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Estado de Minas CONHECIMENTO ILUSTRADO

Ilustração científica mantém-se nas universidades mesmo com o avanço tecnológico da fotografia

Em todo o mundo os desenhos são uma importante ferramenta de aprendizado e transmissão de informações


postado em 20/09/2015 08:00 / atualizado em 20/09/2015 08:42

Professor Marcos Antônio Ferraz exibe ilustração de orquídea ao lado do aluno Pedro Henrique de Oliveira(foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Professor Marcos Antônio Ferraz exibe ilustração de orquídea ao lado do aluno Pedro Henrique de Oliveira (foto: Carlos Vieira/CB/D.A Press)
Brasília – As leituras sobre anatomia animal e estruturas vegetais não encerram a lição. Depois de estudar o conteúdo nos livros, os alunos da professora Jennifer Landin precisam escolher uma espécie de animal ou planta sobre a qual aprofundarão seus conhecimentos. A partir daí, passam horas no laboratório-estúdio, atentos aos padrões, aos ângulos e às proporções do espécime selecionado e os reproduzem numa tela com grafite, aquarela ou alguma outra técnica das artes plásticas.

A bióloga e desenhista, que, desde 2011, dá aulas de biologia ilustrada na Universidade do Estado da Carolina do Norte (EUA), explica que não está inventando a roda, mas redescobrindo os benefícios científicos do desenho. “Lineu e Darwin eram terríveis desenhistas. Conseguiram contornar o problema porque o desenho pode ajudar a ter mais precisão científica, mais atenção ao detalhe. Ele também nos ajuda a comunicar ideias de forma eficaz. No mundo de hoje, não posso pensar em um uso mais importante”, diz em entrevista ao Estado de Minas.

A milhares de quilômetros da sala de Landin, o biólogo Marcos Antônio Ferraz realiza um trabalho parecido. Ensina ilustração científica na Universidade de Brasília (UnB) para estudantes de artes, biologia, sociologia, museologia e arquitetura, entre outras áreas das ciências humanas e exatas. Além disso, atende a pedidos de ilustrações para pesquisas de estudantes, professores e órgãos do governo, como o Ibama. “É muita coisa para fazer, mas não dá vontade de parar. Nem dá para ver como trabalho, de tão prazeroso que é”, garante.

Ferraz, que já pintava antes de ser biólogo, descobriu que poderia juntar os dois interesses quando conheceu uma bióloga italiana que fazia ilustrações científicas. No fim da década de 1990, criava a disciplina na UnB, inicialmente apenas para alunos de biologia. A grande demanda, principalmente por parte dos estudantes de artes plásticas, fez com que a matéria fosse aberta para matriculados em outros departamentos.

Desenho de peru da bióloga americana Jennifer Landin: chance de ressaltar características marcantes de cada espécie(foto: Jennifer Landin/Divulgação)
Desenho de peru da bióloga americana Jennifer Landin: chance de ressaltar características marcantes de cada espécie (foto: Jennifer Landin/Divulgação)


Em tempos de fotografias de alta resolução, vídeos 3D e imagens microscópicas, a estética do desenho para uso científico parece retrógrada. Mas a técnica de combinar arte e ciência segue tendo preferência em áreas como botânica, taxonomia, anatomia e arqueologia. “As ilustrações conseguem minimizar detalhes estranhos e aumentar a atenção para a informação principal. Existem espécies de libélulas que são distintas de outras apenas por uma veia na asa”, explica Landin.

Mostrando duas capas de livros com a mesma espécie de escaravelho, sendo uma fotografada e outra desenhada, Ferraz confirma: “A fotografia pode dar foco em alguns pontos e desfocar em outros. Nosso olho vê diferente da câmera e consegue registrar isso com o desenho. Como fotografar um processo físico, como a inflamação de um pulmão?”.

Quem faz o curso de ilustração científica na UnB percebe as vantagens, que, para a estudante de biologia Gisele Spindola, de 22 anos, ficaram claras desde a época do ensino médio. “Meu professor desenhava no quadro e eu tentava copiar no caderno, mesmo sem saber fazer direito. Era bem melhor para fixar o estudo do que uma imagem digitalizada e projetada”, observa a jovem, que começou na aula de grafite, depois se identificou com o nanquim e agora quer aprimorar sua técnica em aquarela.

As aulas também inspiram outro aluno da biologia, Pedro Henrique de Oliveira, de 18, que até mudou os planos profissionais. “Queria ser professor, mas agora vou me especializar em ilustração científica. É desafiador e gratificante, além de poder ajudar pessoas a aprender mais por meio do desenho.”

Ciência e arte O espaço do Núcleo de Ilustração Científica (Nicbio) é um misto de estúdio de arte com sala de estudos: uma mesa larga ao centro comporta cavaletes e estojos de utensílios de desenho e pintura. Ao redor dela, estantes abrigam os mais variados livros sobre ilustração, biologia, anatomia e arqueologia, entre outros temas.

Nos cavaletes, os ilustradores colocam um tipo de tela, chamada prancha botânica, onde vão compor a imagem do espécime escolhido. Embora o ambiente proporcione uma abstração típica das artes plásticas, exige-se um rigor de laboratório. “Arte expressa emoção, imaginação e criatividade. O desenho científico deve levar uma informação científica, mesmo que gere alguma emoção”, diz Landin. Ferraz concorda com a colega norte-americana, tanto que sempre cobra precisão de seus alunos. “Esfumei muito uma orquídea branca, e o professor disse que aquela era outra flor, não era mais a que tinha escolhido para a prancha”, lembra Pedro Henrique.

Os trabalhos de Ferraz e seus alunos chamam a atenção pelos traços realísticos, próximos à fotografia. Mas o biólogo defende que não é questão de talento, mas de prática. “Todo mundo sabe desenhar. O problema é que vamos crescendo e ficando mais autocríticos. Logo que dizem que não está bom, ficamos travados.” Ele lamenta também o pouco valor que o sistema educacional dá ao lado lúdico do aprendizado.

“Desenhar é uma forma de estudar, pois requer foco, concentração. Leonardo da Vinci estava estudando mais do que fazendo arte quando pintou músculos.” Gisele Spindola complementa: “Quando desenhamos, fica mais fácil memorizar informações. Hoje, sei diferenciar a flor de lobeira de outras porque ela é mais difícil de desenhar”.

 

Árvore do cerrado
A lobeira (Solanum lycocarpum) é uma árvore típica do cerrado, sendo encontrada também em biomas do Norte, Sul e Sudeste do país. O fruto dessa árvore tem usos medicinais e culinários, além de ser preferida pelo gado durante o período de seca, pois suas folhas não caem nessa época.

 

Palavra de especialista
Aina Azevedo, esquisadora de desenho em antropologia pela Universidade de Aberdeen, na Escócia

Processos e registros
“O desenho vem sendo revigorado em várias áreas, inclusive no meio artístico. E em áreas como a biologia, o desenho científico sempre teve e continua a ter  papel importante. Não se trata de trocar o desenho pela fotografia, nem o contrário. Existe o fato do desenho como técnica de observação, mas isso não se restringe a perceber os detalhes das coisas. Relaciona-se também à permanência na observação e à percepção das temporalidades, à possibilidade de produzir o registro de uma lembrança. Cada pesquisador descobre suas motivações por meio do desenhar como processo de conhecimento.”


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