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Estado de Minas

"Egoísmo" do Congresso disvirtua função do STF

Para professor, Legislativo deixa nas mãos da corte decisões que não toma para evitar desgaste


postado em 20/02/2017 06:00 / atualizado em 20/02/2017 07:52

Ivar Hartmann defende o fim do foro privilegiado(foto: Arquivo Pessoal)
Ivar Hartmann defende o fim do foro privilegiado (foto: Arquivo Pessoal)
Coordenador do projeto “Supremo em Números”, da Fundação Getulio Vargas (FGV), Ivar Martins Hartmann defende uma reestruturação geral na República. Para o pesquisador, a atual situação brasileira, em que há interferência e sobreposição entre as atribuições de cada poder, não é compatível com a Constituição Federal. “E o primeiro passo é mudar pelo voto. O Congresso não vai mudar sozinho. O Supremo não podemos mudar. É o Congresso que vai mudá-lo”, defende o especialista em direito público.

Uma das principais alterações defendidas pelo professor da FGV Direito Rio é o fim do foro privilegiado. Segundo ele, se fosse para mantê-lo, deveria ser somente para os presidentes dos poderes. Mas ele não tem esperanças de que isso aconteça. “Uma alteração que o Congresso deveria fazer, mas não vai fazer porque envolve questões individuais que eles tentam proteger. O foro só cria problemas.” Hartmann defende mudanças também na estrutura do Supremo Tribunal Federal, que, segundo ele, está desvirtuado das funções por diversos motivos, entre eles, um “certo egoísmo” do Legislativo, que deixa nas mãos dos ministros decisões que deveriam ser tomadas no Congresso, mas não as toma para não se desgastar.

“O Congresso só reage quando é para parar o avanço do Supremo sobre questões individuais dos congressistas.”. Sobre a indicação do ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, para a 11ª cadeira, o especialista prefere não se manifestar, mas ressalta a tendência conservadora do candidato.


Estamos vivendo um período de protagonismo do Supremo, em que o Judiciário tem tomado decisões que, às vezes, gera conflitos entre os Poderes. Está havendo muita interferência? O STF está fora de sintonia com o Congresso?
A composição atual do Supremo é reflexo de um partido progressista que ficou muitos anos no poder, preencheu muitas vagas e, portanto, é mais progressista do que o atual Congresso. Em relação a se posicionar sobre temas importantes e conflitantes, temos que saber diferenciá-los. São conclusões que se pode tirar, muitas vezes, em função de termos um Supremo que decide sobre tudo. Um primeiro tipo de tema é o que envolve as garantias mais básicas de convivência, de sobrevivência e até de dignidade de grupos de pessoas historicamente excluídas do poder político e o acesso a bens da sociedade como educação, saúde e tudo mais. É o caso da descriminalização do aborto até o terceiro mês de gestação. Nesse tema, a maioria do Congresso não pode escolher o que garantir a esses grupos. O Supremo deve intervir, esse é o seu papel principal.

Mas o presidente da Câmara (Rodrigo Maia) instalou uma comissão para rever a decisão do STF nesse caso.
Essa é uma questão sobre a qual o legislativo não pode dispor. Não tem autonomia para interferir em uma questão tão básica sobre o direito reprodutivo das mulheres. O Congresso simplesmente não tem independência para decidir se pode ou não pode. A atual situação brasileira está errada, não é compatível com a nossa Constituição. Um outro tipo de interferência é uma situação muito cara e importante para os legisladores, especialmente, quando diz respeito a situações em que eles podem ou não ser incriminados, investigados, situações de perda de mandato, aposentadoria, salários, benefícios e privilégios. O legislador quando quer se proteger, ele consegue. E sempre se protegeu. Nesses casos, ele sabe tomar a frente do Supremo e tem condições, mas faz isso apenas por interesse próprio. O Congresso tem a capacidade de se proteger. Tem que se diferenciar muito bem esse tema do primeiro. E há também um terceiro tipo, que não diz respeito ao congressista individualmente ou a categoria, ao mesmo tempo, não diz respeito a direitos e garantias básicas de minorias ou até do cidadão em geral. Sobre essas questões, o Congresso – atualmente mais do que antes – fica em uma posição de conforto e deixa o Supremo decidir. É um certo egoísmo, faz isso para não se desgastar. O resultado disso é que o Supremo, cada vez mais, ganha poder sobre coisas que não deveria ter, que não está entre as atribuições e não deveria estar, especialmente porque são ministros que não são eleitos, não respondem a ninguém e não têm mandato de quatro anos. Eles ficam lá uma vida inteira, por exemplo, 28 anos, como é o caso do ministro Celso de Mello. Então, é o pior órgão para tomar essas decisões. Só que está avançando porque o Congresso deixa. A alegação do Congresso de que o Supremo está avançando em coisas que eles deveriam decidir, na verdade, não procede porque isso apenas acontece quando próprio Congresso deixa.


