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Estado de Minas

Pessoas mais suscetíveis à ação do hormônio oxitocina tendem a ser compreensivas e confiáveis

Especialistas ponderam relação entre os genes e a psicologia


postado em 13/12/2011 13:50 / atualizado em 13/12/2011 14:05

 

(foto: Arte D.A Press)
(foto: Arte D.A Press)

Brasília – Existem pessoas que precisam apenas de algumas poucas palavras para conquistar todos ao redor. Ao mesmo tempo, há casos em que, sem nenhum motivo aparente, dois indivíduos que acabaram de se conhecer já não se gostam. Pois, agora, a velha justificativa de que “o santo não bateu” ganhou respaldo científico. Segundo uma pesquisa feita pela Universidade de Toronto, no Canadá, os chamados comportamentos pró-sociais – como empatia, compaixão e confiabilidade – são influenciados por características genéticas. O estudo foi publicado na edição deste mês da revista especializada Proceedings of the National Academy of Sciences (Pnas).

Relacionada à autoestima, ao otimismo e às habilidades sociais, a oxitocina é o carro-chefe da pesquisa. O objetivo principal dos cientistas foi descobrir como o gene receptor desse “hormônio do amor” influencia na sociabilidade das pessoas. Para isso, a equipe canadense mapeou os traços genéticos de 23 casais, separados depois em grupos de genes dominantes e recessivos para o hormônio, ou seja, pessoas que apresentavam a característica genética ou não. Uma pessoa de cada casal foi instruída a contar uma história triste ao parceiro, que deveria apenas escutar.

Os ouvintes de cada dupla foram filmados, e os 23 vídeos resultantes foram mostrados a um assistente de pesquisa, que reduziu o tempo das imagens para apenas 20 segundos – 10 segundos antes do ápice emocional da narrativa e 10 segundos depois.

Em seguida, as amostras de 20 segundos foram exibidas para 116 pessoas que não conheciam os casais. Cada uma delas deveria apontar os voluntários que, no vídeo, demonstraram interesse genuíno pelo que estava sendo contado. Uma vez que os vídeos tiveram o áudio cortado na edição, os observadores deveriam levar em consideração apenas a linguagem corporal dos voluntários – como contato visual com o interloculor ou sinalizações com a cabeça.

O que se descobriu foi que os ouvintes que tinham genótipo dominante para o receptor da oxitocina logo sofriam mais influência do hormônio, demonstraram maior habilidade empática, ou seja, realmente escutaram o que estava sendo dito pelo parceiro e se interessaram. Segundo a pesquisa, isso ocorre porque as intenções pró-sociais são sinalizadas de maneira não verbal, por meio de “padrões breves de movimentos do músculo facial, comportamento postural, contato tátil e vocalização”.

Os cientistas concluíram ainda que “exposições não verbais do comportamento pró-social saltam aos olhos de pessoas comuns. “Observadores ingênuos (não especialistas) podem fazer julgamentos confiáveis baseados em observações de apenas um minuto”, escreveu o autor da pesquisa, Aleksandr Kogan.

Polêmica antiga

Especialista em genética clínica e um dos 10 brasileiros integrantes do Human Genome Organization (Hugo), entidade internacional responsável pelo Projeto Genoma Humano, Salmo Raskin explica que é preciso tomar cuidado ao estabelecer vínculos entre a genética e a psicologia, pois conclusões precipitadas podem incitar preconceitos. “Na década de 1960, um estudo em penitenciárias da Escócia indicou que os presos tinham um cromossomo a mais”, exemplifica Raskin. “Naquele momento, associou-se a composição do material genético à violência.” Anos depois da pesquisa, no entanto, um novo estudo, dessa vez com homens fora da cadeia, apontou que a maioria dos voluntários também tinha a modificação cromossômica. “Isso aconteceu também com a homossexualidade e com o alcoolismo”, atenta o médico.

