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Estado de Minas

Mais do que pura desobediência civil

Forma de se organizar em protesto pela internet divide opiniões de usuários. Alguns a consideram legítima, outras se sentem prejudicadas


postado em 15/03/2012 11:35 / atualizado em 15/03/2012 11:46

O funcionário público Vítor Hugo de Paiva aprova mobilização política na rede
O funcionário público Vítor Hugo de Paiva aprova mobilização política na rede
Rebeldes sem causa, coisa de nerd, gueto jovem da classe média. As alcunhas para os hackers ativistas são criativas e se acumulam nos verbetes de chavões do povo. Mas, afinal, quem são eles e a quê vieram? O termo hacktivismo não é novo, mas tem sido bastante utilizado nos últimos dois anos por toda a mídia. Os responsáveis por isso? O coletivo Anonymous. Eles se autodenominam sob esse título e vez ou outra estampam os noticiários com protestos que, na maioria das vezes, se baseiam em DDoS (da sigla em inglês Distributed Denial of Service (leia na página 3), ataques de negação de serviço que chegam a retirar sites do ar. Em fevereiro, no mais recente e expressivo deles no Brasil, os alvos foram as páginas virtuais dos bancos. A ação teve autoria reivindicada pelos Anonymous BR, com os grupos @anonbrnews, @iPiratesGroup e @Antisecbrteam.

Em Belo Horizonte, existem cerca de 200 membros ativos Anonymous e outros 500 que acompanham pelas mídias sociais (https://anonymousbh.tk), contabiliza um integrante que autonomeia-se AnonBH Null, de 32 anos. Ele (ou ela) explica que a motivação do grupo surge da indignação de pessoas normais com as injustiças do mundo. “Infelizmente essas injustiças sempre estiverem vagando por aí, mas a falta de anonimato e poder de contra-ataque eram obstáculos para que o povo se manifestasse”, justifica. Segundo AnonBH Null, os ataques aos bancos foram ações em continuidade e apoio aos ataques realizados na #OpMegaupload. “Tratava-se de ferir o lugar que mais incomoda: o bolso”, desafia.

O integrante avisa que a atenção dos Anonymous está voltada agora para a operação Março negro, que propõe boicote à compra ou uso de qualquer serviço com direitos autorais (saiba mais em https://anonbrasil.org). Na capital mineira a ideia é intensificar o Ocupe Câmara, movimento criado com o objetivo de reunir cidadãos para acompanhar de perto os trabalhos da Câmara Municipal da cidade.

Quem são
Segundo Murilo Machado, de 23 anos, jornalista e pesquisador do ativismo hacker, com atenção especial para os Anonymous, esse grupo é formado por pessoas que utilizam todo o conhecimento técnico hacker como forma de resistência política. “Não podemos confundi-los com os ciberativistas, que se organizam pela rede por meio de petições on-line e e-mails em massa”, diferencia o jornalista.

O pesquisador explica que há duas linhas de pensamento sobre esse tipo de protesto: a que afirma que é uma forma ilegal de se manifestar e a que legitima a ação. Murilo faz parte da segunda e acredita que quando existe uma ética clara da atividade, ela é autêntica.

Vítor Hugo de Paiva, de 58, funcionário público mineiro, faz companhia a Murilo na defesa da tese. “Se é essa a arma que eles têm em mãos é válido. É uma forma moderna de combate. Mundo novo, Brasil novo... Eles se adaptaram aos novos tempos”, argumenta. Vale dizer que, como usuário de internet banking, nunca sofreu interferência na sua conta durante os ataques dos Anonymous aos sites.

No entanto, há quem ache que toda essa argumentação do hacktivismo de defesa dos direitos dos cidadãos por liberdade na rede e mais transparência dos governos é controversa. Sabrina Alves de Souza, de 25, agente de negócios, acredita que ações como as passeatas do Diretas Já, em 1983, são muito mais legítimas para defender os interesses da sociedade. “Ou mesmo protestos dentro das redes sociais. É difícil os hacktivistas atingirem o alvo certo. Esses hackers estão prejudicando a própria população”, completa a agente.

Os irmãos Júnior e Maicon Souza Costa, de 19 e 23 anos respectivamente, não se entendem quando o assunto é hacktivismo. Enquanto o mais novo aprova os ataques hackers como forma de protesto, o mais velho é categórico em dizer que é errado. “E se você precisar do banco na internet? Os hacktivistas atrapalham a vida de quem precisa do serviço. São vaidosos, só querem se mostrar. Não pretendem reivindicar direito de ninguém”, ressalta o estudante.

