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Estado de Minas

Mulheres conquistam espaço nos laboratórios

As mulheres entraram na ciência graças às técnicas de cozinha, usadas nos primeiros experimentos. Hoje, são a maioria dos doutorandos no país, mas ainda têm espaços a ocupar


postado em 15/05/2012 08:39

Se há até pouco tempo o meio acadêmico ainda era visto como um universo quase exclusivo dos homens, como explicar relatos da presença feminina em laboratórios cinco séculos atrás e o destaque que pesquisadoras como a química Marie Curie e a bióloga Nettie Stevens (veja quadro) alcançaram no século 19? A resposta está na intimidade com a cozinha e na capacidade de se dedicar a tarefas que exigem paciência e concentração, respondem os estudiosos da história da ciência.

Como lembra a pesquisadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo (PUC SP) Ana Maria Alfonso-Goldfarb, o ato de controlar o fogo e misturar ingredientes – tarefas cruciais a diversos experimentos científicos – era visto como uma atividade tipicamente feminina. “Além disso, as pessoas associavam várias características como exclusivas das mulheres, como a argúcia”, diz a especialista. Essas habilidades foram a porta de entrada delas no laboratório e permitiram à humanidade desfrutar dos primeiros exemplares de extratos, medicamentos, licores, pomadas e perfumes.

Isso não significa, porém, que as “quase cientistas” eram vistas com bons olhos. “Na época, essa habilidade não era considerada uma qualidade. Era um atributo de pessoas que não tinham a nobreza de caráter dos homens”, diz Ana Maria. Mas, apesar do olhar cabreiro da sociedade, a “medicina da cozinha” ou “química das damas”, como a prática ficou conhecida nos séculos 16 e 17, não parou de crescer – e de ganhar adeptas ilustres.

Entre caldos e guisados, elas foram se “profissionalizando”. “As mais privilegiadas chegavam a ter um quarto de destilação para fazer perfumes, remédios e cosméticos, para que o cheiro das substâncias não se misturasse ao da comida”, descreve a historiadora. Foi também nesse período da história que elas puderam sentir uma centelha de reconhecimento. A divulgação de livros de mulheres especializadas nas receitas foi o primeiro passo para longe da sombra dos maridos (que, até então, levavam todo o crédito pelas descobertas).

Seria o momento ideal para que as mulheres disparassem de vez rumo ao reconhecimento, mas os homens decidiram sair da cozinha, abandonando suas ajudantes. “Eles passaram a escrever livros dizendo que não podiam mais continuar fazendo química das damas, pois o laboratório não poderia mais ser na cozinha”, lembra a pesquisadora. São dessa época as primeiras imagens de mulheres cientistas, retratadas como moças com cabelos desgrenhados, em uma clara alusão à suposta impossibilidade de conciliar as atribuições de dona de casa e de mãe com os tubos de ensaio.

Tempos depois, com maior acesso à educação, nos séculos 19 e 20, as mulheres voltaram a marcar presença nos laboratórios. A resistência, no entanto, ainda era muito grande, e para seguir na carreira, elas tinham de se voltar a trabalhos considerados enfadonhos, para os quais faltavam pesquisadores dispostos a realizá-los. O preconceito também era marcante. “Quando Marie Curie recebeu o segundo Prêmio Nobel, disseram que ela tinha um amante, que não se sabe se existiu mesmo. Chegaram a jogar pedras na casa dela. Se ela não tivesse trabalhado dia e noite e se não fosse uma estrategista, não teria chegado aonde chegou”, avalia Ana Maria.

Desigualdade
Atualmente, essa realidade mudou, mas a academia ainda está longe de ser o cenário ideal para mulheres. Segundo Gabriel Pugliese, professor da Fundação Escola de Sociologia e Política de São Paulo (FespSP), “o modo como é feita a divisão entre a vida privada e doméstica da vida pública e científica ainda é diferente para homens e mulheres” – o que, inevitavelmente, acarreta desigualdades. “A maneira como o gênero cria dificuldades para determinadas conquistas, como ocupar espaços de liderança e conseguir recursos, ainda é clara”, afirma o sociólogo.
Apesar de uma quantidade considerável de pesquisadoras no comando de projetos, Pugliese diz que é preciso ser realista. “Do ponto de vista qualitativo, e de maneira geral, elas trabalham em setores menos prestigiados; e as posições de chefia diminuem acompanhando as áreas mais sacralizadas do ofício”, argumenta.

A boa notícia é que as mulheres estão cada vez mais interessadas em fazer ciência. Sofia Daher, assessora técnica do Centro de Gestão de Estudos Estratégicos e coordenadora da pesquisa “Doutores 2010: estudos da demografia da base técnico-científica brasileira”, diz que desde 2004 há mais representantes do sexo feminino no doutorado do que homens. O fato de investir em um curso de doutoramento não garante que a estudante vá se tornar uma pesquisadora, mas Sofia diz que o dado não pode ser desprezado. “Ele nos ajuda a ter uma ideia da quantidade de mulheres envolvidas com pesquisa, pelo tipo de instituição que ela trabalha”, pondera.

Além disso, algumas iniciativas buscam ampliar a participação feminina na ciência e estimular pesquisas que detectem as desigualdades de gênero que ainda afetam a sociedade brasileira. Lançado em 2005 pelo governo federal, o programa Mulheres e Ciência atua em três linhas principais: premiação de redações e artigos científicos sobre a igualdade de gêneros; financiamento de pesquisas no campo de estudos de gênero, mulheres e feminismo, que já resultou em mais de 500 estudos; e concessão de bolsas de estudo para garantir uma inserção mais igualitária das mulheres no mercado de trabalho.

Outro objetivo do projeto é aumentar a participação feminina em áreas do conhecimento em que elas ainda são minoria. “É para que as meninas se encorajem desde cedo a buscar essas áreas”, explica Lúcia Camini, subsecretária de Articulação Institucional e Ações Temáticas da Secretaria Especial de Políticas para Mulheres. “Desde criança, até os brinquedos são diferentes. Enquanto as garotas ganham bonecas, os meninos brincam com carros. Eles já recebem um direcionamento para áreas que exigem edificação”, analisa.


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