Sobre o estudo feito pela Universidade de Toronto, o geneticista Raskin avalia que os pesquisadores conseguiram demonstrar aspectos importantes para a compreensão do comportamento humano baseado na composição genética. Contudo, o modo como acontecem as interações sociais também é fortemente influenciado pelos componentes ambientais. Além disso, é preciso levar em consideração a infinidade de genes presentes no corpo humano. “Ainda não há estudos claros demonstrando essa relação, mas acredito que, se o comportamento for mesmo influenciado pela genética, será pela somatória da variabilidade de todos os genes”, resume. “O que eles estudaram foi a troca de uma única letra bioquímica. Temos cerca de 3 bilhões.”

A relação entre psicologia e genética é antiga – e conturbada. Há séculos, a comunidade científica discute se os componentes genéticos do corpo são suficientes para explicar comportamentos. João Alberto da Silva, membro do Núcleo de Estudos em Epistemologia e Educação em Ciências da Universidade Federal do Rio Grande (Furg), diz que o entedimento da relação entre psicologia e genética tem evoluído, principalmente, pelo campo da neurociência.

“O conhecimento que temos a respeito do funcionamento do cérebro tem esclarecido muito os comportamentos humanos”, diz. Segundo ele, os cientistas começam a entender o cérebro como um gerente que não necessariamente determina “os modos de fazer, mas que organiza os comportamentos em função das necessidades do sujeito e das solicitações do meio ambiente”.

Silva explica ainda que, na psicologia, a disputa que existe entre o que é inato e o que é adquirido do ambiente é uma constante. Segundo ele, “problemas genéticos” certamente influenciarão a forma como uma pessoa viverá, mas outros fatores, como as possibilidades do meio em que está inserida e as interações que terá, também serão importantes. “O DNA não é estanque. Não somos reféns da nossa herança genética, mas temos de lidar com ela”, conclui.

 

Duas perguntas para Daiana de Souza Milani

Psicóloga analítica, intercultural e especialista em genética humana

A composição genética é suficiente para determinar o comportamento das pessoas?
Não é, pois ainda não há estudos conclusivos afirmando isso. Apenas indicam predisposições. Não podemos excluir o meio ambiente e a personalidade de cada pessoa como contribuidores das manifestações dos comportamentos do indivíduo. Desde Mendel e Darwin se estuda a influência genética sobre os organismos. Por aí já percebemos que o assunto não é nada novo. Entretanto, com o desenvolvimento da ciência e da tecnologia, cada vez mais nos aproximamos de explicações de como o ser humano funciona, tanto biológica como psiquicamente. Existem, por exemplo, estudos sobre a influência genética no transtorno de atenção e hiperatividade, esquizofrenia e etilismo, entre outros. O Brasil inclusive tem dado muito sua contribuição nessa área.

Por que alguns genes se manifestam e outros não? Por exemplo, por que gêmeos não têm a mesma personalidade?
Isso ocorre primeiro porque mesmo os genes de gêmeos univitelinos não são 100% iguais, existem pequenas diferenças. E essas diferenças interagem com o ambiente e as particularidades de cada pessoa, o que, consequentemente, faz cada pessoa ter sua personalidade, temperamento, enfim, suas características. É importante lembrar, quando se fala em genética, que não existe uma única resposta que leva a um comportamento ou característica, pois seu resultado é multifatorial.

 

Parte do DNA

Os genes são partes que compõem o DNA. Eles têm informações que permitem a produção de proteínas e peptídeos. São constituídos por alelos, partes que se unem para formar uma determinada característica, como a cor dos olhos. Para cada característica, há uma dupla de alelos (um herdado do pai e um da mãe), que podem ser dominantes (representados por letra maiúscula) ou recessivos (letra minúscula). Os genes dominantes são os que determinam a característica, mesmo quando um alelo é dominante e outro recessivo. Os genes recessivos só se expressam quando aparecem em dose dupla.

Síndrome XYY

Em 1965, Patricia Jacobs ficou famosa por conduzir um estudo em uma penitenciária escocesa. Na época, ela constatou que 4% dos presos tinham um cromossomo Y a mais (ao contrário do esperado para homens, XY). À época, apenas uma em cada mil pessoas tinha a característica – o que a fez chegar à conclusão de que esse era um fator que explicaria a presença de comportamentos violentos. O estudo foi comemorado como a descoberta da causa da criminalidade, e os homens com o duplo cromossomo ficaram conhecidos como portadores da síndrome de Jacobs.

 


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