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Estado de Minas

Sobreviventes de Auschwitz detalham horror no campo de extermínio

Ao menos 1 milhão do total de 1,3 milhão de judeus deportados para Auschwitz entre 1940 e 1945 foram assassinados pelos nazistas


postado em 25/01/2015 13:05

Brasília – Nenhuma palavra, nenhum sentimento é capaz de definir o horror vivido por seres humanos naquele local. A fumaça que exalava das chaminés, o cheiro dos corpos, as chamadas “marchas da morte”, os números tatuados na pele. Tudo levava ao fim iminente e doloroso. Na terça-feira, 70 anos terão se passado desde que os soldados soviéticos entraram nos portões do campo de extermínio de Auschwitz, 60 quilômetros a oeste da Cracóvia, na Polônia. Havia apenas 7 mil prisioneiros remanescentes, a maior parte deles moribunda ou bastante doente. Ao menos 1 milhão do total de 1,3 milhão de judeus deportados para Auschwitz entre 1940 e 1945 foram assassinados pelos nazistas, sob as ordens de Adolf Hitler, e pelos kapos – criminosos recrutados pela polícia alemã Schutzstaffel (SS) para supervisionar o funcionamento dos campos. Aquele 27 de janeiro de 1945 representou a tão sonhada e impossível liberdade para quem driblou a morte tantas vezes. O Estado de Minas entrevistou, com exclusividade, quatro sobreviventes de Auschwitz.

Eva Mozes Kor, de 80 anos, moradora de Terre Haute, Indiana (Estados Unidos)

“Enquanto relembro os 70 anos de minha liberação desse inferno na Terra chamado Auschwitz, sou grata por estar viva. Eu sobrevivi. É um sentimento de triunfo observar sete décadas desde a liberação de Auschwitz. Perdoei todos aqueles que me machucaram – não porque mereceram, mas porque eu e todas as vítimas merecemos viver livres da dor que eles impuseram a nós. No entanto, quando olho para o mundo nesses últimos 70 anos, imagens similares chegam a mim por meio das notícias. Há ódio, divisão e os velhos costumes não morrem facilmente. Eles estão sempre culpando os judeus, pois somos minoria. Sinto muita tristeza em ver que não são tantas as pessoas que se levantam por nós. Devemos a nós mesmos e à memória de Auschwitz a defesa da vida humana e da decência.

Ninguém nos preparou sobre como seria a liberação. Esperava que pudesse ir para casa e encontrar minha família. Todos os dias, pronunciava uma frase, como se fosse um mantra: ‘Algum dia, em breve, estarei livre e irei para casa’. O dia da liberação foi estranhamente quieto, depois de semanas e meses de artilharia, de bombardeios e do barulho da guerra. Era 27 de janeiro de 1945, um sábado, por volta das 16h30. Uma mulher correu pelo campo, gritando: ‘Estamos livres! Estamos livres!’. Palavras simples. Pensei comigo: ‘Isso é maravilhoso, mas o que significa? Posso apenas ir para casa agora? O que realmente quer dizer ser livre?’.

Minha irmã gêmea, Miriam, e eu olhamos para fora e nevava tanto que tudo era completa brancura. Ficamos lá por meia hora, até que os olhos se adaptaram e, a distância, vimos várias pessoas. Parecia um exército. Elas tinham os maiores sorrisos que já vi, e não se pareciam com os nazistas. Eles nos deram chocolate, biscoitos e abraços. Foi o meu primeiro gosto de liberdade. Para mim, perceber que Miriam e eu estávamos vivas, que tínhamos triunfado sobre o mal inacreditável e que minha pequena autopromessa de sobreviver tinha se tornado realidade foi um sentimento incrível. A magnitude e a brutalidade do local eram esmagadoras. Nada de normal ou humano existiu ali. Setenta anos depois da liberação, queremos lembrar e trabalhar juntos, na esperança de prevenir isso. É um sinal de esperança que as pessoas estejam interessadas em visitar Auschwitz.

