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Estado de Minas

Anticoncepcional para homens funciona em ratos, mostra pesquisa

Pesquisadores dos EUA dão grande passo rumo ao anticoncepcional masculino ao descobrir uma molécula capaz de inibir a maturação do espermatozoide. Mas acesso ao método só daqui a duas décadas


postado em 17/08/2012 08:03 / atualizado em 17/08/2012 08:39

Um comprimido que, se tomado todos os dias na mesma hora, é capaz de evitar uma gravidez indesejada. O uso de tal método, rotina para grande parte das mulheres em idade fértil, pode, no futuro, se tornar também um hábito masculino. Um passo importante nessa direção é a descoberta das propriedades de uma molécula capaz de inibir a maturação do espermatozoide. Os cientistas dos Estados Unidos Martin Matzuk, da Faculdade de Medicina de Baylor, e James Bradner, da Escola de Medicina de Harvard, uniram seus conhecimentos para testar a efetividade da JQ1 em camundongos. Até agora, os resultados são impressionantes. A quantidade e a qualidade do esperma nos animais diminuiu ao ponto de torná-los inférteis. O procedimento tem ainda a vantagem de ser completamente reversível e sem efeitos colaterais.

Nossos estudos com a proteína humana nos convenceram de que quaisquer descobertas feitas em camundongos seriam eficazes em homens - Martin Matzuk, coautor do estudo (foto: (Baylor College of Medicine/Divulgação))
Nossos estudos com a proteína humana nos convenceram de que quaisquer descobertas feitas em camundongos seriam eficazes em homens - Martin Matzuk, coautor do estudo (foto: (Baylor College of Medicine/Divulgação))
No momento em que os espermatozoides são formados, ocorre um processo chamado empacotamento da cromatina espermática ou protaminação. A cromatina é a combinação de DNA e outras proteínas que compõem o conteúdo do núcleo de uma célula, no caso, do espermatozoide. Durante a espermatogênese, é necessário que a cromatina sofra uma remodelação, fazendo com que suas principais proteínas, conhecidas como histonas, sejam substituídas por protaminas (veja arte).

A troca de histonas por protaminas facilita o empacotamento da cromatina, um processo necessário para que a função espermática seja normal. A molécula JQ1, usada por Bradner e Matzuk, consegue subverter esse processo ao se ligar a outra proteína, chamada BRDT, que está especialmente envolvida na remodelação da cromatina para a maturação do espermatozoide. A ligação das duas proteínas bloqueia o processo normal e ocasiona a diminuição da produção de espermatozoides, além do decaimento de sua qualidade.

As pesquisas foram iniciadas no laboratório de Bradner, enquanto ele trabalhava no desenvolvimento de JQ1 para o tratamento de um tipo de câncer letal e incurável que envolve a desregulação de uma proteína chamada BRD4, também relacionada à BRDT, presente nos processos de maturação espermática. “Quando ele percebeu isso, contactou-me para colaborar em testes para saber se a JQ1 também poderia induzir um efeito contraceptivo masculino. Bradner enviou um carregamento de JQ1 para o meu laboratório, em Houston, onde conseguimos comprovar que a hipótese estava correta”, conta Matzuk. Ao longo de 18 meses, a molécula foi injetada ou administrada oralmente em camundongos.

Em comparação com os animais do grupo de controle (que não foram submetidos à terapia) os que receberam JQ1 apresentaram uma contagem de esperma menor e motilidade baixa, ou seja, os espermatozoides se moviam muito menos. Isso tornou os animais incapazes de procriar, apesar de a copulação ter se mantido normal. A utilização da molécula levou à esterilidade temporária, já que, assim que deixavam de receber o composto, os camundongos voltavam a produzir espermatozoides normalmente.

