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Estado de Minas

Conheça as várias faces da esquizofrenia


postado em 24/11/2011 08:43 / atualizado em 24/11/2011 09:26

Diagnosticado com a doença, Rodrigo (C) conta com o apoio e carinho da mãe Vera (E) e de toda a família, inclusive dos sobrinhos(foto: BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS)
Diagnosticado com a doença, Rodrigo (C) conta com o apoio e carinho da mãe Vera (E) e de toda a família, inclusive dos sobrinhos (foto: BETO MAGALHÃES/EM/D.A PRESS)
Era um domingo de 1990. Ao chegar em casa, o filho que sempre gostou de bater papo com a família passou direto pelos pais, que estavam na sala. A aposentada Vera Maria Mesquita Marques, de 73 anos, a mãe, ficou preocupada. “Fui atrás dele, mas ele não me escutou nem me deu atenção. Vi que ele suava e começou a não falar coisa com coisa”, relembra. Com a mudança de comportamento de Rodrigo Alberto Mesquita Marques, de 45, veio o diagnóstico de esquizofrenia, que acomete 2 milhões de brasileiros. A moradora de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte, nunca tinha ouvido falar na doença.


Pesquisa realizada pelo Ibope com 72 famílias de pacientes com esquizofrenia em todo o Brasil mostra que a falta de informação não é exclusividade da mineira. Por desconhecer a doença, o caminho até o diagnóstico costuma ser longo e, muitas vezes, os sinais da doença são confundidos com as mudanças comuns na adolescência. A psiquiatra e psicanalista Gilda Paoliello, membro da diretoria da Associação Mineira de Psiquiatria, explica: “Quando começa a entrar na adolescência, a criança que era dócil fica rebelde, passa a não obedecer às normas, e isso também pode ocorrer na esquizofrenia, mas os sintomas são bem mais acentuados.” O paciente passa a se desinteressar pelo que gostava, tende a se isolar e ficar fora do convívio social e familiar, ao contrário do adolescente, que, em geral, prefere viver em grupo.


Como não sabem o que está ocorrendo, as famílias demoram a pedir ajuda, o que só aumenta o sofrimento. “Quanto mais cedo for feito o diagnóstico, melhor, pois o paciente vai conseguir vencer a doença de forma mais tranquila. É muito mais possível evitar uma série de consequências se a intervenção for feita no início”, alerta a psiquiatra. Gilda diz que o paciente medicado precocemente fica menos atormentado e adere melhor ao tratamento.


Os relatos colhidos por pesquisadores do Ibope apontam que muitos familiares se recusam a aceitar a doença, outra explicação para a demora de procurar um médico. A psiquiatra mineira observa que ainda existe a associação da esquizofrenia com o estereótipo de louco, que por muito tempo foi deixado à margem da sociedade. “Mas isso tem mudado. Todos os projetos terapêuticos hoje são pensados no sentido de incluir o paciente no vínculo social e familiar, diferentemente do que ocorria há 20 anos, quando ele era excluído com longas internações”, comenta. Gilda destaca que a estadia no hospital é importante, mas apenas em períodos de crise.


Apoio afetivo

A mãe de Rodrigo Mesquita também passou pela fase de não aceitação. “Fiquei quase um ano de mal com a vida. Não conseguia aceitar que um filho com um futuro brilhante, de uma hora para outra, visse tudo desmoronar”, conta. Até que Vera se deu conta de que o filho dependia dela para se tratar e deu a volta por cima. Não pôde abandonar o trabalho, mas ficou sempre à frente do tratamento. “A vontade era tanta de vê-lo bem que resolvi correr atrás. Li muito sobre a doença e encontrei os melhores médicos”, conta.


Para Gilda Paolielo, o vínculo da família com o tratamento é fundamental. “Costumo falar que o psiquiatra consegue muito pouco sozinho. Então, desde o primeiro momento, a gente ajuda a família a entender as ‘esquisitices’ do paciente com esquizofrenia e orienta como ela deve lidar com isso”, pontua. Gilda reforça que os parentes não podem deixar de estimular o paciente a se tratar, porque, como ele perde o senso crítico, não acha que está doente e acredita fervorosamente nas alucinações. “A família precisa de um bom suporte, porque não é fácil lidar com o paciente. Tem que ter orientação médica e receber visitas domiciliares de um assistente social. É tudo muito angustiante.”


