O governo federal gastou no ano passado R$ 3 bilhões com medicamentos de alto custo para tratamento de doenças raras, transplantes e síndromes. Entre as doenças raras, parte é causada por erros genéticos que resultam em dificuldade na metabolização de enzimas essenciais ao bom funcionamento do organismo. Dentro do universo de 5 mil enfermidades raras, boa parte pode ser resolvida por meio de um diagnóstico precoce, com medidas relativamente simples, como, por exemplo, a prescrição de vitamina B12 para o tratamento de acidemia metilmalônica.
No entanto, para um grupo dessas doenças, como as mucopolissacaridoses, doenças de Fabry, Pompe e Gaucher, os tratamentos são considerados caros. Para se ter ideia, a medicação para portadores de mucopolissacaridose 1 (MPS1) pode chegar a US$ 350 mil por ano – cerca de R$ 580 mil. Em função do valor vultoso, as famílias dependem do fornecimento dos medicamentos pelo Poder Executivo, nas três esferas de governo.
Muitas vezes, porém, precisam recorrer à Justiça para conseguir o tratamento, o que vem ocorrendo com frequência, uma vez que o Judiciário brasileiro tem entendido que se trata de um direito constitucional garantir as condições de vida dos pacientes.
Pela falta de política para atendimento à maioria dessas doenças, elas também são chamadas de órfãs. “Os pacientes são órfãos e quem os trata também”, afirma a pediatra e geneticista Eugênia Valadares, do Ambulatório de Erros Inatos do Hospital das Clínicas da Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG). Especialistas brasileiros, que se reuniram em fevereiro, no Congresso Latino-americano de Enfermidades Lisossômicas, em Natal, no Rio Grande do Norte, defendem que a implementação de um programa de genética pública no Sistema Único de Saúde (SUS) melhoraria a qualidade de vida dos pacientes, bem como reduziria os custos do poder público com o tratamento.
Em todo o Brasil, existem 200 médicos geneticistas, número considerado insuficiente e mal distribuído pelas regiões brasileiras pelo presidente da entidade, Marcial Francis Galera. Em janeiro de 2009, foi publicada a Portaria 81/20, que instituiu, no âmbito do SUS, a Política Nacional de Atenção Integral em Genética Clínica. Porém, de acordo com Marcial, a Secretaria de Atenção à Saúde (SAS) ainda não a regulamentou.
Tal programa contempla ações que vão desde a adoção de procedimentos padrões na identificação e diagnóstico das doenças à ampliação do número de geneticistas, passando pela possibilidade de a população ter, com mais facilidade, aconselhamento genético. Há sete anos, desde sua criação, a Sociedade Brasileira de Genética Médica tenta implementar a política na rede pública, mas, segundo a entidade, o programa está parado no Ministério da Saúde.
A política nacional de genética pública inclui a criação de centros de referência em genética na quantidade de um para cada 2 milhões de habitantes e uma maior atenção na identificação de doenças raras, que inclui melhorar a dinâmica de preenchimento da declaração de nascidos vivos.
Outra medida é também implementar os três níveis do teste do pezinho em todos os estados brasileiros. A triagem neonatal é um exame laboratorial simples que pode detectar precocemente doenças metabólicas e genéticas. Em três fases de implantação, o teste disponível na rede pública pode detectar hipotireoidismo, hemoglobinas patológicas, como anemia falciforme, doenças infecciosas, como Aids, e fibrose cística. Os estados estão em níveis distintos de implantação das três fases do teste disponíveis para a rede pública.