Gábor Hirsch, de 85, morador de Zurique (Suíça)

“O dia 27 de janeiro me traz o sentimento de estar livre, a certeza de que posso expressar-me abertamente. Não tenho que passar fome, não preciso temer por minha vida, ter medo das seleções (para a execução na câmara de gás) ou do tratamento brutal dos nazistas. A liberação de Auschwitz ocorreu em etapas. Por um longo tempo, escutávamos canhões rugindo de um front próximo. Algumas semanas se passaram até que, durante a chamada diária, nos disseram que o campo seria esvaziado e que deveríamos estar prontos para uma longa marcha. Eles (os nazistas) nos informaram que os doentes e fracos, incapazes de andar, seriam removidos para o hospital do campo.

Me sentia muito fragilizado e tive duas escolhas para caminhar e congelar até a morte: receber um tiro em resposta à minha exaustão ou ser baleado quando os alemães esvaziassem Auschwitz. Entre as duas alternativas incertas, decidi ficar. Três dias depois da retirada de prisioneiros de Auschwitz, em 21 de janeiro, descobrimos que nossos guardas tinham desertado durante a madrugada e que estávamos livres. Em 24 de janeiro, alguns soldados alemães retornaram, com a ordem de encobrir os traços de crimes e de retirar o restante dos judeus, antes que o Exército soviético chegasse. Nos ordenaram que, no dia seguinte, estivéssemos prontos para o embarque. Pela manhã, ao escutar o chamado ‘Todos os judeus alinhados’, me escondi sob um colchão de palha. Felizmente, os soldados estavam com pressa e gastaram pouco tempo na inspeção dos pavilhões. Sobrevivi àquele episódio, e o campo permaneceu inassistido. Em 27 de janeiro, recebemos a notícia de que os soviéticos tinham alcançado Birkenau. Em algum ponto, talvez no mesmo dia ou no seguinte, médicos soviéticos me apoiaram na cerca de arame farpado. Um cinegrafista soviético fez um documentário. Se o prisioneiro mostrado nas imagens era eu, não posso dizer com 100% de certeza, mas me lembro de tal cena.

O único campo que conheço é Auschwitz-Birkenau. Se ele foi o pior ou não, não posso dizer. Sei que se tornou um símbolo do Holocausto, do tratamento degradante da humanidade. Uma das piores memórias que guardo é da chegada a Auschwitz-Birkenau, quando fui separado da minha mãe. Também houve seleções (para execuções) nos principais feriados judaicos, em 27 de setembro, no Yom Kippur (Dia do Perdão), e no Simchat Tora, em 10 de outubro. Apenas com muita sorte consegui escapar da morte.”

Aleksander Henryk Laks, de 87, morador do Rio de Janeiro

“Fui levado para Auschwitz-Birkenau em 1944. Minha mãe morreu lá, na câmara de gás. Fiquei dois meses ali e fui vendido para outro campo de concentração. Todas as memórias de lá são fortes. Me recordo do transporte para Auschwitz, eram vagões que carregavam gado. Ao descer do trem, um alto-falante avisava que mulheres e crianças deveriam ficar de um lado e homens do outro. Meu pai segurou-me forte pelo pulso para que não nos perdêssemos um do outro. Minha mãe foi levada com as mulheres e nunca mais a vi. Ela foi assassinada na câmara de gás e queimada no crematório.

Era noite e o céu estava todo avermelhado. Havia um complexo de chaminés e saía fuligem. Pensei que, assim como no gueto onde eu morei e trabalhei como metalúrgico, aquilo seria um autoforno para produzir ferro. Aí disse ao meu pai que aquilo era uma metalúrgica. Mas era o crematório. Meu pai falava bem alemão e perguntou: ‘O que está acontecendo? Onde estamos?’ A resposta foi: ‘Cala a boca! Você está em Auschwitz. Só tem uma saída, pela chaminé. Não pergunte, obedeça’. Para nós, a palavra Auschwitz não dizia nada. Não sabíamos de Auschwitz. O mundo inteiro sabia, mas nós, judeus, não. Quando o campo foi libertado pelos soviéticos, todos os prisioneiros, inclusive eu e meu pai, fomos levados para a ‘marcha da morte’. Ali, morreram 2 milhões de judeus, exterminados andando na neve, dormindo ao relento, congelados, com fome e inanição.

