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Estado de Minas

Descoberta pode mudar o entendimento que a ciência tem da evolução humana

Ossos de 3,2 milhões de anos trazem evidências de que outra espécie bípede habitava a Terra na mesma época do Australopithecus afarensis, o mais antigo ancestral do homem


postado em 30/03/2012 08:16 / atualizado em 30/03/2012 08:33

Brasília – Oito fragmentos ósseos de 3,2 milhões de anos atrás podem mudar o entendimento que a ciência tem da evolução humana. Encontrados em 2009 no sítio arqueológico etíope de Woranso-Mille, eles foram descritos na edição desta semana da revista Nature e indicam que, na época do humanoide mais antigo de que se tem notícia, a famosa Lucy (Australopithecus afarensis), havia outro animal que andava sobre os dois pés exatamente como os homens modernos fazem hoje. Essa é a prova mais contundente de que a evolução do Homo sapiens está relacionada a diferentes linhagens, e não a um único elo perdido.


Os fósseis pertencem ao pé de um primata sobre o qual, até agora, não se tinha notícia. Em uma entrevista por telefone, os principais autores do estudo evitaram falar em nova espécie, já que os ossos são insuficientes para tanto. Eles deixaram claro, porém, que são muito fortes os indícios de que se trata de um animal que não se encaixa na anatomia de qualquer outro conhecido. “Minha primeira reação ao ver esses ossos foi de surpresa. Achei que soubesse o que esperar de uma peça com essa idade, pois já estudei outros fósseis dessa mesma época. Quando os analisei, porém, pensei: ‘Isso simplesmente não tem relação com o que conhecemos até agora’”, conta Bruce Latimer, pesquisador da universidade norte-americana de Case Western e um dos autores do estudo.


Os humanos são os únicos entre os primatas a ter dois arcos longitudinais e transversais no pé, que são compostos pelos quartos metatarsos (alguns dos ossos que formam os pés) e suportados pelos músculos da sola. Durante a locomoção bípede, esses arcos desempenham duas funções: alavancar o corpo quando o pé sai do chão e absorver o impacto ao atingir o solo. Já os macacos não possuem arcos, têm pés mais flexíveis que os dos humanos e seus dedões têm muito mais mobilidade, o que os ajuda a montar e se agarrar nas árvores. No ano passado, um estudo publicado na revista Science indicou que o A. afarensis não tinha essas características, deixando claro que Lucy era bípede.

Mistura

O animal descoberto agora, contudo, apresenta características mistas. “Uma das coisas importantes dessa descoberta é que mostramos, pela primeira vez, que temos agora boas provas de que havia uma outra linhagem de hominídeos contemporâneo da espécie de Lucy. Temos um animal que ainda trepa nas árvores, mas, quando vai para o solo, é capaz de andar ereto. Ele não é como Lucy, que não vai para as árvores. Isso joga luz sobre as diferenças, mostrando que se trata de um animal morfologicamente diferente, que era adepto do bipedalismo”, diz o principal autor do estudo, Yohannes Haile-Selassie, do Museu de História Natural de Cleveland, em Ohio.


Os ossos descritos pertenciam ao pé direito do espécime e consistem no primeiro, segundo e quadro metatarsos intactos, na cabeça do terceiro metatarso, em três falanges promimais e em uma falange medial. As características anatômicas das falanges primimais indicam que elas exerciam uma função semelhante à observada nos humanos modernos e em antigos hominídeos como o A. Afarensis. Ao mesmo tempo, os metatarsos sugerem uma semelhança à dos primatas que sobem nas árvores. “É um mosaico de características de bípedes e quadrúpedes”, dizem os autores no artigo.
Apesar de subir em árvores, o dono desse pé conseguia se locomover no solo tão bem quanto um humano. “Lucy viveu na mesma época que esse animal. O que sabemos sobre ela, a partir dos ossos de seus quadris? Ela andava em pé, da mesma maneira que nós andamos. Outro indivíduo de sua espécie que já foi estudado mostra que o A. Afarensis tinha a mesma habilidade articulatória que eu e você temos. Uma vez que percebemos que eles tinham juntas, sabemos que podiam ficar de pé. Agora, vamos ao novo pé. Ele conseguia se manter bípede, mas de uma maneira diferente. Então, temos dois diferentes grupos de bípedes que viveram ao mesmo tempo”, afirma Latimer.

Modelo mostra a aparência de Lucy, o Australopithecus afarensis(foto: AFP)
Modelo mostra a aparência de Lucy, o Australopithecus afarensis (foto: AFP)
Peculiar

O antropólogo lembra que a análise da anatomia dos pés é a chave para a compreensão da existência humana. “Esse espécime é extremamente importante porque abre uma janela em direção ao passado no sentido de sabermos como nossos pés evoluíram. Os humanos são os únicos animais viventes a andar sobre dois pés e essa é uma forma muito peculiar de circular. De fato, essa é a característica que define o ser humano”, diz. “Para um pesquisador que se interessa em olhar o passado para saber quando começamos a andar, quais estágios pelos quais passamos até conseguirmos andar, não há outro caminho: você tem de ir à África e procurar pelos fósseis. E foi o que fiz.”


De acordo com ele, o próximo passo é regressar à Etiópia e buscar mais ossos pertencentes ao primata. “Agora que temos esse pé parcial, o que queremos saber é como sua cabeça se parecia, como seus dentes se pareciam, como ele se parecia. Nós não sabemos. É por isso que vamos voltar a campo e procurar por outras peças. Somente quando encontrarmos mais peças poderemos descrevê-la como uma nova espécie”, conta Latimer.


Em um comentário sobre o artigo publicado na Nature, Daniel E. Lieberman, do Departamento de Biologia Evolutiva Humana da Universidade de Harvard, diz que, embora sejam necessárias mais peças para caracterizar o dono do pé como uma nova espécie, o estudo traz fortes evidências de que hominídeos estavam tanto subindo em árvores quanto andando no Leste da África ao mesmo tempo em que Lucy caminhava na mesma região – às vezes, deixando pegadas incrivelmente humanas. “É evidente que o pé dos hominídeos, como as cabeças, passou por adaptações diversas e que a subida em árvores permaneceu uma importante parte do nosso repertório locomotivo por diversos milhões de anos”, conclui.

 


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