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Estado de Minas

Moradores de Baependi dormem como se vivessem na era pré-industrial

Estudo da USP acompanha a hora de dormir e acordar de 3 mil moradores de cidade mineira em que a população dorme cedo e acorda assim que amanhece


postado em 19/03/2015 08:44 / atualizado em 19/03/2015 08:46

Igreja da Matriz, no Centro de Baependi: população costuma se deitar de uma a duas horas mais cedo que moradores de grandes centros urbanos (foto: (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press))
Igreja da Matriz, no Centro de Baependi: população costuma se deitar de uma a duas horas mais cedo que moradores de grandes centros urbanos (foto: (Gladyston Rodrigues/EM/D.A Press))
Brasília – Na pequena e tranquila Baependi, cidade com cerca de 18 mil habitantes no Sul de Minas, a vida segue um ritmo bem diferente do de grandes cidades. As pessoas não costumam esticar muito a noite, preferindo dormir cedo. E, tão logo o dia amanhece, estão de pé. É como se a população, pelo menos em relação aos hábitos de sono, vivesse em tempos pré-industriais, com um relógio biológico muito parecido ao natural.

Por esse motivo, a localidade se tornou foco de um estudo que busca compreender o regime de sono moderno, conduzido por especialistas da Universidade de São Paulo (USP) e da Universidade de Surrey, no Reino Unido. Depois de investigar a vida de moradores de Baependi, os autores do trabalho, publicado no jornal especializado Scientific Reports, concluíram que a hora de deitar e levantar é resultado de uma combinação de fatores ambientais e genéticos.

Segundo Alexandre da Costa Pereira, um dos autores do artigo, a investigação foi iniciada 10 anos atrás, como um estudo sobre a saúde cardiovascular. “Queríamos identificar os fatores genéticos ligados a doenças do coração, e, com o passar dos anos, o trabalho englobou outros traços do nosso interesse, como o sono”, conta ao Estado de Minas o médico do Instituto do Coração (Incor), ligado ao Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP.

Em Baependi, os especialistas puderam analisar casos de diferentes gerações, pertencentes às mesmas famílias e que seguem hábitos muito parecidos, o que ajuda a identificar as influências genéticas e ambientais sobre o comportamento. Outra vantagem oferecida pelo município é o estilo de vida que se leva ali. “Baependi é uma cidade muito autêntica e tradicional, com muito pouca migração de entrada. Apesar de quase todos os habitantes terem acesso à eletricidade e à televisão, o estilo de vida ainda é muito tradicional em diversos aspectos”, explica Malcolm Von Schantz, pesquisador da Universidade de Surrey e coautor do trabalho.

Exposição à luz

Os cientistas coletaram dados de 3 mil moradores por meio de questionários sobre hábitos diários e de um polissonógrafo, aparelho usado para avaliar a qualidade do sono. “O ritmo circadiano (relógio biológico) do moradores de Baependi, aparentemente, é muito mais similar ao dos nossos antepassados do que ao das pessoas em metrópoles, como São Paulo e Londres. Lá, as pessoas preferem começar o dia mais cedo e ir para a cama mais cedo, cerca de uma hora na área municipal e duas horas na zona rural. Nós acreditamos que a causa mais importante disso é que eles ficam mais expostos à luz solar, já que muitos deles trabalham ao ar livre”, justifica Schantz.

Alexandre Pereira acrescenta que foi possível notar, ainda, que há diferenças nos relógios biológicos de uma pessoa para outra. “Alguns indivíduos tendem a ter o relógio determinado para acordar mais tarde, e só assim se sentem melhor para as atividades diárias. Isso é interessante, porque vimos, nas famílias, o quanto isso também é determinado geneticamente”, afirma o médico brasileiro. “Os dois pontos são importantes: a exposição ambiental e a genética refletem nas relações de bem-estar da pessoa.”

Para os autores, o ciclo circadiano observado em Baependi pode trazer uma série de vantagens para a saúde da população. “Os dados que possuímos ainda não são muito claros, mas sabemos que, quanto mais alterado o relógio biológico de uma pessoa, mais ela estaria suscetível a ter doenças crônicas, como hipertensão, obesidade ou depressão”, destaca Alexandre.

Novidade

Para a neurologista Cláudia Barata Ribeiro, apontar a influência genética sobre os hábitos do sono é o ponto mais interessante do estudo. “Instintivamente, já sabíamos dos dispersores noturnos, como o computador e a televisão, por exemplo, que acabam mudando o padrão do sono. Por isso, em um ambiente rural, temos a tendência de acordar mais cedo. O que achei novidade foi a questão dessa regulação ter algo a ver com a hereditariedade, pois foi possível observar hábitos de famílias”, analisa a médica, que não participou do estudo.

Ela também comenta a ligação entre dormir cedo e os benefícios à saúde. “Sabemos que existe uma relação entre o ciclo circadiano e doenças como a diabetes. E sabemos que a quantidade de horas de descanso é importantes para a saúde. Contudo, ainda não temos como fazer uma ligação direta entre o sono e os benefícios ao corpo”, acrescenta Cláudia.

O trabalho dos cientistas deve ser continuado, focando a relação entre o sono e o risco de doenças cardíacas. “Agora, vamos tentar confirmar essa hipótese, pedindo que as pessoas usem aparelhos que medem a atividade e a exposição à luz em diferentes momentos do dia. Também queremos saber se o povo em Baependi têm menos problemas com insônia. Finalmente, investigaremos se o hábito de acordar mais cedo e estar em maior sintonia com o sol está associado positivamente ou negativamente a fatores de saúde física e mental”, adianta Schantz.

 


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