Feito com 28 adolescentes de 15 a 19 anos, o estudo polêmico, publicado no jornal especializado Translational Psychiatry, usou marcadores genéticos para determinar quais seriam comuns em pacientes deprimidos. Metade das cobaias tinha depressão profunda e não havia se submetido a nenhum tipo de tratamento, enquanto o restante não apresentava sintomas da doença. Depois de colher amostras do sangue dos participantes, os cientistas observaram 26 biomarcadores relacionados à depressão, descobertos em pesquisas anteriores envolvendo ratos com depressão e ansiedade, como explica Eva Redei, professora de psiquiatria e de ciências comportamentais da Universidade de Northwestern e uma das principais autoras do trabalho.
Kathleen Pajer, chefe da psiquiatria e professora do Departamento de Psiquiatria Infantil e Adolescente da Universidade de Dalhousie, explica que os biomarcadores “funcionam como um painel de interruptores de luz: alguns ficam ligados e outros não”. “Testamos se cada um dos genes foi expressivo em jovens que tinham transtorno depressivo maior em comparação aos jovens sem qualquer transtorno”, detalha. A equipe descobriu que 11 biomarcadores diferiam entre deprimidos e não deprimidos.
No grupo dos adolescentes depressivos, o estudo mostrou ainda diferenças em 18 dos 26 biomarcadores entre pacientes que estavam deprimidos e aqueles que, além da doença, tinham transtorno de ansiedade. “Esses 11 genes são, provavelmente, a ponta do iceberg, uma vez que a depressão é uma enfermidade complexa”, comentou Eva Redei. Kathleen Pajer diz que, uma vez desenvolvido mais minuciosamente o estudo, a expectativa dos médicos é “criar tratamentos, medicamentos ou terapias individualizadas” para potencializar as chances de cura desses pacientes.
Por habilidade
Atualmente, o diagnóstico da depressão é subjetivo: baseia-se apenas na habilidade do paciente em relatar os sintomas e na do médico para interpretar os relatos. Márcio Gerhardt Soeiro-de-Souza, psiquiatra do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (HC-USP), diz que antes de determinar se um paciente tem depressão os médicos observam um conjunto de sintomas. Para ele, contudo, o resultado do estudo é válido na medida em que pode ser “o indício de um novo tipo de alteração neurobiológica associado ao transtorno depressivo unipolar”.
Gerhardt frisa que já existem pesquisas voltadas para a detecção de transtorno bipolar e esquizofrenia. “Todas são preliminares e contam apenas parte da alteração neurobiológica presente nessas doenças”, salienta. “Esse estudo deve ser analisado em conjunto com os demais trabalhos sobre o assunto para se ter uma visão integrada de todos os mecanismos neurobiológicos envolvidos na depressão.” Ricardo Alberto Moreno, diretor do Programa de Transtornos Afetivos (Gruda) do HC-USP, diz que, além dos indícios psicológicos, a depressão afeta o organismo como um todo. “Os sintomas físicos mais comuns são o aumento ou a diminuição do apetite e/ou do sono, a falta de energia e dores vagas pelo corpo”, enumera.
Os sinais não são constantes. Dependendo da intensidade, podem ocorrer ao longo do mesmo dia ou por semanas a fio. Mas o diagnóstico, da forma como é feito hoje, não exige que todos os sintomas surjam ao mesmo tempo – o que torna a doença ainda mais difícil de ser percebida. “A descrição dos sintomas é útil para que possamos levantar a suspeita de um quadro depressivo”, reforça o médico. Às vezes, nem mesmo o paciente se dá conta de que algo está errado. “Muitas pessoas ‘justificam’ seus sintomas como consequência de circunstâncias de vida, quando, na verdade, já estavam doentes. Aquelas circunstâncias de vida adversas ou complicadas eram assim em decorrência do estado depressivo instalado”, reforça Moreno.
Palavra de especialista
Fernando Ramos, médico psiquiatra membro da Associação Brasileira de Psiquiatria e coordenador da Escola de Saúde Mental do Rio de Janeiro
Vantagens também para as projeções
“Em geral, a maioria dos diagnósticos em psiquiatria são clínicos, baseados em sintomas, em sinais e na evolução da resposta aos tratamentos. A partir dos anos 1980, começou-se a usar critérios universais. A possibilidade de identificar marcadores é algo muito esperado na medicina, já que geraria diagnósticos mais precisos e homogêneos. A evolução da doença também seria traçada mais facilmente. Há muitos achados experimentais em termos de biomarcadores, mas nenhum conseguiu, até hoje, atingir a sensibilidade e a especificidade suficientes para ser usado como diagnóstico preciso, que não deixe nenhuma doença de fora. Na esquizofrenia, 40% dos pacientes apresentam alargamento dos ventrículos cerebrais. Comparando com a população em geral, é uma diferença grande porque as pessoas sem a doença não têm esse alargamento. Mas não pode ser usado como diagnóstico porque outras doenças também apresentam esse sintoma. Também há muitos dados biológicos associados à depressão, como alterações endócrinas no hipotálamo, na hipófise e na glândula suprarrenal. Por muito tempo, essa tríade de elementos que controlam a reação ao estresse foi usada como indicativo de depressão, pois é sabido que pacientes nessa condição apresentam aumento dos níveis de cortisol, que está relacionado ao estresse. Contudo, mesmo que essa alteração não seja específica para dar o diagnóstico de depressão, a correlação ainda existe.”