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Estado de Minas

Conteúdo sobre sexualidade nas escolas divide pais e especialistas

Abaixo-assinado e sindicato do setor apoiam temas ministrados em escola e questionados por 128 responsáveis por alunos. Procurador cobra consulta às famílias


postado em 12/07/2017 06:00 / atualizado em 12/07/2017 08:07

'Esse grupo moveu uma ação contra a escola sem o consentimento nem a ciência da maioria dos pais. Não fomos consultados, ninguém com quem conversei soube antecipadamente desse movimento. Não houve tolerância da parte deles', diz Danielle Helena Caldeira Magalhães, empresária, mãe de alunos do Santo Agostinho e criadora do 'Eu Concordo'(foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A PRESS)
'Esse grupo moveu uma ação contra a escola sem o consentimento nem a ciência da maioria dos pais. Não fomos consultados, ninguém com quem conversei soube antecipadamente desse movimento. Não houve tolerância da parte deles', diz Danielle Helena Caldeira Magalhães, empresária, mãe de alunos do Santo Agostinho e criadora do 'Eu Concordo' (foto: Juarez Rodrigues/EM/D.A PRESS)
A notificação extrajudicial ao Colégio Santo Agostinho causou divisão não só entre pais de alunos da instituição, como também entre quem acompanhou o assunto pelas redes sociais. Responsáveis por estudantes reagiram ao documento assinado por 128 pessoas que representam 84 alunos exigindo que escola pare de ministrar em sala de aula conteúdos relacionados à diversidade de gênero e sexualidade. A resposta veio em forma de abaixo-assinado na internet, o “Eu concordo” – até meados da tarde de ontem havia 244 nomes. No meio da controvérsia, pesquisa recente de uma organização não governamental mostra que a maioria dos brasileiros é a favor de que a discussão seja promovida pelos professores.

O “Eu concordo” foi criado pela mãe de dois alunos do 2º e do 5º ano do ensino fundamental, a empresária Danielle Helena Caldeira Magalhães, de 41 anos. “Esse grupo moveu uma ação contra a escola sem o consentimento nem a ciência da maioria dos pais. Não fomos consultados, ninguém com quem conversei soube antecipadamente desse movimento. Não houve tolerância da parte deles. Tomaram essa atitude nos representando? Eles não representam nem 1% dos pais da escola”, afirma.

“A primeira coisa que me veio foi a vergonha. Achei um absurdo os pais questionarem uma instituição de ensino tão validada. Essa é a síndrome do pequeno poder. Se acham totalmente determinantes na educação dos filhos e inseguros a ponto de pensar que a escola tem essa influência absurda. Se tivesse, não haveria menina grávida em idade escolar nem filho drogado”, diz. “Via judicial é quando o diálogo acaba. É incoerente entrarem com uma ação em relação a um ensino tão consagrado”, afirma.

Em carta aberta, o colégio repudiou “o uso de interpretações equivocadas por aqueles que têm como objetivo distorcer nosso projeto pedagógico”. Reafirmou o compromisso educacional pautado nos valores agostinianos: solidariedade, fraternidade, amizade, subsidiariedade e justiça. A escola lembrou que atende 8 mil alunos, representados por 11 mil pais.

E destacou que o projeto pedagógico é fundamentado nos princípios cristãos, católicos e agostinianos, “contempla a sociedade pluralista em que vivemos, abordando, de forma dialogal e respeitosa, os desafios do mundo contemporâneo. Primamos pelo respeito à liberdade e apreço à tolerância, orientações fundamentais estabelecidas na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional (artigo 3º da Lei 9.394)”, afirma a nota.

Também o Sindicato das Escolas Particulares de Minas Gerais (Sinep-MG) manifestou publicamente apoio e solidariedade à Sociedade Inteligência e Coração (SIC), mantenedora do Colégio Santo Agostinho. Por meio de nota, o presidente da entidade, Emiro Barbini, disse que o sindicato já ofereceu cursos aos diretores de instituições associadas sobre o tema, está atento aos desafios da atualidade e entende que a promoção do respeito e tolerância, presentes na Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional, deve fazer parte do cotidiano de todas as escolas particulares.

“O Sinep/MG acredita que o processo educativo não se dá apenas na preparação dos alunos para enfrentar os desafios acadêmicos e profissionais, mas também na construção de cidadãos melhores, aptos a construir um mundo mais justo, fraterno e livre de conflitos”, afirma. “A escola é uma importante via de acesso de nossos jovens ao entendimento e conhecimento sobre o mundo, mas é preciso entender que nem a escola nem a família são maiores que ele. Os pais devem ter a mais absoluta tranquilidade quando a escola aborda temas recorrentes, como o racismo, machismo, inclusão de pessoas com deficiência e a LGBTfobia”, afirma. “A escola – e nenhuma instituição – tem o papel de tentar manipular ou interferir na orientação ou na identidade de alguém, mas pode ajudar a instaurar a cultura do respeito às diferenças e preparar os alunos a compreender um mundo tão plural e diverso”, destaca.