Em Auschwitz, não havia comida. Recebíamos uma casca de batata, um pouco de água e 200g de pão. Após o desembarque em Auschwitz, quem me condenou a viver foi o médico nazista Josef Mengele. Ele selecionava quem deveria morrer e fazia experiências sui generis em crianças, principalmente em gêmeos. Um antigo prisioneiro me aconselhou: ‘Fala 18, fala 18!’. Não sabia o que significava. Estava diante de Mengele, e ele perguntou: ‘Você entende alemão? Qual sua idade?’. Eu tinha 15 anos, lembrei-me do conselho e respondi: ‘Dezoito’. Ele me colocou ao lado do meu pai. Depois, nós fomos separados. Um dia nos encontramos e quase não o reconheci. Foi a primeira vez que vi meu pai chorar. Nos abraçamos e choramos. Começaram a tatuar as pessoas e disseram que, daquele momento em diante, não teríamos nomes, apenas números. Estava destinado a viver e a ser testemunha. E dizer que isso nunca mais pode ocorrer com ninguém. Para isso sobrevivi. Como? Não sei, só Deus sabe.”

Halina Birenbaum, de 85, moradora de Herzliya (Israel)

“Estive em Auschwitz por quase dois anos, de meus 13 aos 15 anos. Fui testemunha e vítima das coisas mais terríveis. No entanto, não fui liberada em 27 de janeiro de 1945. Os alemães levaram milhares de judeus, inclusive eu, em 18 de janeiro, para caminhar por cinco dias e cinco noites em direção a outros campos nazistas na Alemanha. Eles executaram muitos daqueles que não podiam caminhar por tanto tempo, sem comer e sem descansar. Andei, comi e bebi neve… Estava doente e fraca.

Cheguei a Auschwitz com Hela, minha cunhada de 20 anos. Tinha acabado de passar uma noite na câmara de gás, no campo Majdanek. Mas o gás não funcionou. Depois, veio o inferno verdadeiro: Auschwitz. Fileiras de pavilhões de tijolos e cercas de arame farpado eletrificado, torres com metralhadoras saindo das guaritas. Homens e mulheres de cabeças raspadas, com suas faces indiferentes. Suas roupas incomuns e desbotadas, os sapatos enlameados. ‘Jamais sairei daqui’, eu pensava, tornando-me cada vez mais arruinada.

Um dos piores momentos em Auschwitz eram as seleções, quem iria para a câmara de gás, quem ficaria e retornaria a todo o sofrimento nos pavilhões. Tudo se tornava irrelevante ao som de um apito e aos gritos que nos paralisavam: ‘Todas as judias para fora!’ ou ‘Judias, não se dispersem após a chamada geral!’. Em momentos assim, nós imediatamente esquecíamos a fome que torcia nossas entranhas. O frio, as horas que passávamos ajoelhadas na lama, com tijolos nas mãos, na chuva ou na neve… O que interessava exclusivamente era a espera do veredicto – o movimento da mão de um de nossos ‘mestres alemães’: para a esquerda, a morte; para a direita, a vida, ou mais sofrimento no campo.

Ao longo de todos esses anos, me recordo dos trens lotados de gente caminhando pela rampa de Auschwitz, do grande fogo, da fumaça negra e do cheiro de carne queimada, das montanhas de roupas. O Dia da Liberação de Auschwitz foi um sonho impossível que tinha se tornado realidade! Significou a vitória sobre o mal mais terrível no mundo, além da felicidade por ainda estar viva. Trata-se de todos os crimes de guerra e do Holocausto juntos. O campo de extermínio tornou-se um símbolo de tudo o que existiu de pior na humanidade. Fui libertada em 3 de maio de 1945. No primeiro momento, não acreditei. Não sentia nada. Somente no dia seguinte disse a mim mesma: ‘Sou livre, jovem (tinha 15 anos) e o mundo inteiro está aberto a mim’.”


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