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Estado de Minas

Mudança alimentar impulsionou a evolução

Estudos indicam que ancestrais humanos incorporaram novas plantas à dieta há 3,5 milhões de anos, o que os ajudou a se diferenciarem de outros primatas


postado em 05/06/2013 09:18 / atualizado em 05/06/2013 09:12

Brasília – O bipedalismo é considerado o principal ingrediente de um ser humano: se os ancestrais do Homo sapiens não tivessem erguido a coluna vertebral, a história da evolução seguiria rumos bem diferentes. Mas a receita estaria incompleta sem a alimentação, que também desempenhou papel essencial na longa jornada da humanidade. Quatro estudos publicados na edição desta semana da revista científica Pnas revelaram que a primeira grande mudança dietética de hominídeos africanos ocorreu há 3,5 milhões de anos.

Segundo os artigos, por essa época, alguns primatas acrescentaram gramíneas, raízes e suculentas às refeições, se diferenciando bastante do típico menu dos ancestrais que dariam origem a chimpanzés, bonobos e gorilas. Apesar de não determinarem exatamente quais vegetais entraram no “prato”, os cientistas lembraram que arroz, batata e abacaxi são exemplos desses grupos de plantas que hoje fazem parte da alimentação dos homens.

A alteração no cardápio pode parecer apenas um detalhe, mas, na verdade, mostra que a linhagem da qual o homem descende desenvolveu uma característica que, ainda hoje, está presente. A capacidade de variar a alimentação é um traço que favorece a adaptação da espécie às adversidades surgidas ao longo do tempo, garantindo sua perpetuação. De acordo com o antropólogo que liderou os trabalhos, Matt Sponheimer, da Universidade de Colorado, em Boulder, nos Estados Unidos, ainda não se descobriu o que incentivou a mudança, visto que gramíneas e suculentas já existiam muito antes de determinados primatas resolverem incluí-las na dieta.

“O que ocorreu exatamente não sabemos, mas agora é do nosso conhecimento que, 3,5 milhões de anos atrás, alguns desses hominídeos começaram a comer coisas que nunca haviam experimentado. E é bastante provável que essas mudanças foram um importante passo para nos tornarmos humanos”, observa.

O menu ancestral foi descoberto graças a tecnologias de última geração que permitiram aos pesquisadores investigar em detalhes moléculas presentes nos dentes de 175 fósseis. Sponheimer é especialista em análise de isótopos estáveis, comparando diferentes formas de um mesmo elemento químico, como o carbono, que são identificados na dentição de animais milenares. Os isótopos de carbono estáveis ajudaram a identificar as espécies vegetais consumidas pelos hominídeos.

Curador sênior de Antropologia da Academia Californiana de Ciência e coautor de um dos estudos, Zeresenay Alemseged explica que as plantas podem ser divididas em três categorias, dependendo do método que usam para fazer fotossíntese: C3, C4 e CAM. Plantas do primeiro tipo, como árvores, arbustos e ervas, podem ser diferenciadas das demais porque as C4 e as CAM incorporam quantidades maiores do carbono-13, um isótopo pesado, em seus tecidos. Quando as plantas são consumidas, os isótopos incorporam-se também ao tecido do próprio animal que se alimenta delas. Mesmo milhões de anos depois da refeição, os cientistas podem medir, no esmalte do dente, quantidades relativas do carbono-13 e calcular que tipo de planta foi consumida.

“Esses artigos apresentam os mais detalhados estudos sobre alimentação dos primeiros hominídeos”, afirma Alemseged. “Como a alimentação é o fator mais importante para determinar a fisiologia, o comportamento e a interação de um ser com o ambiente, as descobertas nos dão novas pistas sobre os mecanismos que moldaram nossa evolução. O que temos aqui são informações químicas sobre o que nossos ancestrais comiam. Em termos simples, digamos que é como se tivéssemos achado um pedaço de comida agarrado entre os dentes e preservado durante milhões de anos”, compara.

As pesquisas analisaram de isótopos nos dentes de indivíduos de 11 diferentes espécies, com idades variando de 4,4 a 1,3 milhão de anos. Os resultados mostraram que, antes de 3,5 milhões de anos atrás, os primeiros hominídeos comiam quase que exclusivamente plantas do grupo C3. Contudo, isso começou a mudar, fazendo com que os ancestrais do gênero Homo, como os australopitecíneos, passassem a consumir uma mistura de vegetais de forma semelhante ao que ocorre hoje. Fósseis de outros animais que viviam na savana africana, como girafas, cavalos e pequenos macacos, também foram examinados e não se identificou alteração nos valores de isótopos de carbono ao longo do tempo, sugerindo que essa transformação dietética ocorreu apenas entre hominídeos, não se aplicando aos demais mamíferos.

Mudanças climáticas De acordo com Matt Sponheimer, os estudos publicados na Pnas indicam também pela primeira vez, que, à medida que o consumo de plantas C4 e CAM aumentou, os dentes dos hominídeos ficaram maiores. Outra observação está relacionada à extinção de uma espécie com características humanas, que deixou de existir há 1 milhão de anos. As análises de isótopos mostram que o Paranthropus boisei, um primata que também era bípede, tinha uma dieta mais restrita quando comparada à do gênero Homo.

O antropólogo da Universidade de Colorado explica que o grupo de cientistas ainda está pesquisando o que a descoberta significa em termos da evolução dos hominídeos e que relações teria com mudanças climáticas. Eles estão interessados particularmente no meio ambiente da época e se diferentes ecossistemas teriam impedido ou encorajado a dispersão desses primatas. “Isótopos são uma grande ferramenta para rastrear a origem do carbono, mas eles não contam toda a história. Queremos saber que comidas específicas foram consumidas pelos vários hominídeos que viveram muitos milhões de anos atrás, incluindo suas propriedades nutricionais, e como elas podem ter influenciado a anatomia ao longo do tempo”, afirma Sponheimer.

Água
Suculentas são um grupo de plantas cujos tronco, raízes ou folhas são adaptados para armazenar água em quantidades bem maiores do que outras espécies. É o caso da bromélia, da aloe-vera e do abacaxi, por exemplo.


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