Pesquisador Murilo Machado acredita que autenticidade legitima ações
Pesquisador Murilo Machado acredita que autenticidade legitima ações
Ees também incomodam


Cult of dead cow (cDc)
» Nasceu em 1984 nos Estados Unidos. Tornaram-se conhecidos em meados de 1998 pela criação de um trojan que tinha a intenção de mostrar falhas do sistema operacional Microsoft Windows 98. Mantêm um grupo independente de mídia dedicado aos “direitos humanos na internet”. Grupo fechado. cultdeadcow.com

IndyMedia
» Rede ativista que nasceu em 1999 para fazer a cobertura dos protestos anti-OMC (Organização Mundial do Comércio) em Seattle, nos Estados Unidos. O site utiliza um sistema aberto de publicação abastecido por pessoas de todo o mundo. A tecnologia é empregada para garantir cobertura ampla e instantânea. indymedia.org

LuzSec
» Grupo de hackers ativistas responsáveis por ataques à Sony no ano passado, com roubo de mais de 1 milhão de contas de usuários. Declararam guerra aos bancos e grandes corporações. Tiram sites do ar por diversão. O hacker Hector Xavier Monsegul, 28 anos, conhecido como Sabu, era o líder do grupo. Ele foi preso pelo FBI e têm colaborado com investigações para a captura de outros membros. @ LuzSec

Participação consciente
Pessoas de diversos níveis tecnológicos contribuem com o grupo Anonymous: umas mais ativamente, debatendo nos grupos de discussão, e outras participando só com a boa vontade. Essas últimas clicam no link indicado e passam a fazer parte de botnets para ataques DoS por livre escolha.

O hacktivismo não é novo, lembra Francisco Coelho Santos, professor associado da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) junto ao Departamento de Sociologia e Antropologia, que há 11 anos já havia escrito um artigo sobre episódios da cena hacker. A novidade, segundo ele, é o Anonymous, grupo do qual nem mesmo quem faz parte conhece os outros integrantes. “Hoje em dia os mecanismos para se tornar hacker estão disponíveis na rede. Tem receita de bolo na web”, afirma.

O professor brinca que o hackerismo sempre foi atividade de jovens, porque eles “podem ficar oito horas por dia no computador, não precisam bater ponto.” Em seu artigo “Peripécias de agosto: alguns episódios da cena hacker” (https://migre.me/84adm), Santos descreve como o hacker Linus Benedict Torvalds deu o ponto de partida para criar o sistema operacional Linux. O projeto, mais do que um programa, resultou em comunidade composta por pessoas de todo o mundo comprometidas em gastar tempo propondo melhorias e contribuindo para o franco acesso à informação.

Esse princípio é o mesmo que motiva os integrantes do coletivo Anonymous, que tem, segundo o pesquisador Murilo Machado, a liberdade de expressão como principal bandeira. “Temos vivenciado a tendência de governos e empresas em querer regulamentar a internet. O Megaupload proporcionava a troca de conhecimento, tudo passava por lá. Com o seu fechamento houve uma ação em massa contra isso. É uma forma de protesto que está acompanhando as mudanças do mundo”, exemplifica.

Linha do Tempo

Anos-chave para os Anonymous

2006
» Surgimento do grupo no 4Chan, espécie de fórum na internet, “trollando” (provocando) outros usuários da internet. Nesse site é permitido, e comum, as pessoas postarem como anônimos, daí o nome desses hackers ativistas.

2008
» O grupo passa a ser político quando inicia uma série de protestos contra as práticas da Igreja da Cientologia nos Estados Unidos. A entidade religiosa pediu para retirar um vídeo do ator e seguidor Tom Cruise do YouTube, o que foi considerado censura pelos Anonymous. No vídeo, o ator resumidamente teria dito que somente a cientologia salva.

2010
» Caso Wikileaks. Deram grande apoio ao site fundado por Julian Assange com onda de protestos. Lançaram ataques contra os sites da Amazon, Paypal, MasterCard, Visa e o banco suíço PostFinance. Tornam-se um grupo midiático.

2011
» Apoio à Primavera Arábe e aos movimentos Occupy. Ano de renascimento do hacktivismo.

2012
» Ações contra as propostas de lei norte-americanas Sopa, sigla em inglês para Lei de Combate à Pirataria On-line, e Pipa, a Lei de Proteção do IP. Além de ataques pós-fechamento do Megaupload pelo FBI, polícia federal dos Estados Unidos. A atenção dos membros se voltou para a ameaça ainda iminente do Anti- Counterfeiting Trade Agreement (Acta), acordo de comércio antipirataria. O Acta é um tratado internacional que circula em segredo e pretende criar normas rigorosas sobre os direitos de propriedade.


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