A pesquisa, publicada na revista Science, explica como o químico KL001 engana o corpo e cria a sensação de saciedade ao interagir com a criptocromo, uma proteína fundamental para o relógio biológico de animais, insetos e plantas. Quando uma pessoa está ativa e comendo, essa é a proteína que avisa ao organismo que ele está satisfeito. No entanto, no horário de descansar, a criptocromo é descartada por meio do proteassoma, um complexo que degrada proteínas, abrindo espaço para a enzima que estimula a produção de açúcar pelo fígado. Esse processo de transformação de gordura e proteína em glicose é chamado gluconeogênese.
O problema ocorre quando o corpo não sabe mais qual é a hora de comer e quando precisa dormir. Desorientado, o organismo passa a produzir glicose demais, o que geralmente resulta em obesidade. O KL001 funcionaria como uma engrenagem, projetada para atrasar o relógio biológico apressado. Ele impede que a criptocromo seja destruída, evitando a produção das enzimas que dão início à gluconeogênese.
A descoberta não foi feita por acaso. Há cerca de cinco anos, os pesquisadores da Universidade de San Diego entenderam a relação entre o metabolismo, a criptocromo e o nível de glicose no sangue. Com esse conhecimento em mãos, vasculharam mais de 60 mil compostos à procura de uma substância capaz de controlar esse processo. Para encontrar o químico, eles combinaram células humanas com o gene de luminescência do vaga-lume. Quando o relógio biológico de uma delas fosse ativado, eles saberiam pela luz.
Ao finalmente encontrar um composto que se comportasse como queriam, os cientistas construíram um modelo matemático que mostrasse como a criptocromo se comporta no ciclo circadiano. O esquema teórico apontou que, caso fosse combinada com o KL001, a proteína teria os níveis aumentados, e inibiria a produção do hormômio glucagon, que estimula a gluconeogênese. A teoria foi confirmada em laboratório num modelo de células de rato. “Analisamos o efeito do KL001 no ciclo circadiano do tecido cerebral e em células de pele. Como foi previsto no modelo matemático, o tratamento prolongou o período do relógio nas células”, explicou o pesquisador Tsuyoshi Hirota, biólogo da Universidade de San Diego.
O próximo passo, de acordo com os pesquisadores, é realizar testes em cobaias vivas para descobrir como o composto afeta outros processos metabólicos, além da produção de glicose. “Ainda não usamos o fígado para testar o modelo matemático. Ainda não sabemos o que o KL001 faria a um organismo, mas sabemos que a criptocromo, onde age o KL001, é conhecida por afetar a hipertensão causada pelo consumo de sal e a produção de citocina proinflamatória. Seria interessante ver se ele funcionaria em outros tratamentos”, conclui Hirota.
Há dois anos, a mesma equipe de pesquisadores havia encontrado um composto que também tinha um forte efeito no ciclo circadiano. Batizado de longdaysin (o nome sugere, em inglês, que torna o dia mais longo), o químico age na proteína criada pelo gene e por um período que varia no organismo de acordo com um ciclo de 24 horas. Em testes de laboratório, o composto conseguiu adiar o relógio das células em 10 horas. No entanto, ainda são necessários mais estudos para definir os benefícios do longdaysin.
Efeito preventivo
De acordo com especialistas, já há remédios para o diabetes que têm relação com o ciclo circadiano, como o cortisol. “À medida que entendemos melhor como funcionam as coisas a nível molecular, surgem possibilidades de outras medicações que vão ajudar no tratamento dessa doença”, avalia Airton Golbert, presidente da Sociedade Brasileira de Endocrinologia e Metabologia. Para Airton, iniciativas como essa têm grande valor na prevenção do diabetes, doença que muitas vezes não é diagnosticada a tempo. “Se houver a possibilidade de uma droga que previna, estaremos economizando muito em termos de saúde no mundo inteiro. Mas isso é uma coisa muito especulativa neste momento”,
Se passada despercebida, a doença pode causar doenças cardiovasculares, derrames e diversos outros problemas de saúde. Drogas preventivas poderiam ser usadas em pessoas com mais chances de desenvolver o diabetes, como obesos, mulheres com síndrome do ovário policístico e pacientes com histórico familiar da doença.
Mas, mesmo sem a ajuda de remédios que atuem diretamente no ciclo circadiano, faz parte do tratamento do diabetes procurar regular o relógio biológico do paciente. “O médico leva em conta essas condições quando usa medicamentos que estimulam a secreção de insulina ou a própria administração de insulina em determinados horários do dia, em sincronia com a ingestão alimentar”, compara Cláudio Kater, médico do Laboratório de Endocrinologia Molecular e Translacional da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp). “Essa área de pesquisa, a cronobiologia, é ainda relativamente incipiente, mas certamente promissora”, ressalta Kater.
No entanto, completa o médico, mesmo que drogas como o KL001 ou o longdaysin se provem ser eficientes na regulação do relógio biológico, é essencial seguir os hábitos recomendados para manter o corpo no ritmo correto. “Nesse cenário, a participação do relógio biológico seria apenas mais um personagem contracenando com inúmeros outros já conhecidos, entre eles os hábitos alimentares, cada vez menos saudáveis, e a falta da prática de atividade física regular”, alerta.
Problemas com a insulina
O diabetes é causado pelo alto nível de glicose no sangue, que pode ser gerado pela baixa produção ou pela ineficiência da insulina. A doença crônica está dividida em duas categorias: a do tipo 1, quando a pessoa não tem insulina suficiente no sangue para que as células processem a glicose. Isso corre porque o sistema imune destrói as células que produzem a substância. Nesse caso, o paciente precisa de um tratamento que supra a necessidade de insulina. Na do tipo 2, o corpo desenvolve resistência à substância, intolerância geralmente causada pela obesidade. O organismo acaba produzindo mais insulina, o que pode causar hiperglicemia.