Os parentes ouvidos pelo Ibope revelam outra dificuldade: a financeira. A doença acaba tendo um forte impacto sobre as finanças da família, já que muitos cuidadores largam o emprego. Sem falar que o paciente também deixa de contribuir. “As políticas de saúde do governo são importantíssimas. Nos Estados Unidos, o cuidador tem autorização para se afastar do trabalho para cuidar do paciente, mas aqui não existe isso. Se a pessoa tira licença, é sem remuneração. Isso tem que ser mudado, pois é um absurdo”, opina a psiquiatra mineira. O tratamento de esquizofrenia não fica por menos de R$ 1 mil por mês.


Vera diz que convive muito bem com a doença do filho. “Aprendi a lidar com o Rodrigo. Interpreto o olhar dele; se está agressivo nem me aproximo. Sei a hora de conversar e de me calar. Quando ele muda de comportamento, corro para o psiquiatra”, conta. Certa de que o apoio da família é fundamental, a aposentada revela, feliz, que eles se uniram ainda mais para enfrentar a esquizofrenia. É uma alegria quando ela, o filho, a neta e três bisnetos se encontram para bater papo.

As faces da esquizofrenia
A esquizofrenia é uma doença psíquica, caracterizada, principalmente, por alterações do pensamento e da percepção. O paciente se vê como pivô de tudo o que ocorre ou interpreta a realidade de forma distorcida. Cria uma realidade particular e perde a capacidade de discernimento, agindo como alguém que rompeu as amarras da razão e perdeu a liberdade de escapar às suas fantasias, o que leva ao delírio. De maneira geral, a esquizofrenia acomete homens de 15 anos a 25 anos e mulheres de 20 anos a 30 anos, com igual incidência entre os sexos. Costuma ser mais grave no sexo masculino por se iniciar mais cedo, quando a estrutura psíquica ainda está em formação.

Suas causas ainda não foram descobertas. Sabe-se que há uma confluência de fatores: predisposição genética e influência de fatores vivenciais. Quando um dos pais tem a doença, a chance de um filho apresentá-la é de 10%. Se pai e mãe apresentam o quadro, o risco aumenta para 40% a 50%, o que reforça a hipótese genética. Complicações na gestação e período neonatal, instabilidade familiar na infância, uso de drogas na adolescência também são fatores de risco. Além disso, estudos mostram que o ambiente pode influir na evolução do quadro: pacientes que vivem nas grandes cidades, em geral, têm prognóstico pior que os que vivem em ambientes tranquilos.

A doença, geralmente, começa a se manifestar com quadro similar à depressão e com mudanças bruscas de comportamento. O principal sintoma é quando a pessoa começa a ouvir vozes (alucinações auditivas) ou apresentar delírios. Muitas vezes, as vozes são ameaçadoras, ofendendo ou enviando ordens para que o paciente se suicide.

O diagnóstico é feito por meio de análise da história e dos sintomas clínicos do paciente, não havendo exame laboratorial ou de neuroimagens característicos.

O tratamento leva em conta dimensões biológicas, psíquicas e sociais. No projeto terapêutico estão incluídos medicação, psicoterapia e participação no convívio social. É sempre importante respeitar as possibilidades de cada paciente, pois alguns percebem no outro o inimigo e se sentem ameaçados.

Não se fala em cura da doença, mas em estabilização do paciente. Quando bem acompanhado, tanto do ponto de vista medicamentoso quanto subjetivo, com a orientação familiar e a inclusão adequada na sociedade, o esquizofrênico pode ter uma vida bem- sucedida, produtiva e com menos sofrimento.

Avanços no tratamento
Estudo inédito desenvolvido pelo Laboratório Nacional de Células-Tronco da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) poderá acelerar a descoberta de medicamentos para tratar a esquizofrenia.


Os pesquisadores transformaram fragmentos da pele de 11 pacientes em neurônios, baseados em uma técnica chamada reprogramação celular, e conseguiram estudar o funcionamento do cérebro deles sem precisar submetê-los a cirurgia. De acordo com o neurocientista da UFRJ, Stevens Rehen, descobriu-se que os neurônios de pacientes com esquizofrenia consomem mais oxigênio, o que aumenta a produção de radicais livres, e isso vai ajudar no teste de novas drogas que possam beneficiá-los.

 


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