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Estado de Minas

Disputa de poder e escândalos teriam provocado a renúncia do Papa

As intrigas palacianas parecem ter sido determinante para a crise atual, tendo o seu ápice no ano passado, com o vazamento das cartas secretas do papa


postado em 14/02/2013 07:00 / atualizado em 14/02/2013 08:07

(foto: GABRIEL BOUYS GABRIEL BOUYS / AFP)
(foto: GABRIEL BOUYS GABRIEL BOUYS / AFP)

Brasília
– A transição histórica entre o pontificado do papa Bento XVI e a escolha do seu sucessor ainda em vida explicitou ao mundo o crescente conflito entre os grupos que disputam internamente os rumos da Igreja Católica, em paralelo aos desencontros da instituição milenar com questões polêmicas da atualidade. O desafio atual para os especialistas em sucessão papal e em análises de seus bastidores desde os anos 1960 é bem mais complexo que avaliar o embate ideológico entre conservadores, na maioria europeus, e liberais, concentrados na América Latina, onde vive metade do 1,2 bilhão de fiéis católicos.

O controle dos abusos da casta burocrática na sede da Igreja é o ponto central dos fatos que levaram ao processo histórico aberto na segunda-feira, com o anúncio da renúncia de Joseph Ratzinger, e cujo desfecho começa no próximo dia 28, com a convocação do conclave para eleger o papa, sem prazo para acabar. A expectativa, contudo, é de que a fumaça branca saia da chaminé ao lado da Capela de São Pedro até a Páscoa, consagrando um novo líder do catolicismo.

"O contexto que levou Bento XVI a tomar a decisão extrema de deixar o trono de Pedro se assemelha à vivida em 1294 por Celestino V, um dos outros três papas que renunciaram", explica o jornalista J. D. Vital, um dos maiores estudiosos no país da disputa de poder por dentro da Igreja e autor de livros sobre o tema. Segundo ele, ambos pontífices tiveram de enfrentar pressões políticas pelo domínio da máquina de gestão do Vaticano representada pela cúria romana.

Com o significado de corte em latim, a cúria é o órgão administrativo da Igreja responsável por zelar pelo bom funcionamento da máquina burocrática do Vaticano e que assiste o papa em suas funções. No caso de Celestino, só quatro meses após ser empossado na cidade de L’Áquila, Itália, foi impedido de chegar a Roma. Por razões políticas e econômicas, renunciou em favor de Bonifácio VIII, da influente família burguesa Gaetani. O último que deixou o cargo espontaneamente foi Gregório XII, em 1415.

VILÃO Para Vital, as intrigas palacianas parecem ter sido determinante para a crise atual, tendo o seu ápice no ano passado, com o vazamento das cartas secretas do papa "por não se sabe quem". Apesar de o mordomo de Bento XVI ter sido apontado como único vilão, o papa percebeu no escândalo envolvendo o servidor mais próximo que não tinha forças para controlar a cúria e os seus associados, após oito anos à frente do cargo. O resultado da guerra fratricida, com capítulos de desvios financeiros e crimes sexuais, será o disparate de haver dois papas: um ativo e outro renunciante.

No comunicado de sua renúncia, prevista no direito canônico, o atual bispo de Roma, como também é conhecido o papa, alegou que o seu gesto se devia à idade avançada, 85 anos, e à falta de vigor físico e espiritual para continuar cumprindo a missão para a qual foi eleito em 19 de abril de 2005 em um mundo em constante mutação. A decisão de informar a sua decisão num encontro reservado com cardeais revelou também o interesse de evitar comoção. E a corrida para a escolha está deflagrado tem a vantagem de não requerer o prazo de nove dias previsto para funerais.

Não por acaso, imediatamente após a notícia da renúncia, começaram especulações em torno dos “papáveis”. Apesar de todos responderem que é o Espírito Santo quem inspira as suas intenções de voto, sabe-se que questões regionais e pessoais são levadas em conta. É apontado como maior favorito o italiano Angelo Scola, arcebispo de Milão, de 71 anos. "Diz um velho ditado que quem entra papa no conclave sai cardeal. Mas o último escrutínio mostrou o contrário, ao consagrar o favorito Ratzinger. O mesmo deve ocorrer com Scola, confirmando o poder do cargo que ele já tem", aposta J. D. Vital.

Quem acompanha o xadrez político do Vaticano aponta sempre a escolha de bispos alinhados com as diretrizes de Roma como prática dominante dos papas. Conforme o momento histórico, os movimentos se alternam entre o centro romano e concessões à periferia, em países emergentes mais sujeitos a clamores sociais. Desde o "papa peregrino" João Paulo II tem prevalecido a linha romana contra tendências alternativas como a Teologia da Libertação, abertamente simpática ao marxismo.

SUCESSÃO A escolha do papa caberá a 117 cardeais de todo o mundo – o Brasil tem cinco eleitores e um na lista de favoritos, dom Odilo Scherer, arcebispo de São Paulo. Bento XVI não participará da eleição, mas nomeou mais da metade dos votantes, tendo assim já influído em sua sucessão. O escolhido precisa levar dois terços dos votos (78). Se não houver definição até a 34ª votação, é realizado segundo turno entre os dois mais votados.

Na percepção de analistas, o próximo conclave também pode ser visto como o segundo turno do último, após a morte de João Paulo II, que só se definiu após quatro rodadas. Com 78 anos à época, sabia-se que ele seria um papa de transição, após o longo papado do antecessor. No tabuleiro montado, a expectativa geral é a escolha de um papa europeu, mais jovem e conectado à comunicação digital. Além disso, terá de cuidar da gestão administrativa, para melhorar o caixa e conter os desvios. De nada adiantou Bento XVI lamentar o fato de clérigos que denunciavam abusos "caírem para cima" pelas mãos do cardeal Tarcisio Bertone, considerado por fontes próximas ao papa um líder do governo paralelo, formado à sua sombra desde 2005.

Luiz Felipe Pondé, filósofo da PUC SP, culpa o fogo amigo do clero pelo insucesso do pontificado de Ratzinger. Houve uma resistência dos seus comandados à reforçar a orientação romana em questões doutrinárias em contraponto às chamadas demandas modernas. Essas dificuldades maiores envolvem o diálogo com outras religiões e temas sociais, como casamento gay, divórcio, sacerdócio das mulheres, fim do celibato, uso de preservativos, entre outros acerca da medicina e da bioética. "Chamar papa de conservador tem de ser relativizado. Podemos imaginar um papa a favor do aborto?", provoca Vital.


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