Paloma Oliveto
Foi um ano de muitos frutos para a ciência. Depois de uma década de espera, finalmente uma sonda pousou, pela primeira vez, na superfície de um cometa. O feito não só amplia o conhecimento sobre esse corpo celeste, como também é uma demonstração de que a jornada humana pelo universo alcança voos cada vez mais altos. Que o diga a Índia, cuja missão bem-sucedida a Marte pegou de surpresa países que estavam nessa corrida há muito mais tempo.
A medicina também deu passos largos, com a comprovação de que, um dia, o câncer poderá ser combatido pelo próprio organismo, sem necessidade de tratamentos agressivos, como a químio e a radioterapia. A estratégia já está dando certo para pacientes de melanoma graças à persistência de uma médica que sempre sonhou em curar a doença com a ajuda das células T, presentes no sistema imunológico.
Mas 2014 teve seu lado trágico. Uma epidemia de ebola explodiu na África Ocidental, dizimando mais de 6 mil pessoas, incluindo muitos profissionais da saúde. Entre eles, Sheik Humarr Khan, um virologista que, convidado a trabalhar no exterior, preferiu se mudar para a zona rural de Serra Leoa para ficar próximo dos mais necessitados. Sem querer abandonar os pacientes, acabou, ele mesmo, infectado, morrendo da doença.
Formado por cientistas renomados de diversas áreas, o time de editores de uma das principais revistas especializadas, a Nature, da Inglaterra, elegeu as personalidades mais importantes do ano. Veja quem foi destaque.
Andrea Accomazzo, diretor da missão Rosetta
Há tempos ele não consegue dormir direito. Acorda de madrugada, achando que algo pode dar errado. Então, lembra-se de que já passou. Philae pousou no cometa 67P às 14h03 (horário de Brasília) de 12 de novembro. A missão Rosetta, executada a 500 milhões de quilômetros da Terra, foi um sucesso. A fixação é explicável. Desde 1999, Andrea Accomazzo integra o projeto da Agência Espacial Europeia e, ao longo desse tempo, alcançou o cargo de diretor de voo da missão. A jornada, iniciada em março de 2004, começou com a sonda sobrevoando Marte e a Terra e usando a força gravitacional dos planetas para ganhar velocidade. Quando se confirmou o pouso, Accomazzo declarou: “Nós estamos sobre o cometa 67P/Churyumov-Geramisenko, e estamos muitos felizes”. Mas o diretor ainda não consegue dormir em paz. Enquanto Philae hiberna, a Rosetta continua suas observações até o fim de 2016.
Maryam Mirzakhani, matemática
Ao longo de 10 anos, Maryam Mirzakhani buscou a solução para um problema matemático com o qual se deparou quando ainda era estudante de graduação em Harvard. Àquela altura, ela já era um talento e tanto: a iraniana superdotada acumulava medalhas em olimpíadas internacionais. Aos 31 anos, Maryam se tornou professora da prestigiada Universidade de Stanford, onde faz pesquisas sobre a teoria de Tehichmüller, a teoria ergódica e a geometria simplética – temas extremamente confusos até mesmo para matemáticos. Foi o problema de uma década, porém, que rendeu a ela a medalha Fields, conhecida como o Nobel da Matemática, neste ano. A jovem descobriu como calcular o volume em espaços de superfícies hiperbólicas e conquistou a honraria ao lado do brasileiro Artur Avila. A conquista da iraniana tem um componente histórico. É a primeira vez que uma mulher recebe esse prêmio, que reconhece o trabalho de matemáticos desde 1936.
Suzanne Topalian, médica e pesquisadora oncológica
Quando era estudante de medicina, Suzanne Topalian perseguia a ideia de combater o câncer com o próprio organismo do paciente. Para ela, um dia seria possível fazer com que as células de defesa agissem como as drogas fortes e a radiação. Em 1985, ela começou a trabalhar no laboratório do imunologista tumoral Steven Rosenberg, do Instituto Nacional do Câncer dos EUA. O plano era ficar dois anos, mas se passaram 21 até Suzanne migrar para o próprio laboratório. Insistindo nas pesquisas mesmo quando os primeiros resultados deram errado, ajudou a desenvolver, em 2006, a droga nivolumab. Há dois anos, divulgou estudo mostrando que a molécula produziu respostas dramáticas em pacientes de melanoma avançado e de câncer de pulmão. Agora, cientistas procuram fórmulas de imunoterapia para combater tumores.
Koppillil Radhakrishnan, engenheiro
Gastando menos que o empregado nas filmagens do blockbuster Gravidade, a Índia ultrapassou Japão e China e se tornou o primeiro país a conseguir colocar uma sonda na órbita de Marte – e na primeira tentativa. À frente da empreitada de US$ 74 milhões (o filme hollywoodiano custou US$ 100 milhões) está o engenheiro Koppillil Radhakrishnan, que cuida de assuntos gerais na Organização de Pesquisa Espacial Indiana: de exploração marciana a sistema de alerta de tsunamis. Nos próximos três anos, a Índia pretende chegar à Lua, um plano perseguido também pela China e pelo Japão. Em Marte, a missão Mangalyaan vai recolher dados sobre condições climáticas do planeta vermelho, além de tentar ajudar a encontrar uma resposta que todos querem saber: se já existiu vida por lá. Para tanto, o equipamento vai procurar traços de metano – um composto orgânico – na atmosfera marciana.
