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Estado de Minas

Doação oculta: a 'promiscuidade' entre políticos e doadores que sumiu da reforma política

Pressionado, relator retira proposta de financiamento privado de campanhas sem identificação da empresa. Sessão é suspensa e votação da reforma política é remarcada para terça-feira (25)


postado em 17/08/2017 06:00 / atualizado em 17/08/2017 07:30

Maia conversa com o relator, Vicente Cândido, antes de suspender sessão(foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)
Maia conversa com o relator, Vicente Cândido, antes de suspender sessão (foto: Fábio Rodrigues Pozzebom/Agência Brasil)

Diante das críticas à possibilidade de doações ocultas de campanha, o relator da reforma política, Vicente Cândido (PT-SP), decidiu nessa quarta-feira (16) retirar o item da proposta.

Esse ponto foi alvo de críticas de vários parlamentares na comissão especial que analisa a regulamentação de mudanças na legislação eleitoral.

O parecer de Cândido, apresentado na terça-feira (15), sugere que pessoas físicas possam solicitar a não divulgação de sua identidade ao doar dinheiro para campanhas, exceto na prestação de contas e fiscalização por parte dos órgãos de controle e do Ministério Público.

O relator disse que a ideia não foi dele, mas apresentada por vários líderes partidários. “No direito comparado, essa proteção ao eleitor é muito comum, mas realmente não cabe no Brasil da Operação Lava-Jato. Pelas falas aqui, não tem sustentabilidade”, disse.

O relatório de Cândido acabou não sendo votado nessa quarta-feira (16) no plenário. Sem quórum suficiente, o presidente da Câmara, Rodrigo Maia (DEM-RJ), encerrou a sessão por volta das 22h e remarcou a votação para terça-feira. Havia 431 deputados presentes.

“Não tem como votar uma PEC com 430 deputados”, disse Maia ao deixar o plenário.

A análise da PEC será retomada diretamente na fase de encaminhamento de voto. A votação será por meio de sistema eletrônico. Como se trata de uma proposta de emenda à Constituição, são necessários pelo menos 308 votos para aprovar o texto-base, o equivalente a 3/5 dos 513 deputados da Câmara.

Na primeira fase da votação, o texto analisado excluirá os temas que estão gerando mais divergências, como a mudança do sistema eleitoral para o distritão, por meio do qual são eleitos os deputados e vereadores mais votados, e a criação de um fundo eleitoral com recursos públicos para bancar as campanhas.

O acordo é para que esses temas polêmicos sejam votados nominalmente de forma separada.

LARANJAS As doações ocultas de empresas a candidatos eram corriqueiras até 2012, através da triangulação dos partidos políticos. Para especialistas, a proposta do retorno desse tipo de doação, caso fosse mantida, abriria a cancela para que empresas privadas, impedidas de financiar campanhas, dissimulassem doações por meio de pessoas físicas.

“A prestação de contas nada mais é do que a transparência do financiamento da campanha. Será um problema grave para os órgãos de fiscalização controlar quais são as fontes, por conta da possibilidade de empresas dissimularem o financiamento utilizando laranjas”, avaliou Júlio César Dinis Rocha, coordenador de Controle de Contas Eleitorais e Partidárias do Tribunal Regional Eleitoral de Minas Gerais (TRE-MG), antes da decisão do relator.

Quando a lei era omissa em relação à proibição, as pessoas jurídicas sempre preferiram a doação oculta. Para se ter uma ideia do volume envolvido nesse tipo de expediente, em 2012, última campanha em que as doações ocultas não eram proibidas, dos R$ 212,4 milhões arrecadados por 26 prefeitos eleitos nas capitais, R$ 158 milhões – ou 74% – foram repassados por empresas às legendas e comitês financeiros, que por seu turno, encaminharam aos candidatos sem a vinculação com a fonte original do recurso.

Diante do fato de a proporção de doações ocultas terem ultrapassado, com a triangulação, o financiamento transparente, feito diretamente aos candidatos, o Tribunal Superior Eleitoral (TSE) editou em 2014 a Resolução 23.406, segundo a qual o partido político que recebesse contribuições, teria de informar a fonte originária ao repassá-las aos candidatos.

Assim, as doações ocultas reduziram-se naquele pleito – uma vez que quando identificadas pelo controle da Justiça Eleitoral –, as legendas eram obrigadas a indicar a fonte original.

Foi de fato em novembro de 2015, que o Supremo Tribunal Federal (STF) sepultou a prática no Brasil, que inclusive havia sido prevista pela minirreforma eleitoral aprovada naquele ano pelo Congresso Eleitoral e se aplicaria apenas às contribuições de pessoas físicas, uma vez que já havia sido declarada a inconstitucionalidade das doações empresariais a partidos políticos.

“A proposta é inconstitucional e priva o eleitor do direito de saber quem financia o seu candidato. É um grande retrocesso”, criticou nessa quarta-feira (16) o advogado Marlon Reis, ex-magistrado e um dos ativistas que contribuíram para a elaboração da Lei da Ficha Limpa.

Também crítico à doação oculta, o líder do PPS na Câmara, deputado Arnaldo Jordy (PA), avaliou que a medida vai na contramão da transparência.

“Não faz sentido diante dos problemas recentes que tivemos, revelados na Lava-Jato, de promiscuidade entre doadores e políticos, a gente insistir e manter no texto o anonimato do doador”, disse.

LIMITE Em alguns países, existe a possibilidade de doações ocultas mediante certos critérios. Segundo a doutora em ciência política Cíntia de Souza, Alemanha, Itália e Reino Unido, por exemplo, em que empresas podem financiar candidatos, as doações abaixo de certo limite não precisam ter os doadores identificados.

Enquanto na Alemanha são 10 mil euros, na Itália são 2,5 mil e no Reino Unido, 7,5 mil libras. “Em alguns países não há exigência de revelar o doador para doações muito pequenas para que o controle das contas possa focar de fato nos valores que mais interessam. Mas países como o Canadá e os Estados Unidos são bem mais rígidos”, sustenta Cíntia de Souza.

“Pessoalmente, acredito que quanto mais transparência tivermos, melhor será para a nossa democracia”, afirma. (Com agências)


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