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Estado de Minas

Burocracia aumenta drama dos atingidos pela seca em Minas

Material que poderia aliviar os efeitos da estiagem em Minas está estocado na sede do Dnocs, sem previsão de ser liberado, em razão da falta de decreto exigido por lei eleitoral


postado em 21/07/2014 00:12 / atualizado em 21/07/2014 07:08

(foto: Danilo Evangelista/Especial para o EM/D.A Press)
(foto: Danilo Evangelista/Especial para o EM/D.A Press)

Caixas d'água e canos estocados na unidade do Dnocs em Montes Claros. Cidades que não decretaram emergência não podem receber os equipamentos (foto: Danilo Evangelista/Especial para o EM/D.A Press)
Caixas d'água e canos estocados na unidade do Dnocs em Montes Claros. Cidades que não decretaram emergência não podem receber os equipamentos (foto: Danilo Evangelista/Especial para o EM/D.A Press)

Cerca de 600 mil metros de canos, 200 caixas d’água, bombas e outros materiais tubulares que poderiam minimizar o drama da falta de água em comunidades rurais do Norte de Minas estão estocados na unidade do Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) em Montes Claros e não podem ser usados para socorrer os flagelados da seca por causa da legislação eleitoral. Para liberar os equipamentos, os municípios teriam que decretar estado de emergência – exigência prevista em lei para a distribuição de bens públicos em anos eleitorais. Em Minas Gerais, neste ano, devido à seca, 133 municípios haviam decretado estado de emergência – principalmente no Norte de Minas e nos Vales do Jequitinhonha e Mucuri.


Entre as cidades onde o decreto não foi assinado está Espinosa, um dos lugares mais castigados pela estiagem no estado. No município, de 31,1 mil habitantes, existem 84 comunidades rurais que sofrem com a escassez de água e 20 delas encaminharam projetos ao Dnocs, pleiteando equipamentos para a instalação de sistemas de abastecimento. Mas eles não podem receber os materiais. Segundo o presidente do Conselho Municipal de Desenvolvimento Rural Sustentável de Espinosa, José Maria França Alkimin, existem no município pelo menos mil famílias que sofrem diretamente com a falta de água e dependem da chegada do caminhão-pipa.

A situação foi agravada ainda mais porque o escritório da Empresa Municipal de Assistência Técnica e Extensão Rural (Emater-MG), que seria responsável pelo levantamento de danos, necessário para subsidiar o decreto de emergência, foi fechado em abril. Segundo Alkimin, o escritório isso ocorreu porque a prefeitura teria exigido a transferência de dois servidores, por motivos políticos.

Na comunidade de Valentina, em Montes Claros, que não recebeu material do Dnocs, a catadora Vanir Dias sofre para conseguir água potável(foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
Na comunidade de Valentina, em Montes Claros, que não recebeu material do Dnocs, a catadora Vanir Dias sofre para conseguir água potável (foto: Luiz Ribeiro/EM/D.A Press)
Na comunidade de Engenho, a 20 quilômetros da sede de Espinosa, cerca de 50 famílias sofrem com a falta de água, pois o Rio Canabrava secou. O presidente da Associação dos Pequenos Produtores de Engenho, Kayque José Kenitich, disse que foi aprovado projeto para a abertura e equipamento de um poço tubular na comunidade pelo Dnocs, com recursos do orçamento federal. No entanto, segundo ele, sem o decreto de emergência, os moradores não podem receber o benefício. “Foi aberta uma cacimba no leito seco do Rio Canabrava, onde algumas pessoas retiram água, que carregam na cabeça. Aqueles que têm carro buscam água na cidade“, disse o líder comunitário.

Kayque disse ainda que procurou a Secretaria de Agricultura do município, onde foi informado que o decreto não foi aceito. “A gente fica com as mãos e os pés atados, sem saber o que fazer”, reclama. A reportagem tentou falar com o prefeito de Espinosa, Lucio Baleeiro (PP), mas foi informada que ele estava viajando.

Outro município onde a situação se repete é Montes Claros, sede da coordenação do Dnocs. Vinte e uma comunidades rurais tiveram projetos aprovados para receber os canos e caixas d’água, mas também não podem ter acesso ao material. Sem o decreto, deixam de ser atendidas pessoas como a catadora Vanir Dias, de 52 anos, da comunidade de Valentina, cuja família totaliza 12 pessoas, sendo nove netos. Ela recebe água do caminhão-pipa, que chega a cada 30 dias. No entanto, ela conta que, quando o caminhão quebra, fica até três meses sem passar pelo local. Nessas ocasiões, ela usa a carroça de algum vizinho.

O prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz (PRB), diz ter assinado um decreto, mas que não teria sido homologado pelo Ministério da Integração Nacional porque a produção agrícola do município foi superior às perdas provocadas pela seca. Ele denuncia que o Dnocs perpetua a chamada “indústria da seca” e que foi “aparelhado” pelo PT e transformado em instrumento de captação de votos no período eleitoral, com distribuição de canos, bombas e caixas d’água, comprados a partir de recursos de emendas de deputados federais petistas – candidatos à reeleição. O prefeito também alega que o órgão é usado para favorecer o deputado estadual Paulo Guedes (PT), que foi seu adversário no segundo turno da eleição para a prefeitura em 2012 e que indicou o atual coordenador regional do órgão, Gustavo Xavier. Guedes negou a acusação e disse que Ruy não baixou o decreto de emergência por motivação política. “Isso é coisa de quem pensa pequeno”, contra-ataca.

Lombo de animal


A falta de assinatura do decreto de emergência também dificulta a chegada de equipamentos públicos para o auxílio de atingidos pela seca em São João das Missões. Conforme um morador, a situação é pior para os habitantes da reserva indígena xacriabá, que responde a 70% da população do município. Na aldeia Buqueirão, as cerca de 70 famílias precisam carregar água em lombo de animal por sete quilômetros. A reportagem tentou, mas não conseguiu contato com o prefeito de São João das Missões, Marcelo Pereira (PT).

Em Montalvânia, a assistência aos flagelados da seca também sofreu atraso porque, embora os moradores estejam sofrendo com os prejuízos desde o início do ano, somente no último dia 10 foi assinado o decreto de emergência. O prefeito da cidade, Jordão Messias Medrado (PR), alegou que o atraso foi decorrente da montagem de um relatório fotográfico dos danos, uma das exigências do Ministério da Integração Nacional para homologar o decreto de emergência.

Um prato cheio para deputados

O Departamento Nacional de Obras contra as Secas (Dnocs) tem a sua atuação reforçada pelas emendas apresentadas pelos deputados federais ao Orçamento da União. Essas verbas garantem a perfuração de poços tubulares e aquisição de materiais para equipá-los e levar a água até os moradores das comunidades rurais, tais como canos, bombas e caixas d'água.

O coordenador regional do Dnocs em Minas Gerais, Gustavo Xavier, explica que os parlamentares indicam os municípios e localidades que devem ser contemplados com os materiais. Geralmente, são lugares onde os deputados têm base eleitoral. Mesmo assim, o coordenador diz que não existe uso eleitoral do programa de combate à seca ou favorecimento político, apesar da declaração do prefeito de Montes Claros, Ruy Muniz, de que o Dnocs é aparelhado pelo PT. “O Dnocs recebe emendas de deputados, na forma prevista em lei, de quaisquer partidos, para atendimento de carências de comunidades em sua área de atuação e dentro de sua finalidade institucional”, afirma Xavier.

Curioso é que, entre os deputados federais que conseguiram a aprovação de emendas para o órgão em Minas, a maioria é do PT. O próprio Xavier cita o nome de alguns deles e os valores: Gabriel Guimarães (PT) – R$ 1,5 milhão, para compra de equipamentos para 30 municípios; Newton Cardoso (PMDB) – R$ 1 milhão, beneficiando localidades de 15 municípios; Bernardo Santana (PR) – R$ 750 mil destinados a comunidades rurais de 20 municípios; Padre João (PT) – R$ 550 mil, atendendo 10 municípios; e Leonardo Monteiro (PT) – R$ 500 mil, contemplando moradores de 20 cidades.

De acordo com Xavier, os deputados inserem as emendas no Orçamento da União, mas não têm nenhuma interferência no processo de licitação para a compra dos equipamentos, que é responsabilidade do próprio Dnocs. Ainda segundo ele, somente na hora de execução dos projetos os parlamentares indicam quais são as comunidades que devem ser beneficiadas. Elas somente são atendidas após apresentarem documentação que comprove a demanda. 


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