(none) || (none)
UAI
Publicidade

Estado de Minas

Na quente Acapulco, cadáveres enchem as geladeiras do necrotério


postado em 21/07/2016 15:25

Trabalhadores do necrotério levantam o corpo desmembrado de um homem, largado em plena luz do dia em uma rua de Acapulco. Depois, recolhem uma perna mutilada e uma bolsa com sua cabeça.

Assim, em pedaços, a vítima é transferida para o único centro forense deste balneário mexicano, que acumula cadáveres sem reclamar.

Dentro de suas câmaras frigoríficas, os corpos repousam de dois em dois em gavetas previstas para um só cadáver, uma fúnebre recordação da violência do crime organizado que converteu essa turística cidade costeira na capital mexicana do homicídio.

As autoridades concederam à AFP uma visita pouco usual a este necrotério e abriram as portas de algumas de suas câmaras mortuárias.

A maioria dos corpos está em bolsas cinzas, mas dois pés descalços sobressaem de uma gaveta. Em outra, uma bolsa vermelha está marcada com o rótulo "feto". Uma barata perambula por uma prateleira.

Há 174 cadáveres nas câmaras, que só têm capacidade para 95. Três deles definham ali desde 2012.

Meia hora depois da chegada de outro decapitado, o cheiro de morte se espalha pelo ar quente em torno das três mesas de necropsia, que são sobrevoadas por moscas.

O necrotério está "saturado pela questão da violência e porque muitos corpos não são reclamados", explica Carlos de la Peña, o secretário de Saúde de Guerrero (sul), que gerencia os três super-populosos necrotérios do estado.

Cadáveres diários

Dez médico trabalham no necrotério da antes glamourosa Acapulco, onde 902 pessoas foram assassinadas em 2015 e mais 461 no primeiro semestre deste ano, segundo números oficiais.

Com 810.000 habitantes, isto implica em um índice de 111 homicídios para cada 100.000 pessoas e coloca Acapulco entre as cidades mais violentas do mundo fora de zonas de guerra.

Os frigoríficos do necrotério armazenam atualmente o resto de 53 vítimas de assassinato e os ossos de 16 pessoas encontradas em fossas clandestinas ou em zonas remotas da cidade.

Os demais sofreram morte natural, foram vítimas de acidentes ou são restos de um crematório que fechou no ano passado.

"Existem famílias que sabem que os corpos estão aqui, mas não os reclamam e não sabemos porquê", disse Carlos Estrada, coordenador do necrotério.

Estrada, de 61 anos, recorda que há 20 anos este centro forense recebia dois ou três corpos por dia, a maioria vítimas de acidentes. Agora são de três a cinco, a maioria assassinada.

"É impactante porque muitas vezes estamos trabalhando com um corpo de um desconhecido", assinala. "Entretanto, é um trabalho que tem que ser feito".

Pelo menos dentro de dois meses o enterro dos corpos não reclamados não começará, pois os peritos ainda precisam conseguir colocar em dia o trabalho atrasado.

Disposição militar insuficiente

Ao menos 10 pessoas foram reportadas como assassinadas em Acapulco durante a visita de cinco dias da AFP ao local na semana passada.

Uma senhora foi assassinada próximo do necrotério. Duas pessoas morreram em um tiroteio em um bar de strip-tease. No total, as autoridades encontraram três corpos decapitados.

"Eu tinha guardas com seis, sete, oito corpos", assegura José Esteban Anzastiga, motorista das caminhonetes do necrotério.

Em torno de 95% dos assassinatos de Acapulco estão vinculados com o crime organizado, considera o porta-voz de Segurança de Guerrero, Roberto Álvarez.

Os principais grupos que lutam pelo controle da venda de drogas neste estratégico porto do Pacífico são o Cartel Independente de Acapulco (CIDA) e os Beltrán Leyva, ambos com brigas internas.

Álvarez reconhece que ainda que milhares de soldados e policiais patrulhem a cidade eles não são suficientes para resolver a "crise de segurança" de Acapulco, que tem que ser acompanhada de uma melhora econômica e de uma participação mais ativa dos cidadãos na hora de reportar os crimes.

O esforço em vão para recolher testemunhas foi evidente quando o cadáver com as pernas mutiladas e a cabeça em um saco foi encontrado no último 14 de julho em uma avenida do perigoso bairro de San Agustín.

"Você viu algo?", perguntou um perito a uma senhora que olhava a cena através da grade de sua humilde casa. "Não vi nada", contestou ela.

Na maioria das vezes ninguém vê nada. A AFP falou com 10 vizinhos e todos responderam o mesmo.

O ritmo do medo

"Nós nos acostumamos com o ritmo do medo", manifestou a alguns passos do corpo um vizinho de 60 anos, que não quis falar seu nome por razões de segurança.

"Para nós isto não nós dá medo", afirmou este mexicano que na semana passada teve que se jogar no chão durante um tiroteio contra uma parada de táxis.

Mas, além dos tiroteios, neste bairro de Acapulco os vizinhos sofrem todo o tipo de crime por parte dos narcotraficantes, inclusive extorsões para permitir a celebração de festas.

Esta espiral da violência já deixou sequelas em muitas pessoas.

A organização conhecida por ajudar vítimas de guerras, Médicos Sem Fronteiras, instalou um centro de saúde mental em janeiro de 2015 neste bairro.

Desde então, mais de 1.100 pessoas foram atendidas por seus psicólogos depois de ter sofrido ameaças, extorsões, sequestros e torturas dos criminosos.

A maioria sofre depressão e ansiedade, fruto do estresse pós-traumático, mas muitos têm, sobretudo, medo de falar.

"Acreditamos que exista mais" afetados, lamenta Edgardo Zúniga, o coordenador do programa.


receba nossa newsletter

Comece o dia com as notícias selecionadas pelo nosso editor

Cadastro realizado com sucesso!

*Para comentar, faça seu login ou assine

Publicidade

(none) || (none)