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Estado de Minas

Tribo indígena tem maior número de bactérias no corpo

Descoberta pode ajudar a entender como se forma a resistência a antibióticos


postado em 23/04/2015 07:26

Ianomâmis na Amazônia venezuelana: em um dos grupos da região, foi observada resistência a antibióticos(foto: Leo Ramirez/AFP - 7/9/12)
Ianomâmis na Amazônia venezuelana: em um dos grupos da região, foi observada resistência a antibióticos (foto: Leo Ramirez/AFP - 7/9/12)
Uma tribo de ianomâmis que viveu até o século 21 sem contato com civilizações ocidentais, no interior da Amazônia venezuelana, é o grupo humano com o microbioma mais diverso observado até hoje. Ou seja, em nenhuma outra comunidade, as pessoas têm um número tão diferente de bactérias no corpo. A descoberta, relatada por pesquisadores dos Estados Unidos e da Venezuela na revista Science Advances traz pistas sobre porque o ser humano desenvolve resistência a antibióticos e mostra a importância de estudar o organismo de comunidades isoladas, o que pode levar à descoberta de remédios.

O grupo indígena estudado – cuja localização não foi revelada para preservá-lo – permaneceu sem contato com ocidentais até 2008, quando foi visualizada por militares que sobrevoavam a floresta. No ano seguinte, técnicos do Ministério da Saúde do país sul-americano visitou a tribo, e um dos autores da pesquisa recebeu autorização para acompanhá-los. “Nós já estávamos estudando o microbioma dos ameríndios quando surgiu a oportunidade de uma expedição para essa comunidade sem contato com outros povos”, conta Maria Gloria Dominguez-Bello, professora associada da Faculdade de Medicina da Universidade de Nova York e coautora do estudo.

Foram colhidas amostras epiteliais, orais e fecais de 34 dos 54 moradores integrantes da tribo. Os cientistas compararam, então, o DNA bacteriano desses indivíduos com o de populações dos Estados Unidos e de duas comunidades tribais que sofreram grande exposição à cultura ocidental: os Guahibo, da Venezuela, e moradores de zonas rurais do Malawi, no Sudeste da África.

Estilo de vida As análises mostraram que o microbioma de pessoas que vivem em países industrializados é cerca de 40% menos diversificado do que o dos ianomâmis isolados. “Nós encontramos uma diversidade sem precedentes nas amostras”, destaca Dominguez-Bello. Os cientistas acreditam que isso se deve ao fato de a tribo não ter sofrido a influência de antibióticos modernos e dietas industrializadas. “Não temos certeza de por que isso acontece, mas presumimos que o estilo de vida moderno, que inclui antibióticos, cesarianas e produtos antimicrobianos, leva à perda da diversidade”, destaca a autora.

Para Michele Migliavacca, geneticista do Laboratório Exame, de Brasília, também acredita que a falta de contato da tribo com outras culturas possa ser a causa do alto índice de diversidade microbiana dos ianomâmis. “Faz muito sentido isso ocorrer, já que essa população não foi exposta a nenhum tipo de medicamento”, explica a especialista, que não participou da pesquisa.

Outro ponto que chamou muito a atenção dos pesquisadores foi o fato de os índios venezuelanos, mesmo sem nunca terem sido expostos a medicamentos, terem bactérias com genes resistentes a antibióticos naturais e sintéticos. A constatação deve levar a novos estudos sobre como se forma a resistência a esses remédios. “Isso mostra que você não precisa de exposição aos antibióticos para possuir genes que lutam contra eles”, afirma Dominguez-Bello.

QUESTÕES ÉTICAS Pesquisas realizadas em comunidades indígenas exigem cuidados especiais para que não haja ações danosas à população ou firam a ética. Um caso emblemático ocorreu na década de 1960, quando pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, coletaram amostras de sangue de ianomâmis da Venezuela e do Brasil sem autorização dos líderes das tribos. O caso repercutiu mundialmente e gerou discussões sobre os procedimentos adequados em pesquisas com indígenas. O episódio só teve fim este ano, com a devolução das amostras às comunidades após uma ação conjunta de órgãos do governo brasileiro.

Débora Diniz, antropóloga e pesquisadora do Anis – Instituto de Bioética, Direitos Humanos e Gênero, explica que a pesquisa de 50 anos atrás e a publicada agora têm importantes diferenças. “Temos dois pontos nos quais os trabalhos são distintos. Primeiro, os pesquisadores do estudo da Science Advances entraram em contato com os órgãos reguladores da Venezuela, e os americanos da pesquisa anterior, ao que tudo indica, não tomaram essa atitude. Outra diferença é que o trabalho anterior não tinha uma finalidade definida. Os cientistas apenas guardaram as amostras de sangue recolhidas para manter um banco de dados. Nesse trabalho recente, os pesquisadores buscaram estudar o microbioma, eles tinham um objetivo claro”, destaca a especialista.

Diniz acredita que pesquisas como a publicada esta semana, quando realizadas com o respaldo ético, podem contribuir para novas descobertas científicas. “Estudar uma população com padrões tão específicos pode trazer um grande ganho para a área científica”, opina.

De fato, os autores têm esperança de que o trabalho ajude, por exemplo, no combate a doenças autoimunes. “As sociedades modernas têm controlado doenças infecciosas, mas as doenças autoimunes e a obesidade estão subindo rapidamente nos países industrializados. Nós pensamos que a má educação do nosso sistema imunológico está relacionada a esse fenômeno. Isso pode estar ligado às influências sofridas no microbioma”, diz Dominguez-Bello. Os pesquisadores pretendem dar continuidade ao estudo, investigando a recente influência médica ocidental na aldeia ianomâmi venezuelana. “Gostaríamos muito de voltar agora que antibióticos foram introduzidos.”


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