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Estado de Minas

Gene estimula pessoas com TDAH a fumar

Segundo pesquisa, crianças com o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade compartilham fatores genéticos que podem levá-las ao tabagismo na idade adulta


postado em 16/11/2012 07:35

O transtorno do déficit de atenção e hiperatividade (TDAH) é um distúrbio neurobiológico complexo, altamente hereditário, que aparece na infância e frequentemente acompanha o indivíduo por toda a vida. Devido aos sintomas de desatenção, inquietude e impulsividade, ele é conhecido por afetar negativamente as relações sociais e dificultar as realizações acadêmicas e profissionais. Além disso, as taxas de abuso de drogas em pessoas com TDAH são elevadas, sendo que o tabagismo é um dos principais destaques. Apesar de a correlação entre o transtorno e o vício em nicotina ser conhecida, um estudo canadense mostrou, pela primeira vez, que crianças com TDAH compartilham fatores genéticos que as predispõem a se tornarem adultos fumantes.

A partir da análise de amostras de sangue de 454 crianças entre 6 e 12 anos com TDAH, cientistas do Douglas Mental Health University Institute, em Montreal, pesquisaram cinco variações de polimorfismo de nucleotídeo único (SNP, na sigla em inglês), consideradas indicadores de alto risco para o tabagismo. O resultado mostrou que uma dessas variações estava mais presente nas crianças com TDAH do que no restante da população. Com isso, os especialistas sugerem que essa seria uma alteração comum aos dois problemas, que poderia explicar sua ocorrência concomitante.

“A associação entre esse gene e o hábito de fumar já estava firmemente estabelecida em outros estudos. Entretanto, a nossa é a primeira pesquisa que mostra tal associação em crianças com transtorno do déficit de atenção e hiperatividade”, esclarece Ridha Joober, principal autora do artigo, em entrevista ao Estado de Minas. Joober explica que para chegar à correlação estatística, sua equipe recrutou crianças com TDAH para coletar suas amostras de sangue e também de seus pais. “Nós extraímos o DNA e, em seguida, vimos como os genes são transmitidos de pais para filhos. Descobrimos que a variante genética que aumenta o risco para o comportamento de fumar é mais transmitida para as crianças e que essa transmissão é muito mais importante do que esperado”, pontua.

Apesar de estatisticamente significativos, Mário Louzã, coordenador do Projeto de Déficit de Atenção e Hiperatividade (Prodath), do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Universidade de São Paulo, ressalta que os resultados ainda são preliminares. “Sabemos que o fator genético não é suficiente para dar conta da relação entre tabagismo e TDAH; na verdade, para dar conta de qualquer relação entre transtornos mentais.” Segundo ele, o ambiente, tanto o biológico quanto o externo, é um fator importante, e em geral, é da interação entre ambiente e genes que resulta um transtorno mental, mesmo a relação entre tabagismo e TDAH. “Os resultados são ainda muito preliminares e necessitam de mais estudos em um número maior de pacientes para que se tornem aplicáveis na prática clínica”, pondera.

Além da importância dos fatores ambientais, Sérgio Bourbom, psquiatra e membro da Associação Brasileira do Déficit de Atenção, ressalta que a grande maioria dos transtornos depende da presença de vários genes coincidindo na mesma pessoa, e não somente de um. “Naturalmente, um dos genes para o TDAH pode ser necessário, associado a outros genes, para produzir outros problemas. Isso já foi estudado em relação à associação entre TDAH e transtorno bipolar”, explica o psquiatra.

Inclinação Uma das etapas do estudo canadense envolveu, além dos testes de sangue, um questionário aplicado às mães das crianças sobre os hábitos relacionados ao fumo durante a gravidez. Das 394 mães que forneceram tais dados, 171 fumaram durante a gravidez e 223 negaram o hábito. A relação do TDAH ao tabagismo foi possível, sob o ponto genético, porque, há algum tempo, a ciência tem explorado a contribuição de algumas variações genéticas para a inclinação de um indivíduo à dependência de nicotina.

De acordo com o Adalberto Rubin, diretor da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT), diversos estudos nacionais e internacionais já demonstraram que o tabagismo, em uma parcela da população, tem uma predisposição genética. “Isso explicaria por que algumas pessoas se viciam com mais facilidade do que outras, e algumas têm maior ou menor dificuldade para abandonar o tabagismo. Nem todo tabagista tem esse fator genético presente, mas ele pode contribuir com a manutenção do vício”, ressalta Rubin.

Além dos fatores genéticos, pode parecer razoável que uma pessoa hiperativa tenha uma tendência maior ao tabagismo. Por aumentar o efeito da atividade de serotonina e opiáceos no cérebro, a nicotina é conhecida pelo seu efeito calmante. Já que um dos sintomas do TDAH é a inquietude e a impulsividade, o cigarro poderia ser entendido pelas pessoas que sofrem do transtorno como uma forma de amenizar tais sensações. Entretanto, Guilherme Polanczyk, professor do Departamento de Psiquiatria da Faculdade de Medicina de São Paulo, afirma que a teoria da automedicação pelo fumo apresenta controvérsias. “Para algumas pessoas pode ser verdade, mas para outras o cigarro pode estar relacionado a uma novidade, ou à infração de regras, desrespeito a autoridades, comportamentos que estão relacionados ao perfil de TDAH.”

Apesar dos resultados preliminares, Adalberto Rubin acredita que a principal contribuição do estudo canadense foi chamar a atenção de pais de portadores de TDAH para a possibilidade de essas crianças desenvolverem o hábito tabagista na vida adulta. Entretanto, essa correlação poderia ocorrer tanto por fatores socioambientais quanto pelo auxílio de alguma alteração genética. Segundo a canadense Ridha Joober, o próximo passo de sua pesquisa será entender quais efeitos esse gene traz ao organismo. Sobre a possibilidade dos resultados de sua pesquisa abrirem caminhos para o desenvolvimento de uma terapia gênica capaz de tratar distúrbios como o tabagismo e o transtorno do déficit de atenção e hiperatividade, Joober acredita que o caminho ainda é distante, embora possível.

Base afetada

Polimorfismo de nucleotídio único é uma variação na sequência de DNA que afeta somente uma base — adenina (A), timina (T), citosina (C) ou guanina (G) — na sequência do genoma.


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