aulas, relatos de estudantes ansiosos já foram registrados nas instituições de ensino. Aconteceu no Colégio Santo Agostinho, com jovens apresentando dificuldade de concentração nas aulas:.“Para isso a gente tem um núcleo de convivência ética, que cuida somente da parte de interação social. Esse núcleo é responsável por qualificar e acolher estudantes que apresentem o problema ou fobia”, explica Gabriel Verdin.
O acompanhamento de equipe de psicólogos deve ser acionado pelas escolas particulares, como no Santa Dorotéia. “Vamos oferecer espaço de escuta e acolhimento. Preparar os professores para identificar esses alunos que serão encaminhados à psicóloga da escola para que as mudanças sejam respeitadas sem oferecer mais pânico aos estudantes”, afirma Zuleica Ávila.
DESAFIOS DA REDE PÚBLICA
Na rede pública, os desafios não serão diferentes. A Secretaria Municipal de Educação de Belo Horizonte (SMED) informou que inicialmente os aparelhos não serão recolhidos dos alunos. A intenção é orientar os estudantes sobre esse novo momento sem a companhia do telefone. “Em caso de descumprimento, a prioridade será o diálogo, orientando os alunos sobre a importância de respeitar as normas, e acionando a gestão escolar e as famílias, quando necessário”, afirma a pasta.
A promessa da prefeitura é capacitar os professores para lidar com temas relacionados à nomofobia, ao uso inadequado de telas e questões de saúde mental. A prefeitura confirma que essa é uma preocupação e diz ser fundamental que o corpo docente seja capacitado para integrar as novas tecnologias de formação pedagógica, garantindo que as aulas permaneçam atrativas e relevantes para os alunos. A SMED, no entanto, não deu detalhes sobre o tamanho da equipe a ser envolvida e valores investidos na medida de prevenção.
A Secretaria de Estado de Educação de Minas Gerais (SEE/MG) foi ainda mais sucinta e informou apenas que vai acompanhar os desdobramentos e diretrizes do Ministério da Educação (MEC). “As escolas seguem o guia ‘Uso de Smartphones como Ferramenta Pedagógica’ disponibilizado pela SEE/MG com orientações para o devido uso dos aparelhos em sala de aula e o acesso a recursos pedagógicos oferecidos pela Secretaria”, finalizou o governo estadual.
MALEFÍCIOS DO CELULAR
As escolas consultadas pelo Estado de Minas foram unânimes na defesa de que o uso descalibrado do telefone celular em sala de aula tem sido bastante prejudicial. A nova lei federal, segundo eles, é positiva.
Para a diretora administrativa do Colégio Santa Dorotéia, a restrição do uso de dispositivos eletrônicos vai proteger a saúde mental dos estudantes, buscar melhor convívio social e aumentar a concentração dos alunos, que ela nota estar sendo prejudicada pelos aparelhos.
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“O menino precisa sim dessa proibição para, futuramente, introduzirmos aos poucos”, avalia Ana Amélia Rigotto, diretora do Colégio Sagrado Coração de Jesus. Ela compara essa fase de adaptação como uma espécie de “desmame”. “A aprendizagem é mente e corpo. Se ele [aluno] está ali no celular, ele está absorto, isolado, sem harmonizar cabeça, coração e corpo”, diz a psicopedagoga.
Para Eldo Pena, diretor do Colégio Arnaldo, o uso indiscriminado de celulares acabou alcançando patamar de vício. “É uma questão de impactos em várias habilidades socioemocionais que o aluno está ali para desenvolver dentro da escola. De empatia, respeito, colaboração, compaixão, comunicação assertiva e, quando ele está ali concentrado no uso do celular, ele acaba não desenvolvendo essas questões e fica prejudicado nesse desenvolvimento”, afirma o profissional, que trabalha como diretor de escola há 30 anos.