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Estado de Minas

Pesquisadores criam atlas com as áreas do corpo preferidas pelos fungos

Trabalho vai ajudar a compreender diversos problemas, do pé de atleta ao melanoma


postado em 24/05/2013 10:30 / atualizado em 24/05/2013 10:31

Paloma Oliveto

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Brasília – Nem a mais higiênica das pessoas está livre de ter o corpo superpovoado por bactérias e fungos. Esses últimos, que formam um reino à parte na natureza, habitam lugares tão diversos quanto florestas, queijos e a pele humana. Uma vez que as comunidades de leveduras – gérmens unicelulares – são difíceis de serem cultivadas em laboratório, pouco se sabia sobre elas. Agora, pesquisadores dos Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos fizeram um atlas dos fungos que colonizam a epiderme de indivíduos saudáveis. Encontraram milhões deles, distribuídos por todas as partes: do meio da testa ao dedão do pé.

Em um artigo publicado na revista Nature, eles explicam que retiraram amostras de 4cm da pele de 10 voluntários entre 18 e 40 anos, sem problemas de saúde e que não haviam sido expostos a microbicidas nos seis meses anteriores à pesquisa. Usando uma metodologia adaptada a seres invisíveis a olho nu, os cientistas sequenciaram o DNA dos micro-organismos identificados e conseguiram medir a quantidade de cada um deles nas amostras. No total, foram achados 5 milhões de fungos, o que dá 500 mil por pessoa.

A área com maior diversidade de leveduras foi o pé: só no calcanhar, vivem espécies pertencentes a 80 gêneros. No dedão, os cientistas encontraram 60, e no espaço entre os dedos, 40. Como no restante do corpo, predomina o tipo Malassezia, que inclui os micro-organismos causadores de caspa e dermatite, por exemplo. Nas mãos, as colônias de fungos são poucas, comparando-se a bactérias: há cerca de 30. Já a parte central (tórax e abdômen) é a menos atraente aos fungos, sendo colonizada por entre duas e 10 comunidades diferentes.

“Aplicar o sequenciamento de DNA no estudo dos fungos da pele é um avanço no entendimento sobre a vida microbiana que coexiste em nossos corpos”, disse, em nota, Daniel Kastner, diretor científico do Instituto Nacional de Pesquisa do Genoma Humano (NHGRI) dos EUA, um dos órgãos que participou da análise. “Aliada ao sequenciamento recente que definiu a diversidade das bactérias, essa pesquisa nos fornece um quadro mais completo”, acrescentou. “Os fungos representam um dos maiores ramos da árvore da vida. Já os humanos têm um bioma riquíssimo e heterogêneo. À medida que aprendemos como esses micro-organismos interagem entre eles e com nosso corpo, seremos capazes de desvendar mecanismos associados a várias doenças, incluindo o câncer de pele, minha área de investigação”, conta Heidi Kong, coautora do estudo e cientista do Departamento Dermatológico do Centro de Pesquisa de Câncer dos EUA.

Unha encravada

A dificuldade de cultivar fungos em laboratório se deve ao fato de eles demorarem muitas semanas para se desenvolver fora do ambiente hospedeiro. Com isso, males menos complexos que tumores malignos também podem ficar sem solução. Diagnosticar unha encravada, por exemplo, parece bem fácil: basta olhar o dedão inchado. Tratar corretamente, contudo, já não é tão simples. Diferentemente do que ocorre com infecções provocadas por bactérias, em que é possível identificar corretamente a espécie causadora do problema, não há exames de cultura de leveduras. Ainda que existam antifúngicos no mercado, o micro-organismo diretamente envolvido na inflamação pode não ser atingido pelo remédio. Dependendo do caso, a consequência de um sapato apertado acaba sendo intervenções cirúrgicas.

O sequenciamento genético realizado pelos Institutos Nacionais de Saúde mostrou, inclusive, que a dinâmica biológica de unha encravada é mais séria do que parece. Apesar de saudáveis, 20% dos participantes tinham problemas como esse nos pés. Os cientistas constataram que, enquanto infecções no calcanhar envolvem a mesma comunidade fúngica, no caso das unhas inflamadas diferentes tipos de leveduras entram em ação.

Heidi Kong esclarece que os fungos fazem parte do ecossistema humano, não sendo, naturalmente, ameaças à saúde. “A pele reúne as condições ideais para o crescimento das leveduras: é quente e ácida. Mas eles vivem apenas na superfície porque a epiderme é uma barreira física formidável, resistindo à penetração dos micróbios no organismo. Além disso, a pele se renova constantemente, sendo descamada junto das bactérias e dos fungos”, diz.

Contudo, perturbações no organismo podem fazer com que as populações de hóspedes até então inofensivas proliferem, causando doenças. É o caso da candidíase, infecção que ataca principalmente o órgão sexual feminino, embora também apareça na boca (sapinho). O fungo Candida albicans, que desencadeia sintomas como coceira e inchaço, habita a epiderme sem perturbá-la. Quando o sistema imunológico está deficiente, porém, as colônias crescem desordenadamente e precisam ser contidas com medicamentos.

Desconhecimento

“Qualquer pessoa pode sofrer de diversas condições provocadas por fungos, de pé de atleta a infecções sistêmicas que ameaçam a vida”, lembra Arturo Casadevall, microbiólogo e imunologista da Faculdade de Medicina Albert Einstein, em Nova York, que não participou do estudo. “Os fungos também podem predispor a doenças como asma e alergia. Mas, apesar da frequência de infecções do tipo, elas ainda são difíceis de diagnosticar e tratar. Quando se deparam com uma infecção fúngica sem diagnóstico exato, os médicos são forçados a passar remédios para os pacientes sem saber se eles vão funcionar ou só farão as pessoas perderem seu tempo e dinheiro”, conta.

Para Casadevall, integrante da Academia Americana de Microbiologia e coautor do estudo “O reino dos fungos: diversidade e papéis essenciais no ecossistema da Terra,” é preciso ampliar o banco de dados genético desses micróbios. “A falta de identificação de espécies e gêneros dificulta o controle de patógenos fúngicos. Consequentemente, a população fica mais exposta”, acredita. De acordo com o especialista, a pesquisa publicada na Nature fornece uma boa ideia sobre a circulação de micróbios na epiderme. Apesar de reconhecer que esse é apenas o começo da exploração de um bioma complexo, ele afirma que os dados revelados pelo estudo são “extremamente valiosos para a comunidade médica e científica”.


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