Radhika Nagpal, especialista em robótica
Biologia nunca foi o forte dessa indiana, que penou para tirar boas notas na disciplina no ensino médio. Ela sempre sonhou com a engenharia e, hoje, é pesquisadora da área na Universidade de Harvard. Mas, então, eis que a biologia surgiu novamente em sua vida. Este ano, a equipe de Nagpal desenvolveu um “enxame” de 1.024 kilobots, pequeninos robôs que se comunicam por luz infravermelha e operam inspirados nos ninhos e colmeias de formigas, abelhas e cupins. Juntos, eles se organizam em formas bidimensionais, como estrelas. O trabalho poderá, no futuro, levar à invenção de equipes robóticas que se auto-organizem para responder a desastres ou agir em grandes faxinas ambientais.
Masayo Takahash, oftalmologista
A pesquisadora do Centro Riken de Desenvolvimento Biológico em Kobe, no Japão, quer devolver a luz a pessoas que perderam a visão devido a doenças degenerativas da retina. Masayo Takahash criou linhagens de células-tronco pluripotentes induzidas, aquelas com potencial para se transformar em qualquer tecido, a partir de camadas de pele retiradas dos próprios pacientes. Ao longo de uma década de investigações, a oftalmologista encontrou a fórmula certa. Até que, neste ano, após testar resultados em ratos e macacos, começou os transplantes celulares em pessoas com uma condição muito comum, a degeneração macular associada à idade, na qual os vasos sanguíneos destroem células fotorreceptoras e, por fim, a visão. A paciente inaugural foi uma mulher de 70 anos. Apenas daqui a 12 meses, Masayo vai revelar o resultado. Antes disso, fará mais transplantes de células-tronco.
David Spergel, astrofísico
As manchetes de jornais, revistas e sites científicos do mundo todo anunciaram: descobertas evidências de ondas gravitacionais no universo. Os sinais de longa distância forneciam evidências de que o cosmos ainda em formação passou por um rápido, mas imenso, período de expansão chamado inflação cósmica. Em meio à empolgação, David Spergel, astrofísico da Universidade de Princeton (EUA), ficou um tanto desconfiado. Especialista no Universo primordial, Spergel examinou os sinais e constatou que, na verdade, a equipe de cientistas que havia analisado os dados capturados pelo telescópio BICEP2 havia cometido um erro nos cálculos da distância das ondas. A equipe, já cotada para um Prêmio Nobel, reconheceu o engano.
Sjors Scheres, biólogo
O trabalho desse biólogo não envolve tubos de ensaio e placas dePetri. Sjors Scheres está envolvido em bilhões de cálculos. Sua missão é programar softwares. Mas não qualquer software. No Laboratório de Biologia Molecular de Cambrigde, o que o inglês faz é buscar uma forma de produzir imagens em altíssima resolução de ribossomos, estruturas formadas por proteínas e moléculas de RNA. Entre as contribuições de Scheres está a primeira imagem de um cromossomo híbrido – a compreensão dessa “sopa” de material genético é essencial para, entre outras coisas, desenvolver antibióticos mais eficazes.
Sheik Humarr Khan, infectologista
Quando a epidemia de ebola atingiu seu ápice em Serra Leoa, o infectologista Sheik Humarr Khan foi aconselhado a sair do país. Mas ele se recusou. Queria terminar o trabalho de sequenciamento do vírus circulante naquela região e também tratar os pacientes. O custo foi alto: Khan foi infectado e morreu em 29 de julho. De acordo com os que o conheciam, o médico acreditava tanto que a ciência deveria estar a serviço de todos que largou o posto de médico na capital, Freetown, para trabalhar na pobre e abandonada região rural de Kenema. A pesquisa da qual participou está mostrando como o vírus apresenta rápida mutação e, agora, em toda a África Oriental, laboratórios sequenciam o DNA viral atrás da história evolutiva do ebola.
Pete Frates, paciente
Há dois anos e meio, o jogador de beisebol Pete Frates, de 29 anos, recebeu o diagnóstico de esclerose lateral amitrófica. Desde então, o jovem perdeu as habilidades de falar e de se mexer. Em novembro do ano passado, ele assistia a um jogo quando viu, pela primeira vez, uma demonstração do desafio do balde de gelo, no qual pessoas postam e compartilham vídeos delas mesmas tomando um banho congelante a fim de levantar fundos para pesquisas sobre a doença. Em agosto, Frates resolveu abraçar a causa. Fez, ele mesmo, o desafio e, com a ajuda do softwares de comunicação que o auxiliam a se comunicar, postou o vídeo, que se tornou viral. Desde então, angariou US$ 115 milhões.
ELES FIZERAM A DIFERENÇA