Barreira transposta

Uma característica importante da molécula é que ela consegue ultrapassar a barreira que separa o sangue do esperma e atingir o bolso em que ocorre o processo de produção dessas células reprodutivas. A pílula contraceptiva masculina é difícil de ser criada exatamente pela dificuldade de transposição da barreira sangue-testículo. O desafio principal está na administração oral que, pela corrente sanguínea, precisa chegar às células geradoras de esperma. Esse é um obstáculo físico entre os vasos sanguíneos e os túbulos seminíferos dos testículos (órgãos em que o esperma é originado). Ela é responsável por manter as células germinativas longe da corrente sanguínea e sempre foi considerada um grande impedimento para esse tipo de terapia.

Matzuk alerta que a JQ1 é o composto principal, mas ainda não é a pílula para homens. Embora os estudos in vivo fossem realizados em camundongos, a equipe trabalhou in vitro com a proteína BRDT humana, que ligou-se com uma elevada afinidade à JQ1. “Assim, nossos estudos com a proteína humana nos convenceu de que quaisquer descobertas feitas em camundongos seriam eficazes em homens. Como seria de esperar, as proteínas BRDT humanas e em ratos são altamente conservadas”, explica Matzuk.

Para o urologista do Hospital Sírio-Libanês, Jorge Hallak, a pesquisa é muito interessante e mostra um novo caminho para o desenvolvimento de contraceptivos, no entanto, ainda será preciso esperar muito tempo até o anticoncepcional masculino ser visto nas prateleiras das farmácias. Ele conta que o sonhado desenvolvimento de uma pílula para o homem só é aceitável se o método contar com 100% de eficácia e 100% de reversibilidade. Desde a década de 1980, cientistas chineses buscam esse desenvolvimento por meio de terapia hormonal, mas os efeitos colaterais da hiperdose nos testículos não foram nada positivos. Por isso, uma abordagem é buscar por moléculas que consigam interromper o processo de maturação ou mesmo desviar o alvo do espermatozoide, ou seja, fazer com que ele não chegue ao óvulo.

“Essa terapia foi feita em ratos e não em humanos. É possível que funcione, mas precisamos considerar que do rato para o ser humano são 5 milhões de anos de evolução. Considero que eles estão no caminho certo, mas ainda não chegaram lá”, pondera Hallak. Segundo ele, também precisa ser considerado o polimorfismo genético das populações, ou seja, as alterações genéticas observadas em humanos. “Pode ser que no europeu funcione bem, mas no brasileiro nem tanto.”

Vasectomia

Hallak ressalta que a melhor opção para o homem que não deseja ter filhos deve continuar sendo a vasectomia pelos próximos 20 anos. “Se feito com responsabilidade e em ambiente hospitalar, o procedimento é simples e completamente reversível. Além disso, é sempre mais barato uma microcirurgia de reversão que a proveta, por exemplo. Até a pílula chegar ao mercado, podemos calcular, pelo menos, 15 anos. Se formos otimistas”, diz o médico.
Segundo o urologista do Grupo de Reprodução Humana da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) Jorge Haddad Filho, a transposição do estudo para humanos, também é uma parte complicada para avaliar. Existe a possibilidade, mas ainda são necessários muitos testes, especialmente para verificar se essa molécula pode apresentar efeitos ainda desconhecidos em outras células do corpo humano.

O coautor do estudo Martin Matzuk adianta que o próximo passo será o desenvolvimento de uma pílula capaz de bloquear apenas o BRDT. “Nossa droga ainda se liga a algumas proteínas relacionadas à BRDT. Com o desenvolvimento de uma droga com ação seletiva, teoricamente, teríamos menos efeitos colaterais, por exemplo”, diz. Todas as tentativas, ainda assim, precisarão passar por uma fase de análise in vitro e, em seguida, com seres humanos.

Consequências indesejadas
As terapias com hormônios para homens é diferente daquelas para mulheres. A inibição da testosterona para a produção de espermatozoide pode atrapalhar o restante da manifestação desse hormônio no indivíduo, como a formação do fenótipo masculino e a diminuição da libido. “Existem casos em que a elevação dos níveis de testosterona ocasiona queda de cabelo e aumento da próstata, o que leva a dificuldades para urinar”, conta o urologista Jorge Haddad Filho.

 


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