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Estado de Minas

Dificuldade no aprendizado da matemática é tema de pesquisa na UFMG

Estudo desenvolve metodologia para diminuir a ansiedade e criar motivação em crianças e adolescentes


postado em 04/08/2014 09:05 / atualizado em 04/08/2014 15:29

(foto: Valf)
(foto: Valf)

Em meados da década de 1980, o cantor Renato Russo, à frente da banda de pop rock Legião Urbana, cantava com a boca colada ao microfone: “...eu odeio química, química, química. Não saco nada de física, literatura ou gramática. Só gosto de educação sexual...”. Estranhamente, em seu repúdio, Russo não mencionava uma das matérias que mais causam arrepios na maioria dos estudantes, a matemática.

E não somente arrepios. De acordo com um estudo feito por pesquisadores da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alguns alunos, “diante da necessidade de lidar com o tema, ficam extremamente ansiosos, apresentam reações orgânicas como suor frio, batedeiras no coração e diarreia, além de pensamentos negativos que o levam a alimentar, mesmo antecipadamente, uma sensação de fracasso”.

“Em algumas crianças, isso é algo paralisante, levando-as, inclusive, a abandonar a escola”, diz o professor da UFMG Vitor Haase, graduado em medicina, com mestrado em linguística aplicada e doutorado em psicologia médica. Ele trabalha no Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento (LND), que tem suas atividades centradas em quatro linhas de pesquisa: a Discalculia do Desenvolvimento (Transtorno de Aprendizagem da Matemática), o Retardo Mental, a Paralisia Cerebral Hemiplégica e a Aids.

O doutor coordena uma série de pesquisas sobre transtornos relacionados à cognição numérica, como discalculia e ansiedade matemática, no LND. Embora a discalculia possa ser uma das causas da ansiedade matemática, há pessoas que têm apenas esse segundo transtorno. “Na discalculia, geralmente, a criança tem dificuldade desde o início. Na ansiedade matemática, os sintomas começam a aparecer mais tarde, à medida que o grau de dificuldade vai aumentando”, esclarece.

Um dos estudos em andamento – realizado como dissertação de mestrado por Danielle Cristine Borges Piuzana Barbosa – é o desenvolvimento de metodologia, baseada em técnicas de terapia comportamental, para diminuir a ansiedade e aumentar a motivação de crianças e adolescentes no trato com a matemática. “Neuroimagens mostram que a ansiedade atrapalha o desempenho, já que a pessoa ocupa a maior parte dos seus recursos cognitivos com os pensamentos ansiosos e quase nenhum com a atividade proposta”, explica a psicóloga.

Estratégia

A partir da metodologia, inédita no país, Danielle Barbosa pretende montar programa de intervenção capaz de auxiliar escolas no ensino da matemática. “Nossa esperança é de que evidências resultantes desse tipo de pesquisa possam ser úteis na formulação de políticas públicas, embora exista um hiato entre pesquisadores, formuladores e implementadores dessas políticas”, comenta Vitor Haase.

Em sua pesquisa, Danielle Barbosa tem acompanhado crianças e adolescentes com perfil ansioso, de 12 a 16 anos, faixa etária em que se forma a chamada metacognição – capacidade de ter pensamentos sobre os próprios pensamentos –, o que lhes permite adquirir consciência das ideias negativas que atrapalham seu desempenho. O trabalho usa técnica comportamental de aprendizagem sem erro, que adapta o currículo à capacidade de cada aluno e, à medida que a criança vai obtendo sucesso e adquirindo autoconfiança, aumenta-se progressivamente o nível de complexidade das tarefas.

Ao mesmo tempo, o estudo apoia-se em estratégia cognitiva, que ensina a criança a reconhecer quando tem pensamentos automáticos negativos em relação à matemática. “Vamos ensinando-a a se questionar se aquilo tem ou não fundamento, se vai mais prejudicar do que beneficiar, procurando descobrir que tipo de ideia ela poderia desenvolver como alternativa”, descreve Danielle Barbosa.

Álgebra

Na avaliação inicial dos voluntários, é possível perceber se há ativação do sistema nervoso autonômo, além de pensamentos e sentimentos negativos em relação à matemática. Crianças com ansiedade matemática, em geral, sabem a tabuada, resolvem problemas mais simples e começam a ter dificuldades em situações mais complexas, a exemplo de problemas que envolvem álgebra. “Não é que não tenham capacidade cognitiva, mas mobilizam sua memória de trabalho e seus recursos apenas para lidar com a ansiedade. Assim, não conseguem lidar com outra coisa”, afirma a pesquisadora.

A intenção de Danielle Barbosa é propor metodologia que diminua a ansiedade e utilize técnicas para aumentar a motivação. O trabalho também inclui a autorregulação do comportamento, para que a criança crie uma rotina de estudo, uma vez que o exercício é fundamental para um bom desempenho em matemática. “A dificuldade em si – discalculia, por exemplo – não melhorou, porque não trabalhamos esse aspecto, mas sim como a criança lida com o problema”, justifica.

Além de pesquisas como a de Danielle Barbosa, Vitor Haase coordena o ambulatório Número, em que são atendidas crianças em idade escolar e adolescentes com dificuldade de aprendizagem de matemática – com inscrições abertas hoje. A partir de rápida avaliação, que envolve teste de inteligência, escala de comportamento e teste de desempenho escolar, é possível diagnosticar eventuais problemas, como transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH), autismo, dificuldade de aprendizagem em matemática, casos que são encaminhados para uma avaliação mais aprofundada.

Laboratório de Neuropsicologia do Desenvolvimento da UFMG
Local: Sala 2016 da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (Fafich), Câmpus Pampulha. Inscrições para novos atendimentos neste semestre podem ser feitas de hoje até sexta-feira, pelo telefone (31) 3409-6295.

Dano enorme
“Detestei o professor de matemática, seco e ríspido, que me dava aulas particulares, e caras, em sua casa e me reprovava nos exames. Creio que, por escrúpulos, pelo suborno. Desde então, cismei com a ditadura da matemática sobre toda a educação. Ela é, de fato, um pendor que alguns têm e muitos não têm, não sendo ninguém melhor ou pior por isso. É uma disciplina tão vocacional como a embocadura para flautas. Colocada na posição de porteira de acesso ao ensino médio e superior, tem feito um dano enorme, jogando fora gente boa como eu, por pura burrice.”

(Trecho da autobiografia Confissões, de Darcy Ribeiro (1922-1997), intelectual, antropólogo, escritor e ministro da Educação durante o governo João Goulart)

 


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