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Estado de Minas

Homenagem virtual

Além de servir como comprovação de vontades e necessidades de pessoas falecidas, redes sociais se tornam local para manifestações de carinho e saudade de amigos e familiares


postado em 12/04/2012 12:02

Amigos e familiares de Jonathan destacam importância da internet como ajuda para combater a saudade(foto: Shirley pacelli/em/d. a press)
Amigos e familiares de Jonathan destacam importância da internet como ajuda para combater a saudade (foto: Shirley pacelli/em/d. a press)
18 de dezembro de 2011: Jonathan Henrique Moreira, jovem de 23 anos, recém-formado em relações públicas e apaixonado por heavy metal, posta em seu Facebook a música A tout le monde, da banda norte-americana Megadeth. Traduzindo, os versos da música tratam de uma despedida. Jonathan parece que já sabia... “Então, enquanto estiverem lendo isso, saibam meus amigos que eu adoraria ficar com todos vocês. Por favor, sorriam quando pensarem em mim. Meu corpo se foi, isso é tudo”, avisava a canção. 21 de dezembro de 2011: o jovem falece vítima de lúpus, doença em que o próprio sistema imunológico causa danos ao organismo. A enfermidade foi descoberta quando ele tinha 8 anos.

Dois meses antes, Jonathan havia sido personagem de uma matéria de capa do Informátic@ (https://migre.me/8w79H) sobre games. Sempre ligado à música, ele era tecladista da banda Atari One, que há sete anos toca, despretensiosamente, trilhas de jogos em Belo Horizonte. Das apresentações será lembrado eternamente como o Mario Bros, baixinho como o personagem e caracterizado com o macacão do encanador, sem esquecer do exagerado bigode fake.

De 21 de dezembro até hoje somam-se 190 postagens na página de Jonathan no Facebook, ainda ativa, com mensagens de carinho e lembranças de seus colegas e familiares. Como tinha conhecimento da doença que o acometia, durante toda a vida ele sempre compartilhou as senhas de redes sociais e serviços na internet com pessoas de confiança. Até mesmo o código de segurança do banco era de conhecimento de um amigo, o que facilitou à família na hora de resolver burocracias bancárias pós-óbito.

Reflexão em grupo
Reunidos na casa de Jonathan para uma entrevista ao Informátic@, seus amigos e parentes explicaram o quanto ele era ligado ao universo on-line. Fábio Nolasco, programador e companheiro da banda Atari One, conta que todo fim de semana a dupla ficava pendurada no PC, zoando no bate-papo, ainda nos tempos da internet discada. A namorada, Francielle Mucida Bratiliere, de 21, conheceu Jonathan por meio do Orkut, com a ajuda de amigos em comum. “A gente brigava por e-mail: casal moderno”, brinca Bratiliere, que estava há quase três anos ao lado dele.

A jovem tem acesso a todas as contas em redes sociais do ex e conta que algumas pessoas já a questionaram se não as removeria da web. “Não vou apagar. É uma forma de homenagem, os amigos postam mensagens, você se sente mais próxima da pessoa. Criei um outro perfil para mim no Face. O antigo vou deixar do jeito que estava. Vai ficar tudo lá, até o dia em que eu resolver apagar”, ressalta. Apesar de decidir não remover os perfis, Francielle lembra que no começo sempre estava fuçando a página de Jonathan e que costumava desabar em choro na frente ao PC. Além dos dados dele no site de Zuckerberg, Francielle tem acesso ao MSN, e-mail e senha do notebook.

Na banda Atari One se caracterizava como o personagem Mario Bros (segundo da direita)(foto: Atari One/Divulgação)
Na banda Atari One se caracterizava como o personagem Mario Bros (segundo da direita) (foto: Atari One/Divulgação)
A mãe de Jonathan, Valéria Regina Campelo, não se incomoda dos perfis do filho ainda estarem ativos na internet. Para ela, é um privilégio saber que o filho tinha tantos amigos. “Ele gostava de entrar nas comunidades do Orkut sobre lúpus e conversar com os membros. Eu, com 50 anos, não vivi nem metade do que ele viveu: 24 horas para Jonathan era pouco”, relembra. Valéria Regina acredita que, por saber da gravidade de sua doença, o filho vivia ainda mais intensamente e tinha a necessidade de registrar, em fotos e postagens em redes de relacionamento, todos os seus momentos.

