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Estado de Minas

Tratamento para o derrame é colocado em xeque

Intervenção física deve vir antes de medicamentos nos tratamentos para a retirada do coágulo, dizem médicos


postado em 17/09/2012 08:12 / atualizado em 17/09/2012 08:32

Amplie e entenda melhor a pesquisa sobre o AVC
Amplie e entenda melhor a pesquisa sobre o AVC

Boca desviada para um dos lados, pálpebra superior caída e a perda da sensibilidade em um lado inteiro do corpo. Esses são os principais sintomas de um acidente vascular cerebral (AVC), conhecido popularmente como derrame cerebral. Nessa situação, cada minuto é extremamente precioso. A pessoa deve ser levada imediatamente a um hospital. Se for identificado um AVC isquêmico, ou seja, causado por um coágulo sanguíneo em uma das artérias do cérebro, nas primeiras quatro horas e meia, uma medicação anticoagulante será ministrada. Depois, até oito horas, um procedimento mecânico para a retirada do coágulo pode ser realizado. Finalizado esse período, cabe apenas o tratamento clínico para reparar os danos.

Esse é o procedimento realizado na maioria dos casos. No entanto, dois artigos publicados na revista científica The Lancet reabrem a discussão sobre a maior efetividade dessas medidas. Neles, são comparados dois dispositivos mecânicos inovadores, o Trevo e o Solitaire, com a primeira e mais antiga geração de instrumentos para a retirada de coágulos cerebrais, o Merci. Entre os pesquisadores está o neurocirurgião brasileiro Raul Nogueira, da equipe do Hospital Memorial Grady, da Escola de Medicina da Universidade Emory, em Atlanta (EUA).

Ao comparar as técnicas, os cientistas acreditam que, no futuro, pode ocorrer uma inversão dos procedimentos iniciais de tratamento do AVC. Segundo Nogueira, é possível que os procedimentos caminhem da mesma forma que no coração. Antes, o paciente que sofria um enfarte era levado ao hospital e recebia uma droga. Se não houvesse resposta do organismo, os médicos recorriam ao procedimento de reabertura das artérias por cateterismo. Hoje, essa dinâmica se inverteu. O paciente só recebe a droga se o cateterismo não funcionar.
“De 85% a 90% dos AVCs são causados por um coágulo que vem do coração ou das artérias no pescoço e uma parcela menor, por uma placa de gordura que bloqueia o vaso e o rompe. O que causa um coágulo no local é o que causa o enfarte no coração”, explica Nogueira.

O neurocirurgião endovascular Marcus Alexandre Rotta, membro da Sociedade Brasileira de Neurocirurgia, concorda com Nogueira. Segundo ele, o futuro também deverá ser a passagem direta para o procedimento de retirada mecânica do coágulo.

Ao retirar o coágulo, os médicos conseguem que o sangue chegue à área de penumbra - uma extensão de células do tecido cerebral que ainda não morreram - e recupere as células em sofrimento, mas, se elas estiverem mortas, o sangue extravasa e causa uma resposta hemorrágica, que pode levar a mais sequelas. “Se a área de penumbra for 30% maior que a morta, nós a desobstruímos. Se a área morta for próxima da área de penumbra, não podemos fazer mais nada com o risco de causar mais problemas”, explica Rotta. Esse é o motivo pelo qual a desobstrução só é feita até oito horas após o início dos sintomas.

A neurologista Gisele Sampaio Silva, coordenadora do programa de neurologia do Hospital Israelita Albert Einstein, discorda da ideia de inversão dos processos. Segundo Sampaio, a janela terapêutica da droga é mais ampla que o cateterismo. “O cateter também não consegue atingir todas as artérias, especialmente as mais finas. O tempo para chegar com o cateter é bem maior que colocar o remédio na veia, considerando também o tempo necessário para a preparação do paciente”, compara. Segundo ela, o desenvolvimento científico deve trabalhar também em direção a novas medicações. “A maior complicação é o sangramento intracraniano. As chances com o remédio são de 5% a 6%, já com o cateter é um pouco maior, fica em torno de 9% a 10%.”

Longe do Brasil

Independentemente das críticas, a descoberta está longe da realidade do Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro. O procedimento mecânico de retirada dos coágulos só é feito no Brasil em hospitais particulares. No início deste ano, o Ministério da Saúde anunciou que pretende incorporar ao SUS o trombolítico alteplase, o único remédio aprovado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) para o tratamento do AVC isquêmico. A proposta foi considerada após ação civil pública do Ministério Público Federal para que o governo forneça gratuitamente o medicamento em todos os hospitais da rede.

Segundo a pasta, até então, o remédio, que custa em média R$ 3,5 mil a dose única, era fornecido pelos municípios. “Esse medicamento, assim como todos os demais procedimentos adotados na assistência aos pacientes com AVC no SUS, tem sua eficácia e eficiência comprovadas cientificamente e ajudam a reduzir sequelas e óbitos”, informou o ministério, em nota. De acordo com dados do órgão, o AVC está entre as principais causas de morte no Brasil. Em 2011, foram realizadas mais de 172 mil internações ocasionadas pelo problema e, em 2010, foram quase 100 mil óbitos.

Resultados distintos
Nos estudos, os pacientes tratados com o dispositivo Solitaire apresentaram uma melhora significativa, com um bom resultado neurológico após três meses em 58% dos avaliados em comparação aos 33% que foram tratados com o Merci. As mortes de pacientes também foram reduzidas, de 38% com Merci a 17% com Solitaire. A possibilidade de ter uma vida totalmente independente após o AVC foi significativamente mais elevada com o Trevo (40%) em comparação ao Merci (22%).

Três perguntas para...
Raul Nogueira, Pesquisador da universidade de Emory


1) Podemos considerar um futuro em que o procedimento inicial para o tratamento do AVC seja o cateterismo?

A medicina é baseada em evidências. Tudo que fazemos precisa ser aprovado em ensaios clínicos. Eu acho que o tratamento com os dispositivos mecânicos de retirada de coágulos pode, sim, ser o futuro, mas ainda temos que comprovar a sua vantagem com rigor científico. Infelizmente, a droga não funciona ou não pode ser administrada em muitos casos. O período para administração é curto e pode causar sangramento.

2) Como isso ocorreria?

Na realidade, pode ser muito parecido com o que aconteceu com o coração. O tratamento inicial era a droga. Depois, o cateterismo se mostrou melhor. Acredito que viveremos a mesma realidade da cardiologia intervencionista na neurointervenção, que está pelo menos uma ou duas décadas atrás. Isso por uma série de motivos que tornam o trabalho com o cérebro mais complicado, por exemplo a maior predisposição a sangramentos, a maior fragilidade das artérias e a maior dificuldade de navegar dispositivos mecânicos no cérebro se comparado ao coração.

3) Quais seriam as vantagens?

Uma das maiores limitações do uso da droga é que, se encontramos um coágulo grande, ela não tem poder suficiente para dissolvê-lo. Estudos recentes sugerem que, em qualquer coágulo maior que 8mm, as chances são praticamente inexistentes. O coágulo grande entope artérias maiores e é responsável pelo AVC mais severo, que pode deixar o paciente com inabilidades severas permanentes como paralisia, ou ainda levá-lo à morte.


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