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Estado de Minas

Pesquisa revela que a cocaína deixa o cérebro sem freio

Em estudo feito com ratos, pesquisadores suíços mostram que, além de excitar os neurônios, a cocaína prejudica a liberação de substâncias que inibem a atividade mental


postado em 02/10/2013 15:30 / atualizado em 02/10/2013 15:43

Isabela de Oliveira

Pesquisadores da Universidade de Genebra, na Suíça, conseguiram ampliar o conhecimento sobre a forma como a cocaína age sobre o cérebro, um feito que pode levar, no futuro, ao desenvolvimento de medicamentos que ajudem a combater o vício na droga. Na edição mais recente da revista Science, os cientistas mostram como um estudo feito em ratos indicou que, além de a substância estimular circuitos excitatórios do córtex, algo de que já se sabia, ela prejudica a produção de neurotransmissores inibitórios. Em outras palavras, o entorpecente não só acelera os neurônios, como também desliga os freios desse processo.


O cérebro humano tem cerca de 100 bilhões de neurônios conectados. Essas células, no entanto, não são coladas umas às outras: elas conversam pela sinapse, um pequeno espaço em que substâncias químicas circulam, sendo liberadas e absorvidas. Uma delas é a dopamina. Quando o corpo recebe um estímulo de prazer — que pode ser uma fatia de bolo de chocolate ou uma droga como a cocaína —, algumas células nervosas liberam a dopamina, que é absorvida por outros neurônios que têm receptores para isso. Assim, a substância circula e garante satisfação à pessoa.


O que os pesquisadores suíços descobriram é que a cocaína desencadeia um processo que resulta na inibição de neurônios que liberam o Gaba, principal neurotransmissor inibidor do sistema nervoso central. Essa inibição ocorre em uma região específica do cérebro, conhecida como área tegmental ventral (VTA, na sigla em inglês).


“A grande novidade do estudo é apontar que a droga age indiretamente no sistema inibitório, e não tínhamos conhecimento disso. A cocaína é um estimulante do sistema nervoso e, portanto, ela estimula os circuitos. O que esses pesquisadores viram é que ela estimula o neurônio dopaminérgico, mas inibe um outro centro, que tem como função inibir essa excitação”, explica Rogério Tuma, neurologista do Hospital Sírio-Libanês de São Paulo, que não participou do estudo.


Para chegar a esse resultado, os pesquisadores aplicaram injeções de cocaína em ratos geneticamente modificados e observaram o efeito no cérebro dos animais por meio de optogenética, técnica que consiste na expressão de uma proteína sensível à luz, facilmente manipulada pelos cientistas. Christian Lüscher, um dos autores, afirma ao Correio que o estudo inovou ao olhar para os processos inibitórios na VTA. “Não há outras pesquisas olhando especificamente para a transmissão inibitória nessa região”, garante. O especialista acrescenta que a investigação traz muitas pistas sobre como o vício se forma e por que usuários podem sofrer com a síndrome de abstinência, grande desconforto físico que surge quando o uso da droga é interrompido. Isso porque essa inibição do Gaba perdurou por muito tempo. “O efeito foi observado nos animais por dias, senão por semanas.”


Esse resultado também é importante, segundo Rogério Tuma. “O estudo mostra que o neurônio, sob efeito da droga, muda seu comportamento de forma duradoura e, talvez, até permanente, o que é ruim. Claro que mais estudos precisam ser feitos, mas, se descobrirmos uma droga que iniba a ação desse neurônio, vamos diminuir o risco da dependência e diminuir os efeitos da substância”, avalia o neurologista.

Mais informações

Dartiu Xavier, coordenador do Programa de Orientação e Atendimento a Dependentes (Proad) da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), considera o estudo interessante porque ele amplia o conceito da dependência química. “Antes, só se falava em receptores de dopamina, mas, agora, sabemos que há mais coisas no cérebro acontecendo para que a pessoa fique dependente”, diz. “Hoje, temos um grande questionamento: muitas pessoas consomem drogas, como cocaína e crack, mas nem todas são dependentes. Por que uma certa minoria fica dependente dessas substâncias? Essa é nossa grande interrogação”, prossegue.


Para ele, é preciso estudar tanto o cérebro dos dependentes quanto daqueles que não sofrem com o vício. Nesse sentido, as pesquisas sobre plasticidade neuronal ganham cada vez mais espaço. “Isso porque determinadas áreas se adaptam à entrada da substância e modificam a arquitetura dessas regiões e da disposição das células. Saber como isso ocorre, portanto, abre novas perspectivas para o tratamento.”


Na Unifesp, há estudos que investigam o potencial de substâncias usadas no chá ayahuasca, consumido nos rituais da doutrina do Santo Daime, para frear o desejo pela cocaína e pelo crack. Segundo Xavier, há pessoas que, ao iniciarem os rituais, abandonam o uso das drogas. “No início, achávamos que era a filiação religiosa, algo relacionado com a fé. Mas descobrimos que não é só isso, pois esses alucinógenos têm influência na plasticidade do cérebro. Hoje, sabemos que eles têm potencial para futuros tratamentos”, explica o especialista, para quem a dependência é uma mistura de fatores psicológicos e biológicos.


“Se uma pessoa é submetida ao estresse e nasce no meio da cracolândia, vive tensa, com medo de agressão, há grandes descargas de adrenalina. O mesmo ocorre em pessoas que têm pais opressores, por exemplo, ou possuem outros problemas familiares. Isso os leva a uma descarga de alguns hormônios que também modificam funções cerebrais. As terapias hoje são uma junção de psicoterapia com remédios”, conta.


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