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Estado de Minas

Moradores e pescadores de bacia entre Mato Grosso e Pará criticam a extinção de peixes


postado em 27/12/2014 06:00 / atualizado em 27/12/2014 09:00

Usina Hidrelétrica Teles Pires, na divisa de Pará e Mato Grosso, é alvo de críticas de pescadores e indígenas por danos ambientais (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)
Usina Hidrelétrica Teles Pires, na divisa de Pará e Mato Grosso, é alvo de críticas de pescadores e indígenas por danos ambientais (foto: Minervino Junior/CB/D.A Press)
Brasília – “Como todo católico tem que ir a Roma para ver o papa, o sonho de todo pescador esportivo é pescar nas Sete Quedas”, compara Hygino Pitelli Júnior. O pecuarista do Paraná já se aventurou no Pantanal, na Argentina, no Paraguai e em diversos pontos da Amazônia atrás de uma boa pescaria. Mas não compara nenhum dos locais à sequência de cachoeiras do Rio Teles Pires, na divisa entre o Pará e o Mato Grosso. “A piraíba com mais de 100kg só se encontra nessa região. O jaú, aqui, fica gigante e chega a 100kg”, lista Hygino, justificando a tristeza de saber que estão contados os dias das cachoeiras que o fizeram construir um pequeno rancho de pesca na altura do município de Paranaíta (MT).

Entre o sentimento de orgulho e de arrependimento, Hygino lembra que o rancho “foi o marco zero da usina”. Convencido pela ideia de desenvolvimento vendida pelo consórcio construtor da Usina Hidrelétrica (UHE) Teles Pires, ele cedeu o espaço do rancho para uma pousada, que hospedou as primeiras equipes da obra, em 2011. Após o barramento definitivo do rio, no início deste ano, “quem está acima das Sete Quedas, não pega mais peixe”, garante Hygino, que prevê o fim da pousada com a subida da barragem da Usina São Manoel, 40 quilômetros abaixo da UHE Teles Pires. A pousada ficará exatamente entre as duas usinas.

“Minha renda média, que era de R$ 2 mil nos 8 meses em que é permitido pescar, caiu pra R$ 588”, lamenta Osvaldo Ribeiro, pescador profissional. Há 14 anos, dos 47 vividos, ele tira o sustento da família do Rio Teles Pires. “A queda da pesca foi enorme. Continuei porque também sou guia de ‘pesque e solte’. Isso dá uma injeção de renda para poder sustentar a família. Só com o peixe, é impossível trabalhar”, completa. Ele tinha um rancho de pesca alguns quilômetros acima da Sete Quedas e, como prevê seu Hygino, não vê mais futuro na região.

“O Rio Teles Pires está barrento. Nós, cayabis não estamos suportando a sujeira da água que nós tomamos”, denuncia Taravy Kayabi, líder de um dos povos indígenas afetados pela UHE Teles Pires e São Manoel. Além dos cayabis, os apiacás e mundurucus também enxergam riscos à sobrevivência e à cultura caso avancem os projetos de hidrelétricas na Bacia do Rio Tapajós — do qual o Teles Pires é um dos principais afluentes. “Nós, indígenas da região, podemos passar como a cidade de São Paulo, sem água para tomar”, compara o líder em texto enviado ao Ministério Público Federal (MPF) no Pará, Mato Grosso e em Brasília.

No dia 23, o MPF conseguiu na Justiça Federal a suspensão da licença de instalação da Hidrelétrica São Manoel. O Ministério Público alerta que o empreendimento não cumpriu nem a metade das obrigações e contrapartidas necessárias para erguer a barragem. “Essa obra é uma das maiores violências contra povos indígenas no Brasil. E pouca gente conhece. Ela provocará danos irreversíveis, sobretudo à etnia cayabi, cujo território se localiza a menos de um quilômetro da obra”, alerta o procurador Felício Pontes Júnior.


DESMATAMENTO “A gente entende que tem de ser construído, mas sou contra neste local, acabando com matas amazônicas virgens. Você sabe que o mundo todo condena derrubar essas árvores?”, argumenta Hygino. “Apesar de ser possível não negar a construção de novas hidrelétricas na Amazônia, devíamos ter uma visão integrada para saber onde e como fazer. Além disso, é a sociedade quem deve escolher, e não o governo, uma ONG ou um cientista”, pondera Cláudio Maretti, líder da Iniciativa Amazônia Viva, da WWF.

Ele ressalta a importância de se manterem alguns rios intactos, para conectar “manchas” florestais importantes para a fauna e a flora. “É uma dupla via de interação: o rio ajuda a manter a biodiversidade das florestas, que garantem a alimentação para os peixes”, explica. Maretti acredita ainda que, por mais que os projetos tenham cada vez mais preocupação em reduzir a área alagada pelas barragens, a pressão gerada pelas hidrelétricas sobre a floresta vai além disso. “Nas duas usinas do Rio Madeira (RO) e de Belo Monte (PA) têm ocorrido um desmatamento acelerado. Esse desmatamento, gerado pela ocupação do entorno das hidrelétricas, pela migração, pela especulação imobiliária, é muitíssimo maior do que o gerado pela obra em si, e pela área alagada pelo reservatório da usina”, completa Maretti.

Usina à base de manobra jurídica

Brasília – “O pessoal tem essa frustração de ter a vitória por um período muito curto. Às vezes, uma decisão favorável é suspensa em menos de 24 horas, o que não é o normal de prazo de apreciação de recurso”, desabafa o procurador da República Marco Antônio Barbosa, do Ministério Público Federal (MPF) de Mato Grosso. Envolvido em diversas ações que questionam o licenciamento das usinas — em grande parte previstas no Programa de Aceleração do Crescimento, do governo federal —, o procurador deixa de antemão muito claro que não questiona as obras. “As fundamentações das ações ou recomendações, em nenhum momento questionam a opção política de fazer hidrelétricas. Todas as ações pleiteam apenas que sejam cumpridas as leis, a Constituição e os tratados internacionais que o Brasil assinou”, explica.

Para permitir a continuidade de obras que não têm estudos completos, ou que são contestadas em dezenas de ações do MPF, o governo tem recorrido a um instrumento judiciário criado nos anos 1960, durante a ditadura militar. “Não conseguimos produzir os efeitos das sentenças judiciais (favoráveis ao MPF) por causa de um expediente jurídico chamado suspensão de segurança”, lamenta Barbosa. A ferramenta permite que o presidente de um tribunal decida sozinho contra qualquer decisão de outros juízes, ou mesmo uma turma deles.

Para isso, basta alegar, sem estudos ou detalhamento, riscos à ordem pública ou à economia com a paralisação das obras. Ao todo, as usinas da bacia do Tapajós já precisaram de 12 suspensões de segurança para não ter as obras paralisadas. “Espero que a liminar anunciada hoje (dia 23) tenha melhor sorte que as anteriores”, comentou o procurador da República Felício Pontes Júnior, último a obter uma vitória na Justiça, que ordenou a paralisação das obras da Usina São Manoel, no Rio Teles Pires.


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