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Estado de Minas

Neutralidade da Comissão da Verdade é duvidosa

Uma das integrantes do colegiado que vai apurar violações aos direitos humanos entre 1946 e 1988 já defendeu a condenação dos agentes do Estado que cometeram abusos na ditadura


postado em 12/05/2012 08:20 / atualizado em 12/05/2012 08:24

(foto: Marcelo Casal.Jr/ABR - Brasilia )
(foto: Marcelo Casal.Jr/ABR - Brasilia )
Brasília – A composição da Comissão da Verdade, anunciada na quinta-feira pela presidente Dilma Rousseff, é composta, maioritariamente, por pessoas atuantes na defesa dos direitos humanos, o que gerou a reação de setores militares da reserva. No Rio de Janeiro, os três clubes militares estão trabalhando na criação de comissões paralelas, para acompanhar os movimentos do colegiado e produzir relatórios próprios. Uma das integrantes, inclusive, chegou a defender publicamente a condenação da violência de agentes do Estado na ditadura militar.

Em artigo sobre a eleição de Dilma Rousseff, intitulado Mulher ou militante, publicado em agosto de 2011, na revista Carta capital, a psicanalista Maria Rita Kehl diz esperar de Dilma, “que foi presa política por ter lutado em favor das liberdades democráticas”, que “atue decisivamente para condenar, no passado, e eliminar, no presente, a violência dos agentes do Estado que a sociedade, envergonhada, acostumou-se a considerar como um traço indelével da ‘cultura’ brasileira”.

Em outro trecho, afirma que a “posição tíbia dos sucessivos governos brasileiros diante da ala conservadora do Exército envergonha o país diante do mundo, em particular a América Latina”. Em seguida, reforça a cobrança à presidente e destaca que os crimes cometidos durante a ditadura não seriam contemplados pela Lei de Anistia: “De Dilma (...) espera-se uma posição decisiva a favor da abertura da investigação sobre os desaparecidos políticos do governo militar, assim como a decisão de tornar públicos os nomes dos assassinos e torturadores, praticantes de crimes de Estado não contemplados pela Lei da Anistia”.

O diplomata Paulo Sérgio Pinheiro, secretário de Direitos Humanos durante o governo Fernando Henrique Cardoso, é outro membro do colegiado com atuação notória na área, com destaque em casos de violações por parte de governos militares. Relator do Conselho de Direitos Humanos da ONU para Myanmar entre 2000 e 2008, Paulo Sérgio pressionou para que o Brasil se engajasse na adoção de resolução para criar uma Comissão de Inquérito na ONU que investigasse crimes perpetrados pelo governo militar de Mianmar. Em 2006, Pinheiro foi nomeado pelo então presidente, Luiz Inácio Lula da Silva, para um grupo de trabalho encarregado de preparar um projeto de comissão da verdade.

Outra integrante da comissão que se destacou na luta contra o regime militar foi a advogada Rosa Maria Cardoso da Cunha, que defendeu Dilma Rousseff e seu ex-marido, o advogado Carlos Araújo, quando foram presos durante a ditadura. Rosa Maria atuou no processo que o governo militar abriu contra Dilma e outros integrantes da organização de esquerda VAR-Palmares, e se especializou na defesa de crimes políticos. No início do ano, ela contou que foi perseguida pela ditadura devido ao seu trabalho.

Carta aos brasileiros O advogado José Carlos Dias é outro membro que teve participação na luta contra o regime militar. Ele foi um dos signatários da Carta aos brasileiros, manifesto publicado em 1977, repudiando a ditadura. Após atuar por anos como membro efetivo e chegar à presidência da ONG Comissão de Justiça e Paz de São Paulo, hoje é conselheiro da entidade, criada há 22 anos por dom Evaristo Arns, “como reação à violência da ditadura militar e amparo às centenas de perseguidos políticos e seus familiares”, conforme o site da ONG.

Já o ex-procurador-geral da República Claudio Fonteles atuou politicamente como secundarista e universitário, tendo sido membro da Ação Popular, movimento estudantil ligado à esquerda católica que comandou a União Nacional dos Estudantes (UNE) na década de 1960. Hoje, é membro do Conselho de Defesa dos Direitos da Pessoa Humana. Ainda compõem a Comissão Gilson Dipp, ministro do Superior Tribunal de Justiça; e José Paulo Cavalcanti Filho, ex-ministro interino da Justiça. A posse do grupo está marcada para quarta-feira, no Palácio do Planalto. No dia seguinte, começam os trabalhos.

O senhor esperava a indicação?
Fui pego de surpresa. Fiquei sabendo de um eventual convite 48 horas antes. Evidentemente, era irrecusável, pois partia da presidente. Quem está no serviço público latu senso não pode recusar uma chamada de tal magnitude.

Será possível esclarecer na comissão fatos obscuros do passado?
Certamente. A lei é clara e as pessoas que foram indicadas estão com esse firme propósito. Não é uma questão de governo, mas uma missão do Estado, que começou com políticas nesse sentido, desde Fernando Henrique, passando por Lula e culminando com a presidente Dilma.

O senhor acha que haverá muita resistência?
Acho que a sociedade vai absorver com muita clareza o sentido da lei, que é resgatar a memória nacional, trazendo à tona violações graves a direitos humanos, reconstruindo a história e fazendo a pacificação nacional. Isso ocorrei em todos os países onde foram criadas comissões da verdade. As infrações aos direitos humanos diminuíram sensivelmente e os atos de tortura praticamente desapareceram.

O senhor acha que dois anos será tempo suficiente para investigar violações de 1946 a 1988?
Não sei como foi a elaboração da lei, como se chegou a esse prazo de dois anos, e nem sabia que ia ser integrante. Temos que avaliar agora, mas, em suma, a nossa intenção é cumprir a lei.

O senhor concorda com a ministra Maria do Rosário, que disse ao Estado de Minas que os fatos apurados pela comissão podem dar origem a um processo de condenações?
Não quero me manifestar sobre isso, porque a comissão não foi nem instalada ainda. Não posso dar opinião pessoal por enquanto.


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