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Estado de Minas

Professora relata preconceito em BH: 'Você faz faxina? Não, faço mestrado'

Postagem em que Luana Tolentino, que é negra, analisa a "ideologia racista" explicitada pela pergunta feita a ela na rua por uma senhora viralizou nas redes sociais


postado em 20/07/2017 15:52 / atualizado em 21/07/2017 14:15

(foto: Reprodução Facebook)
(foto: Reprodução Facebook)

A historiadora e professora Luana Tolentino, que é negra, foi vítima de preconceito racial nas ruas de Belo Horizonte. Em um depoimento postado no Facebook, que já foi compartilhado por aproximadamente 2 mil pessoas, ela conta o ato vivido na capital mineira e cita outros casos que já vivenciou. “Hoje uma senhora me parou na rua e perguntou se eu fazia faxina. Altiva e segura, respondi: Não. Faço mestrado. Sou professora. Da boca dela não ouvi mais nenhuma palavra. Acho que a incredulidade e o constrangimento impediram que ela dissesse qualquer coisa”, disse.

A professora afirmou que não se sentiu ofendida com a pergunta. “Durante uma passagem da minha vida arrumei casas, lavei banheiros e limpei quintais. Foi com o dinheiro que recebia que por diversas vezes ajudei minha mãe a comprar comida e consegui pagar o primeiro período da faculdade. O que me deixa indignada e entristecida é perceber o quanto as pessoas são entorpecidas pela ideologia racista. Sim. A senhora só perguntou se eu faço faxina porque carrego no corpo a pele escura”, completou. “(..) Quando se trata das mulheres negras, espera-se que o nosso lugar seja o da empregada doméstica, da faxineira, dos serviços gerais, da babá, da catadora de papel”.

Veja abaixo o depoimento na íntegra da historiadora.


Hoje uma senhora me parou na rua e perguntou se eu fazia faxina. Altiva e segura, respondi: - Não. Faço mestrado. Sou professora.

Da boca dela não ouvi mais nenhuma palavra. Acho que a incredulidade e o constrangimento impediram que ela dissesse qualquer coisa. Não me senti ofendida com a pergunta. Durante uma passagem da minha vida arrumei casas, lavei banheiros e limpei quintais. Foi com o dinheiro que recebia que por diversas vezes ajudei minha mãe a comprar comida e consegui pagar o primeiro período da faculdade.

O que me deixa indignada e entristecida é perceber o quanto as pessoas são entorpecidas pela ideologia racista. Sim. A senhora só perguntou se eu faço faxina porque carrego no corpo a pele escura. No imaginário social está arraigada a ideia de que nós negros devemos ocupar somente funções de baixa remuneração e que exigem pouca escolaridade. Quando se trata das mulheres negras, espera-se que o nosso lugar seja o da empregada doméstica, da faxineira, dos serviços gerais, da babá, da catadora de papel.

É esse olhar que fez com que o porteiro perguntasse no meu primeiro dia de trabalho se eu estava procurando vaga para serviços gerais. É essa mentalidade que levou um porteiro a perguntar se eu era a faxineira de uma amiga que fui visitar. É essa construção racista que induziu uma recepcionista da cerimônia de entrega da Medalha da Inconfidência, a maior honraria concedida pelo Governo do Estado de Minas Gerais, a questionar se fui convidada por alguém, quando na verdade, eu era uma das homenageadas.

Não importa os caminhos que a vida me leve, os espaços que eu transite, os títulos que eu venha a ter, os prêmios que eu receba. Perguntas como a feita pela senhora que nem sequer sei o nome em algum momento ecoarão nos meus ouvidos. É o que nos lembra o grande Mestre Milton Santos: "Quando se é negro, é evidente que não se pode ser outra coisa, só excepcionalmente não se será o pobre, (...) não será humilhado, porque a questão central é a humilhação cotidiana. Ninguém escapa, não importa que fique rico."

É o que também afirma Ângela Davis. E ela vai além. Segundo a intelectual negra norte-americana, sempre haverá alguém para nos chamar de "macaca/o". Desde a tenra idade os brancos sabem que nenhum outro xingamento fere de maneira tão profunda a nossa alma e a nossa dignidade.

O racismo é uma chaga da humanidade. Dificilmente as manifestações racistas serão extirpadas por completo. Em função disso, Ângela Davis nos encoraja a concentrar todos os nossos esforços no combate ao racismo institucional. É o racismo institucional que cria mecanismos para a construção de imagens que nos depreciam e inferiorizam. É ele que empurra a população negra para a pobreza e para a miséria. No Brasil, "a pobreza tem cor. A pobreza é negra." É o racismo institucional que impede que os crimes de racismo sejam punidos. É ele também que impõe à população negra os maiores índices de analfabetismo e evasão escolar. É o racismo institucional que "autoriza" a polícia a executar jovens negros com tiros de fuzil na cabeça, na nuca e nas costas. É o racismo institucional que faz com que as mulheres negras sejam as maiores vítimas da mortalidade materna. É o racismo institucional que alija os negros dos espaços de poder. O racismo institucional é o nosso maior inimigo. É contra ele que devemos lutar. A recente aprovação da política de cotas na UNICAMP e na USP evidencia que estamos no caminho certo.


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