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Estado de Minas

Estudo encontra a primeira forte evidência de água em Marte

Tudo indica que há água líquida no planeta, na forma de poças que se formam de noite e evaporam de dia. Fenômeno não é indicativo de vida


postado em 02/05/2015 12:00 / atualizado em 02/05/2015 13:59

Roberta Machado

(foto: AFP PHOTO / HANDOUT / NASA/JPL-)
(foto: AFP PHOTO / HANDOUT / NASA/JPL-)

Marte pode ter formações de água líquida, de acordo com estudo publicado na revista Nature Geoscience. Longe de serem os lagos que os cientistas acreditam ter existido no Planeta Vemelho bilhões de anos atrás, essas pequenas poças não passam de um filme úmido que se forma todas as noites e evapora pela manhã. O fenômeno ocorreria graças à presença de um sal presente em todo o solo do mundo vizinho. A pesquisa sugere ainda que exista uma troca ativa de água entre a atmosfera e a superfície marcianas, o que pode influenciar no planejamento de futuras missões espaciais.

A pesquisa usou dados colhidos ao longo de um ano marciano (686 dias na Terra) pelo laboratório de ciência móvel Curiosity e que forneceram um quadro completo das temperaturas e da umidade durante as quatro estações marcianas. As condições climáticas do planeta, combinadas com a presença do sal perclorato de cálcio no solo, seriam suficientes para que o vapor d’água formasse um tipo de salmoura todas as noites na superfície. Essa é considerada a primeira forte evidência da existência de água líquida no corpo celeste, embora as poças salgadas não possam ser de fato observadas pelo robô da agência espacial norte-americana, a Nasa.

Isso ocorre porque, apesar de ser o mais avançado equipamento já enviado a Marte, o Curiosity não conta com os instrumentos necessários para monitorar a mudança de estado da água de vapor para líquido. “O Curiosity não é criado para a detecção direta de salmouras líquidas, assim como não é feito para encontrar vida, mas sim para avaliar as condições de habitabilidade”, explica Javier Martín-Torres, pesquisador da Luleå University of Technology, na Suécia, e principal autor do trabalho.

Ciclo ativo
A teoria da existência das poças salgadas no Planeta Vermelho foi formulada originalmente na década de 1960, mas essa é a primeira vez que uma missão é capaz de obter os dados necessários para mostrar que o fenômeno pode ocorrer não somente nos polos, mas também na região equatorial do planeta. Essa ainda é a primeira vez que o modelo é testado sobre os dados climáticos de todas as estações do ano – o clima do planeta é tão instável que uma pessoa que estivesse no solo marciano ao meio-dia sentiria uma diferença de 20ºC entre seus pés e seus olhos.

Os levantamentos feitos pelo rover revelaram que a umidade relativa de Marte varia de 5%, no verão, a 100%, nas noites das estações mais frias, e que a temperatura pode oscilar 40ºC num único dia. Os pesquisadores acreditam que as poças d’água se formem principalmente no inverno, quando as condições são ideais para o acúmulo do líquido no solo do planeta.

Os autores ressaltam, no entanto, que o volume e a duração das formações d’água e as baixíssimas temperaturas marcianas não seriam o suficiente para abrigar vida como a que conhecemos. “Descobrimos que há um ciclo de água ativo, mas, depois desse estudo, não podemos concluir que o planeta está vivo, nem de um ponto de vista biológico, nem geológico”, explica Martín-Torres. “Mas o fato de que a água líquida possa estar presente em condições em que micro-organismos terrestres não podem se reproduzir ou sobreviver terá implicações na regulamentação de proteção planetária (regras para não prejudicar o sistema marciano) e na definição de regiões para o pouso (de missões)”, acredita o pesquisador.

O especialista brasileiro em exobiologia Jorge A. Quillfeldt lembra que a existência de vida em concentrações salgadas como as que os cientistas acreditam existir em Marte já foi confirmada na Terra, mas ressalta que é cedo para falar sobre vida em poças d’água marcianas. “Não só essa é uma previsão teórica a partir de fatos, como também precisa ser comprovada in loco de que funciona assim”, afirma o professor do Departamento de Biofísica da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS).

Em 2012, a pesquisadora brasileira Emanuele Kuhn provou que uma comunidade de bactérias sobrevive em condições similares sob 20m de gelo na Antártica, mas falar sobre a existência de vida em Marte seria pura especulação. “O problema é que essas condições tão variáveis são, geralmente, incompatíveis com vida, embora se possa supor organismos unicelulares extrenófilos adaptados a essas condições”, explica Quillfeldt

Química
Observações feitas pela câmera do Curiosity já revelaram que o Planeta Vermelho tem áreas com características de antigos leitos de rios, onde seixos arredondados mostram que ali havia água corrente. Novas imagens também mostram a presença de sedimentos planos, que parecem ter se formado quando o líquido era abundante no planeta. “Esse tipo de depósitos foram formados quando grandes quantidades de água escoavam nas encostas da cratera, e essas correntes d’água encontravam a água inerte na forma de um lago”, descreve, em comunicado, Morten Bo Madsen, professor do Instituto Niels Bohr, na Universidade de Copenhague.

Essas formações, no entanto, se extinguiram há bilhões de anos. A teoria da existência atual de água líquida em Marte se baseia num fenômeno químico conhecido como deliquescência. O perclorato presente na superfície se encarrega de atrair a umidade do ar e mantê-la no estado líquido, mesmo em temperaturas negativas. “O sal começa a puxar a água e ela vai se solubilizando. Quando você tem essa solução de água e sal, você abaixa a temperatura de congelamento dessa água”, explica o professor de química Felipe Azevedo, da Universidade Católica de Brasília. Assim que o sol nasce e a temperatura sobe, a água volta a evaporar. “Com os dados sobre a umidade, a pressão e as temperaturas do solo e do ambiente, eles conseguem inferir, a partir do diagrama de solubilidade do sal, se isso pode acontecer ou não”, esclarece o especialista.

Azevedo ressalta que essa salmoura que pode se formar diariamente no solo marciano tem propriedades oxidativas que danificam componentes eletrônicos. “Isso pode atrapalhar o material de uma sonda, por exemplo. O perclorato diminui o tempo de vida do equipamento e ele começa a se degradar”, aponta o químico. Atualmente, missões robóticas e tripuladas já lidam com outras dificuldades do agressivo ambiente marciano, que incluem as bruscas mudanças de temperatura, a atmosfera quase inexistente e a radiação.

 

Na cratera Em agosto de 2012, o rover Curiosity pousou em Marte na Cratera Gale, localizada ao sul do equador do planeta. A chegada do laboratório móvel ocorreu no fim da primavera marciana. Em mais de dois anos e meio, o robô percorreu mais de 10km em direção ao Monte Sharp, localizado no meio da cratera, que os pesquisadores acreditam ter sido um grande lago há milhões de anos.


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