Mas o STF deve opinar, por exemplo, em casos como a nomeação do ministro Moreira Franco?

Isso não está relacionado ao Legislativo, mas, sim, ao Executivo. É um avanço sobre uma prerrogativa do Executivo. E, nesses casos, o Congresso não faz nada. E eles podem fazer e não fazem. Existem mudanças muito necessárias e importantes a serem feitas no processo decisório do Supremo. Basta fazer alterações em uma legislação e na Constituição relacionadas ao que um ministro do Supremo pode ou não decidir. Essas alterações precisam ser feitas. Por que o Congresso não faz? Porque, nesse caso do exemplo, é uma prerrogativa do Executivo. O Congresso só reage quando é para parar o avanço do Supremo sobre questões individuais dos congressistas. É por isso que essa Lei de Abuso de Autoridade que está em discussão não resolve nada. Ela não ataca os problemas de processos decisórios do STF, não ataca garantias recessivas e penduricalhos de juízes e promotores de Justiça nas 1ª e 2ª instâncias. Ela não faz nada de útil. Apenas tenta criar uma possibilidade de arma individual, pessoal do legislador contra o Judiciário, para ser usada de maneira autoritária.

Que mudanças são essas?

Temos que começar mudando o Congresso. Eleger um Congresso diferente. Infelizmente, não podemos fazer nada sobre o Supremo porque quem pode colocar mecanismo de controle nele é o Congresso. Mas, entre as mudanças, acho que os ministros não deveriam poder tomar decisões individuais nem ter pedidos de vista. E o tribunal tem que decidir as coisas na ordem que elas chegam e no prazo máximo de um ano.

Esse prazo de um ano é viável com 11 ministros?
Sim. Isso seria para anular os poderes autoritários que o Supremo tem hoje. Ele desenvolveu e consolidou esses poderes, em grande parte, por lacunas administrativas e, em menor parte, por uma distorção na interpretação das regras da legislação processual e da Constituição.

Mas e a carga de processos que eles têm?

Estão assim porque querem, porque isso dá mais poder a eles. Eles têm um estoque gigantesco de processos dos mais variados tipos e isso significa que eles podem decidir a qual momento sobre basicamente qualquer coisa do direito brasileiro. Isso dá muito mais poder do que um estoque pequeno. Outra coisa é a visibilidade que um processo tem em 80 mil, é muito inferior à de um processo em 80. Então, com 80 mil processos por ano, eles podem dizer: não deu tempo, são muitos processos para julgar.

Mas como resolver a quantidade de recursos e ações que chegam a eles?

Há mecanismos de devolver estes processos, sem julgar o mérito, inclusive, sem recursos. Eles não fazem isso porque preferem ter essa quantidade de processos. A legislação foi alterada há 10 anos para dar essa garantia e poder aos ministros de rejeitar ou não julgar. Uma fonte, por exemplo, que cresceu muito nos últimos anos e vem ocupando muito tempo é justamente o habeas corpus. E cresceu porque os ministros começaram a tomar decisões que não precisavam e não deviam. Concedendo habeas corpus que não eram necessários e convidando mais habeas corpus.

O foro privilegiado contribui...

A maioria deles gosta de ter esse poder. Esse poder não passa apenas pelo foro privilegiado porque, de qualquer maneira, como eles abriram essa via do habeas corpus, isso chegaria para eles de qualquer maneira via habeas corpus. O mais importante nisso tudo é que o foro privilegiado deixasse de existir. De novo uma alteração que o Congresso deveria fazer, mas não vai fazer porque tem a ver com aquele segundo tipo de questão que envolve as questões individuais que eles tentam proteger. O foro só cria problemas. Se fosse para manter para alguém, que fosse só para os presidentes de Poderes. Precisamos de um reestruturação geral, tanto no Congresso quanto no Supremo. E o primeiro passo é mudar pelo voto. O Congresso não vai mudar sozinho. O Supremo não podemos mudar. É o Congresso que vai mudá-lo. O STF é o Congresso que a gente elege.

E a indicação do ministro licenciado da Justiça, Alexandre de Moraes, para o STF contribui para essa mudança?
Não me sinto à vontade para falar sobre o Moraes já que sou coautor de um relatório com ele, então, não sou imparcial. É uma pessoa tecnicamente capacitada, biologicamente conservador, como é conservador o governo atual. Tem algumas posições com as quais discordo e tem um perfil bem diferente das últimas indicações como o ministro Joaquim Barbosa e o ministro Luís Roberto Barroso. Mas não tem nenhuma indicação que o Temer pudesse fazer agora que iria, sozinha, magicamente mudar todo esse panorama. Especialmente, das opções que foram divulgadas pela mídia. As opções que estava sendo consideradas eram muito parecidas, especialmente em questão de capacidade e no ponto de vista de inclinação ideológica.

 


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