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Estado de Minas

Morte e vida Rayline: Estado de Minas conta história de tragédia que comoveu o país

O Estado de Minas conta a história por trás de duas mensagens que comoveram o Brasil, em março de 2014. A tragédia, o luto e o nascimento de uma nova brasileira chamada Rayline


postado em 17/03/2015 06:00 / atualizado em 17/03/2015 14:56

Daniel Camargos (texto)
Alexandre Guzanshe (fotos)
Enviados Especiais


(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )
(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )

Santarém e Fordlândia (PA)
- Rayline marcou três gols pelo time Jardim Santarém na vitória por 5 a 0 ante o Atlético Mararu na Copa Norte de futebol amador, realizada em um campo de terra, com muita areia, no bairro do Santíssimo, em Santarém. Os gols levaram a equipe para a final do torneio, mas ela não pôde disputar o jogo decisivo e suas companheiras foram derrotadas. Após a partida, Rayline foi para a casa da tia Marilena, que pintou as unhas da sobrinha com esmalte e ajudou a preparar o “rancho”, como é nomeada a caixa com mantimentos que ela levava para passar vinte dias na aldeia indígena munduruku Sai Cinza, em Jacareacanga.


Rayline Sabrina Brito Campos, 26 anos, era técnica em enfermagem e prestava serviço para a Secretaria Especial de Saúde Indígena (Sesai), órgão vinculado ao Ministério da Saúde. Permanecia 20 dias por mês na aldeia, atendendo aos índios. Os outros 10 dias dividia entre Santarém (cidade-polo do Oeste do Pará, com quase 300 mil habitantes), onde vivia parte da família; e Fordlândia, terra natal dela, pequena vila de Aveiros, com menos de 1 mil moradores às margens do Rio Tapajós e distante cinco horas, navegando em lancha, de Santarém.

Os verbos estão no passado porque Rayline está morta. Foi uma das cinco vítimas de acidente aéreo no dia 18 de março de 2014. Apesar do ano que se passou, o Centro de Investigação e Prevenção de Acidentes Aeronáuticos (Cenipa), órgão vinculado à Força Aérea Brasileira (FAB), ainda não concluiu o laudo com as investigações. Não se sabem, portanto, as causas da tragédia e não há prazo para a entrega do relatório. Sem os documentos, é impossível indenizar as famílias vitimadas pela tragédia.

Assista ao vídeo:

Além de Rayline, outras duas técnicas de enfermagem (Luciney Aguiar de Sousa e Raimunda Lúcia da Silva Costa), um motorista (Ari Lima) e o piloto do avião bimotor (Luiz Feltrin) perderam a vida. Minutos antes de o avião cair, Rayline conseguiu enviar duas mensagens de celular para o tio, Rubélio Pereira dos Santos. Na primeira mensagem pedia ajuda e avisava que um dos motores do avião bimotor havia parado: “Tio to em temporal e um motr parou avisa a mae q amo muit tods ...”. Na segunda mensagem, pedia socorro.

O acidente aconteceu 10 dias depois do sumiço do avião que fazia o voo 370 da Malaysia Airlines, que sobrevoava o Mar da China, no golfo da Tailândia, com 239 pessoas, e que segue desaparecido. A coincidência ampliou a agonia dos familiares. O desaparecimento do bimotor Beechraf 58 Baron de cinco lugares em um local de floresta então incerto, entre Itaituba e Jacareacanga, tornou as buscas um desafio e envolveu equipes do Exército brasileiro, voluntários, familiares e colegas de trabalho, sob coordenação da FAB.

Não fossem as desesperadas mensagens que comoveram o país, Rayline seria mais uma entre tantas brasileiras e brasileiros invisíveis que enfrentam o desafio de povoar a imensidão territorial da Região Norte. Sua vida  - e a sua morte - seguiriam escondidas como os destroços do avião na densa mata da floresta amazônica.

Para milhares de trabalhadores da Região Norte, voar representa mais do que  luxo, ascensão social ou mero capricho. É fundamental para quem leva o mínimo de dignidade a aldeias índigenas e populações ribeirinhas. A necessidade implica em grandes riscos: somente no ano passado foram 10 acidentes aéreos no Pará, 21 nos estados da região, de acordo com o Cenipa.
Rosalina mostra as fotos da filha com uma pequena índia munduruku e no time de futebol da vila natal(foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )
Rosalina mostra as fotos da filha com uma pequena índia munduruku e no time de futebol da vila natal (foto: Alexandre Guzanshe/EM/D.A Press )

Se o Pará fosse um país, seria a vigésima-segunda maior nação do planeta. A área de 1.247.954,666km² equivale a quase duas vezes a do território da França, o maior país da Europa Ocidental. As estradas do estado são péssimas e, além disso, o território é cortado por imensos e grandes rios, como Amazonas, Tapajós, Xingu, Trombetas e Araguaia, o que dificulta ainda mais os deslocamentos.

Dezesseis dias depois do sumiço do bimotor, a FAB decidiu interromper as buscas. Os familiares das vítimas foram a Brasília. Recebidos em audiência no Ministério da Defesa, pressionaram para que o poder público não desistisse de encontrar os destroços do avião. Foram atendidos, mas também organizaram uma vaquinha e arrecadaram R$ 19 mil para recompensar quem encontrasse o bimotor. O dinheiro gerou uma corrida. Uma espécie de garimpo.

Vale lembrar que a região de Itaituba, de onde o avião partiu, se destacou no mapa brasileiro pela exploração de ouro na década de 1980 até o início dos anos 1990. Em 1986, o tráfego aéreo do aeroporto da cidade foi o mais intenso entre todas as pistas da América Latina, o terceiro mais frenético do mundo. Até hoje circula na região uma história tão curiosa quanto emblemática, ocorrida em 1983: um avião Cessna 2006 pousou em cima de um Cessna 210 que aguardava para decolar. As fotos do acidente pipocam em páginas e fóruns de aviação na internet.

Em  24 de abril, 36 dias após a queda do bimotor, um garimpeiro encontrou os destroços. O enterro do corpo de Rayline aconteceu em 28 de abril, 40 dias após o acidente. Nesse ínterim, a final da Copa Norte foi realizada. “Essa situação toda abalou a gente. A Rayline era a melhor do time, se ela tivesse jogado a final poderíamos ter vencido”, entende Eleonai da Silva Filgueira, amiga de Rayline e responsável pelo convite para que a técnica em enfermagem reforçasse o ataque do Jardim Santarém.


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