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Estado de Minas

Cérebros de leitores interpretam emoções de livros como experiências reais, aponta estudo

Pesquisadores norte-americanos apontam que alterações cerebrais despertadas por romances são similares às geradas por situações concretas


postado em 12/01/2014 08:58 / atualizado em 12/01/2014 09:31

Estudo submeteu pessoas à leitura diária de uma mesma obra; mudança nas atividades de neurônios era percebida até um dia após contato com livro(foto: Maciej Urbanek/sxc.hu/Banco de imagens)
Estudo submeteu pessoas à leitura diária de uma mesma obra; mudança nas atividades de neurônios era percebida até um dia após contato com livro (foto: Maciej Urbanek/sxc.hu/Banco de imagens)
"Um grande livro deve deixá-lo com muitas experiências e um pouco exausto no final. Você vive várias vidas enquanto lê." A frase de William Styron resume o sentimento que muitos dos leitores mais apaixonados vivenciam quando terminam uma obra envolvente. É comum, afinal, que pessoas percam o fôlego ao acompanhar as aventuras do capitão Ahab em busca de Moby Dick ou que se reconheçam nos dilemas vividos pelos personagens criados por Jane Austen.

Mas, talvez, o escritor de A escolha de Sofia não soubesse que sua descrição das emoções da leitura fosse muito apropriada também para os efeitos que uma boa ficção têm no cérebro humano. Uma pesquisa recentemente realizada nos Estados Unidos mostra que ler um romance causa mudanças nas conexões neurais similares às que ocorreriam se a pessoa realmente tivesse vivido as experiências dos personagens fictícios.

O estudo, publicado na revista especializada Brain Connectivity, descreve como um grupo de 21 voluntários teve os cérebros examinados antes, durante e depois de uma maratona de leitura. Todos foram submetidos a cinco sessões diárias na máquina de ressonância magnética funcional antes de embarcarem na ficção. Depois, os participantes foram apresentados ao livro Pompeia, de Robert Harris, que serviu de estímulo para os cérebros examinados.

A obra foi dividida em nove partes, que deveriam ser lidas a cada noite do experimento. Na manhã seguinte à leitura do trecho indicado, cada participante respondeu a um questionário e foi novamente submetido à ressonância magnética, que registrou as mudanças ocorridas no cérebro. A lembrança da experiência narrativa durante o exame aumentou a excitação dos participantes conforme eles se aproximavam do clímax da história, marcado pela erupção do Monte Vesúvio sobre a antiga cidade romana.

A cada dia, também aumentava a conectividade visualizada no córtex temporal esquerdo, a área do cérebro relacionada com a compreensão da linguagem. A mudança era visível mesmo quase um dia inteiro depois da atividade, mostrando que a mente permanecia "alerta" para esse tipo de pensamento. Esse feito é chamado pelos estudiosos de vestígio de atividade.

Os exames também mostraram mudanças depois que os voluntários já haviam concluído a leitura do livro. Durante mais de cinco dias, eles voltaram para a máquina de ressonância magnética e os resultados foram comparados com as imagens registradas antes de eles começarem a ler o romance histórico.

 

Entre o início e o fim da experiência, foi possível notar conexões mais intensas no sulco central do cérebro, localizado entre os centros motor e sensório. Esses são os neurônios que são "ligados" não somente quando o corpo está ativo, mas também quando a mente pensa em agir. A região acende de forma similar, por exemplo, quando uma pessoa está correndo e quando ela imagina estar em uma corrida.

Efeito prolongado
“As mudanças neurais que encontramos associadas com a sensação física e os sistemas de movimento sugerem que ler um romance pode transportar você para o corpo do protagonista”, descreve, em um comunicado, Gregory Berns, pesquisador da Emory University, do estado norte-americano de Georgia. “Já sabíamos que boas histórias podem colocá-lo na pele de outra pessoa em um sentido figurativo, mas, agora, estamos vendo que algo também pode estar acontecendo biologicamente”, compara Berns.

Esse fenômeno, de acordo com a neurologista Sonia Maria Dozzi Brucki, é causado pela plasticidade cerebral, que permite mudar as conexões do cérebro de acordo com as experiências vividas por uma pessoa. Mas, nesse caso, as ações foram vivenciadas somente na imaginação do leitor. "É muito interessante provar que, por meio da leitura, a pessoa ativa áreas (do cérebro) como se estivesse mesmo vendo a ação. Isso mostra que você tem um grande circuito cerebral que pode ser ativado por meio de mecanismos externos", explica a coordenadora do Departamento Científico de Neurologia Cognitiva e do Envelhecimento da Academia Brasileira de Neurologia.

Os efeitos da leitura foram registrados até cinco dias depois da atividade, quando o experimento foi concluído. Mas os cientistas acreditam que estudos mais prolongados possam apontar com mais precisão a duração das marcas deixadas pela experiência literária no cérebro de uma pessoa.

Benefícios cognitivos
Especialistas lembram que o poder da sugestão e da imaginação havia sido registrado em estudos anteriores. "A ciência já mostra muito isso. Imaginar que esteja comendo 30 vezes um bolinho de carne e depois ser oferecido o bolinho de verdade vai deixar a pessoa com menos apetite. Você vivência aquilo, sem dúvida", descreve o neurologista Ricardo Afonso Teixeira, do Instituto do Cérebro de Brasília.

 

A leitura, de acordo com Teixeira, é uma forma usada pelo cérebro para perceber a realidade e, por isso, deixa marcas nas conexões como as experiências reais. "É outra linguagem que, assim como aprender uma língua estrangeira, tem benefícios cognitivos para a pessoa", avalia.

Até então, a maioria dos estudos havia se focado nos processos cognitivos envolvidos na leitura de contos, lidos durante os exames que registravam as mudanças nos cérebros de voluntários. Outras pesquisas já provaram que o pensamento criativo estimulado pela leitura gera também benefícios nas relações interpessoais. Estudando a complexidade dos personagens ao longo de uma história de ficção, o leitor faria um tipo de exercício de empatia, desenvolvendo a sensibilidade necessária para compreender os sentimentos de pessoas na vida real.

Para Sonia Maria Brucki, o estudo da Emory University sobre os efeitos das experiências vividas por meio dos personagens comprova os benefícios da leitura de ficção para o cérebro. Além de exercitar as áreas de linguagem e todas as regiões ligadas às informações abordadas na história, a imaginação traria consequências positivas para a saúde mental do leitor. "Em qualquer idade, o cérebro é capaz de criar novas sinapses. Desde a criança em formação até adultos e idosos, todos se beneficiam de qualquer tipo de leitura, seja técnica, de ficção ou literatura. Cada uma ativa o cérebro de uma forma diferente", defende Sonia.

Obra histórica
A ficção escrita pelo jornalista e escritor britânico Robert Harris descreve a história de Marcus Attilius, um jovem engenheiro que trabalhava em um aqueduto de Pompeia no ano de 79. O personagem descobre uma obstrução no sistema e logo conclui que uma erupção atingiria a cidade em breve. A aventura é coberta de intrigas políticas, que impedem o protagonista de salvar a cidade do desastre que a destruiria.


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