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Estado de Minas

Neurônios incomunicáveis podem retardar doenças

Cortar comunicação entre células nervosas pode protegê-las da apoptose, morte programada, diz pesquisa. Cientistas querem provar que estudo pode ajudar a tratar males degenerativos


postado em 22/10/2012 08:54 / atualizado em 22/10/2012 10:32

Apesar de não ter sentimentos nem fazer julgamentos morais, o organismo humano é capaz de grandes gestos de abnegação. Um deles é chamado de apoptose, ou morte celular programada. Ela ocorre, por exemplo, quando uma molécula de DNA – espécie de manual de instrução para o funcionamento do corpo – sofre lesões irreparáveis e a célula que o abriga “se suicida”, para diminuir os danos causados às vizinhas sadias. A atitude de renúncia, porém, não acaba com a possibilidade de o mal ter sido transmitido a colegas às quais a doente esteve ligada. Mas, e se a ligação que permite essa contaminação for cortada a tempo?

A partir dessa pergunta, pesquisadores brasileiros mostraram que cessar uma das formas de comunicação entre as células nervosas, os neurônios, pode ser uma estratégia simples e eficaz para protegê-las. Dessa forma, seria possível reduzir o raio de destruição de doenças neurodegenerativas, em que se dá a morte progressiva de neurônios, como na epilepsia, no mal de Alzheimer e no de Parkinson. “Se um neurônio em apoptose estiver acoplado a um neurônio sadio – como mostra nosso estudo –, esse acoplamento permite a passagem de determinadas moléculas que aumentam a probabilidade de o sadio também entrar em apoptose”, explica o líder da pesquisa, o professor Alexandre Kihara, coordenador da pós-graduação em Neurociência e Cognição da Universidade Federal do ABC (UFABC), sediada em Santo André, na Região Metropolitana de São Paulo.

No estudo, os pesquisadores observaram que a forma de comunicação interrompida foi a sinapse elétrica, em que correntes de íons e pequenas moléculas passaram diretamente de uma célula para outra por meio de canais conhecidos como “junções comunicantes”. Essa sinapse é diferente daquela de tipo química, na qual substâncias denominadas neurotransmissores se combinam com receptores presentes no neurônio vizinho, dando origem ao impulso nervoso. Já se sabia que as sinapses elétricas são fundamentais para os processos de aprendizado e memória. E cogitava-se também que o mesmo acoplamento ajudasse na proliferação da apoptose. “É isso o que mostram os resultados da nossa pesquisa. Alguma molécula passa adiante essa morte programada”, afirma Kihara.

Para que ocorra o trânsito de moléculas entre células, não basta que elas estejam interligadas. Também é preciso que existam gradientes: um dos neurônios acoplados deve ter maior concentração de moléculas que o vizinho e o meio extracelular. Nos experimentos em laboratório, os pesquisadores tiveram que gerar essa desigualdade e usaram uma estratégia inédita. Com uma agulha finíssima, provocam lesões mortais em minúsculos grupos celulares presentes em retinas de galos. Assim, as células se rompem e liberam seu conteúdo de forma descontrolada, o que causa desequilíbrio de componentes ao seu redor e induz a célula do lado a entrar em apoptose.

E por que se usou a retina das solícitas aves? “O olho delas é grande e muito resistente, possibilitando que a lesão seja focada o suficiente para produzir a morte celular em um ponto específico do tecido, sem ferir o entorno”, explica Kihara. Uma vez gerado o gradiente, a etapa seguinte dos experimentos foi realizada de duas maneiras: uma, com a retina ainda alojada na cavidade óssea do galináceo vivo; a outra, com a retina posta in vitro, depositada em um recipiente preenchido com um composto, o meio de cultura. No primeiro caso, as substâncias que bloqueiam as sinapses elétricas eram injetadas com a mesma agulha responsável pela lesão. No segundo, as substâncias estavam diluídas no meio de cultura, junto com nutrientes que mantêm a retina viva.

Das diversas drogas usadas como bloqueadores, as mais eficientes foram o carbenoxolone e a quinina. Quando os fármacos desacoplavam os neurônios, os pesquisadores observavam uma redução significativa do espalhamento da morte celular. Apesar do sucesso do experimento, ainda não dá para saber quais as moléculas transmissoras da apoptose. Já se considerava a possibilidade de que fossem a IP3 e íons de cálcio. A equipe, porém, levanta a hipótese de que micro RNAs podem estar envolvidos no processo. “A proposta de que eles trafeguem por junções comunicantes é considerada muito ousada. No entanto, ninguém conseguiu levantar argumentos concretos contra a hipótese, enquanto nós já temos alguns indícios a favor”, disse o professor da UFABC.

Equipe
Também participaram da pesquisa dois orientandos de doutorado de Kihara: Vera Paschon e Guilherme Higa, ambos bolsistas da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (Fapesp). Outros colaboradores foram os professores Luiz Roberto Britto, do Departamento de Fisiologia e Biofísica do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (USP), e Rodrigo Resende, do Departamento de Bioquímica e Imunologia da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialista em sinalização celular —termo que se refere ao complexo sistema de comunicação que governa as atividades e funções celulares —, o representante mineiro “contribuiu muito na concepção dos experimentos e na discussão de seus resultados”, resume o coordenador do estudo.

A pesquisa começou em 2009 e ainda está em andamento. Suas descobertas foram publicadas na revista internacional PloS One. Em abril deste ano, o estudo foi apresentado em um congresso mundial de neurociência no Canadá e, em agosto, na reunião anual da Federação de Sociedades de Biologia Experimental do Brasil. Recentemente, Kihara o expôs em um simpósio nacional de bioquímica e fisiologia celulares realizado na UFMG e organizado pelo professor Resende.

No futuro, a equipe quer investigar de que forma o bloqueio das sinapses elétricas pode atuar no tratamento de doenças neurodegenerativas. A expectativa é de que, em data ainda imprevisível, sejam criados medicamentos mais potentes que os atuais. Os testes em seres humanos, porém, estão distantes e dependem do que se consiga nas próximas etapas. A partir de agora, os cientistas usarão ratos e camundongos de laboratório, que, por serem mamíferos, podem mais facilmente desenvolver mal de Alzheimer e outras enfermidades do que galos. “O desacoplamento de neurônios pode ser usado de forma ainda mais eficaz. Continuaremos investigando como e quando fazer isso, dependendo da doença. Acreditamos que uma nova porta foi aberta para estudos em neurodegeneração”, ressalta Kihara.

Palavra de especialista

Henning Ulrich
professor do Departamento de Bioquímica do Instituto de Química da Universidade de São Paulo (USP)

Resultados promissores “A pesquisa é excelente. É uma visão totalmente nova a de que a interrupção do contato entre células limita a propagação do dano celular. É uma ideia simples, até óbvia, mas alguém teve que tê-la. Podemos comparar com a seguinte situação: se há uma epidemia, você pode contê-la isolando os doentes. Os resultados do estudo são altamente promissores. É preciso ver se é uma estratégia válida apenas para o cérebro ou se também se aplica a outros tipos de tecido. Falta saber, por exemplo, qual o mecanismo de transmissão da informação de morte programada, quais moléculas a transmitem, quais passam pelas junções comunicantes, em que situações essas junções deixam passar um fluxo maior ou menor de moléculas.”

 


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