Sobrevida
Na faculdade, o jovem passou pela fase da banca avaliadora, mas não pôde celebrar a colação de grau. Leonardo de Moura, de 26, colega de classe e parceiro de projeto de Jonathan, conta que o Facebook serviu como meio de divulgação da triste notícia, porque não havia como avisar todos da universidade. “Tinha hora que surgiam 20 janelinhas de chat de pessoas perguntando o que havia acontecido. Era incômodo. No começo eu não gostava muito de ver o perfil dele lá, porque toda vez que entrava no site a gente conversava. Ver a foto e ele não se manifestar era ruim”, conta.

Rebeca Talita de Rezende, de 24, também colega de sala e ainda vocalista de outra banda que Jonathan fazia parte, acha que postar mensagens no perfil dele é uma forma de desabafo, uma sobrevida, um meio de ainda estabelecer vínculo com o colega que se foi. O vizinho Rodrigo Pierre Benedito, de 21, complementa que, além de a rede social servir para homenagens, ela aproxima as pessoas que o conheciam e faz com que um vá dando força ao outro.

Ao contrário dos amigos, a madrinha Karla Cristina Gomes, de 34, não se sente bem ao entrar no Facebook do afilhado. Com lágrimas nos olhos, ela explica que a família lida de maneira diferente daqueles que o conheceram no decorrer da vida. “A gente viu ele nascer e sabia da doença. Ele não tinha receio de repassar as senhas porque já conhecia sua condição. Por causa da correria do dia a dia, nosso contato era muito pela internet. Incomoda entrar no site e ver lá o perfil dele”, resume.

Post de Jonathan Henrique antes de morrer, destacando a música A tout le monde, do Megadeth, cuja letra é praticamente uma despedida dos amigos(foto: Facebook/Reprodução )
Post de Jonathan Henrique antes de morrer, destacando a música A tout le monde, do Megadeth, cuja letra é praticamente uma despedida dos amigos (foto: Facebook/Reprodução )
Nova prática no ritual do luto

Em lugar da foto sorridente, a imagem do laço negro. Posts com o escrito LUTO, assim, em caixa alta, são compartilhados junto à imagem de quem se foi, com o sentimento de saudades eternas. É assim, no universo virtual das redes sociais, que as pessoas externam o seu sofrimento pela perda de um ente querido. Se tudo hoje é compartilhado na web, do que se come a quem se namora, por que não se tornaria pública também a dor da morte?

Segundo Andrea Brunelli Donnard, de 51 anos, psicóloga com conhecimento em tanatologia (estudo da morte) e que atende pacientes oncológicos desde 2003, o luto já acompanha o paciente crônico, seja ele com câncer, vírus HIV ou uma doença degenerativa, desde o diagnóstico. “Lidamos com várias mortes na nossa vida, mas ainda temos muita dificuldade de falar no tema”, afirma. Para ela, existem correntes do bem dentro de sites sociais, como o Facebook e o blog. “É possível perceber que a espiritualidade está presente e que as pessoas acolhem famílias que perdem alguém. Quando a mãe escreve sobre o filho doente, ela não posta para se expor, mas para receber apoio”, detalha.

Para a psicóloga Andrea Brunelli Donnard, postagens na internet deveriam servir como prova da vontade de qualquer pessoa(foto: Shirley Pacelli/EM/D.A Press)
Para a psicóloga Andrea Brunelli Donnard, postagens na internet deveriam servir como prova da vontade de qualquer pessoa (foto: Shirley Pacelli/EM/D.A Press)
Apesar de enxergar as redes de relacionamento como um ponto positivo, Andrea Brunelli ressalta que o luto é individual: cada pessoa lida de um jeito. “Há mortes que são violentas. É uma linha tênue, tem a questão da pessoa que pode ser evasiva, mas também daquela que mesmo sem você conhecer tem uma palavra de conforto a dizer. Nesse momento, você vai resgatar o carinho gratuito pelas pessoas. Algo que se perdeu”, explica.

A psicóloga acredita que essas manifestações on-line começam a fazer parte de um novo ritual de passagem. Se antes a missa do sétimo dia era direcionada somente ao falecido, hoje cita-se seu nome durante a cerimônia. A viúva, há algum tempo, ficava um ano vestida de preto em sinal de luto. Outro ponto em discussão é o testamento vital, que ainda enfrenta barreiras no Brasil. Nele, a pessoa deixa claras algumas orientações caso perca sua lucidez mental. Decisões como autorizar ou não uma cirurgia de risco podem fazer parte do conteúdo. “O brasileiro é muito supersticioso, não gosta nem de falar sobre a morte e isso é importante”, comenta a psicóloga, explicando que e-mails e bate-papos virtuais poderiam servir como prova da vontade da pessoa que se foi.


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