OUTRO LADO
O procurador regional da República no Distrito Federal Guilherme Schelb defende que as famílias sejam previamente consultadas sobre se concordam com a abordagem desses conteúdos. Ele é idealizador do Proteger (Programa Nacional de Prevenção da Violência e Criminalidade Infantojuvenil) e desenvolveu um modelo de notificação extrajudicial para ser usado por pais e responsáveis contrários ao ensino da ideologia de gênero pelas escolas. Em entrevista ao Estado de Minas, ele afirma que quando se trata de questões de sexualidade, a escola e os professores podem cooperar com a família.

Ele ressalta, no entanto, que a competência constitucional e legal de assistir, criar e educar crianças é da família, conforme o artigo 229 da Constituição. “Em outras palavras, aluno tem família. Antes de abordar temas da sexualidade, muitos até impróprios para certas faixas etárias como bissexualidade, masturbação, coito anal, prostituição, sexo grupal, etc., a escola deve apresentar às famílias dos alunos menores o conteúdo e material pedagógico que pretende apresentar e abordar com crianças ou adolescentes, para que a família previamente autorize ou não”, afirma.

Segundo Schelb, o fato de os documentos que dão as diretrizes da educação no país não abordarem explicitamente as questões revela uma lacuna na formação do professor e nas políticas públicas da educação. “A Constituição e as leis federais (Código Civil, ECA, Código Penal) não são respeitadas nas escolas. O ECA (artigo 78, 79 e 214-E) e o Código Penal (artigo 218-A e 233) proíbem a exposição de imagens ou mensagens pornográficas ou obscenas a crianças e adolescentes. Todavia, a pretexto de ‘questões de gênero e sexualidade’ todo o tipo de informações sobre ‘coito anal, bissexualidade, transexualidade, incesto, entre outras’ são apresentadas, inclusive com imagens ou desenhos, a crianças e adolescentes.”

O procurador diz que a família, e não um professor que toma conta de vários alunos, tem o olhar específico e individual sobre os filhos. Por isso, é importante unir, sob a lei, famílias e escolas. Ele destaca que notificar as escolas é um direito constitucional das famílias.


Maioria aprova ensino, diz pesquisa


As metas relacionadas ao combate à discriminação e desigualdade de gênero têm provocado debate público em todo o país, mas sofreram derrotas cruciais nos últimos anos. A resistência de setores conservadores levaram à retirada dos temas dos planos de educação de alguns estados e municípios, deixando para os conteúdos serem trabalhados de maneira geral. Isso depois de o próprio Plano Nacional de Educação (PNE) ter sido aprovado pelo Congresso Nacional, em 2014, depois de várias discussões, sem o trecho que se referia especificamente a gênero. Mas, na contramão das decisões oficiais, a maioria dos brasileiros é a favor da discussão, em sala de aula, de conteúdos relacionados a gênero e sexualidade, segundo pesquisa recente do movimento Católicas pelo Direito de Decidir.

A organização está presente em 12 países e é composta por católicas que propõem articular as ideias do feminismo com o cristianismo, buscando argumentação teológica consistente e oferecendo a possibilidade de encarar a sexualidade como algo positivo. A pesquisa, lançada há 15 dias, foi encomendada ao Ibope Inteligência para levantar a opinião dos brasileiros sobre a abordagem de assuntos relacionados à educação sexual e à igualdade de gênero nas escolas.

No total, 88% dos entrevistados concordam que alunos de escolas públicas deveriam receber aulas de educação sexual: 42% consideram que isso deve ocorrer a partir dos 13 anos ou mais, 36% preferem a partir dos 10 anos e outros 10% antes dessa idade. Apenas 9% dos brasileiros se disseram contrários. Somam 3% os que não sabem ou se abstêm de responder.

O levantamento concluiu também que tentativas recentes de limitar os debates sobre gênero e sexualidades nas escolas não influenciou a concordância da opinião pública. Questionados sobre os professores discutirem com alunos sobre a igualdade entre mulheres e homens, 84% concordam totalmente ou em parte, ante 13% que discordam totalmente ou em parte. A ideia de os docentes abordarem o direito das pessoas viverem livremente sua sexualidade, sejam elas heterossexuais ou homossexuais, registra a concordância total ou parcial de 72% dos entrevistados, contra 23% que discordam total ou parcialmente.

“Há no horizonte da sociedade um direcionamento de abertura, de compreensão de que tratar essas questões não significa de forma alguma desconsiderar os princípios éticos e valores da sociedade. Pelo contrário, é preparar as pessoas para que vivam esses valores de maneira autônoma, com liberdade, sendo felizes afinal”, afirma a presidente do movimento Católicas pelo Direito de Decidir, Maria José Rosado.

'Há no horizonte da sociedade um direcionamento de abertura, de compreensão de que tratar essas questões não significa de forma alguma desconsiderar os princípios éticos e valores da sociedade', diz Maria José Rosado, presidente do movimento Católicas pelo Direito de Decidir(foto: Católicas/Divulgação)
'Há no horizonte da sociedade um direcionamento de abertura, de compreensão de que tratar essas questões não significa de forma alguma desconsiderar os princípios éticos e valores da sociedade', diz Maria José Rosado, presidente do movimento Católicas pelo Direito de Decidir (foto: Católicas/Divulgação)

Tema é diluído na rede pública


Em Belo Horizonte, a Secretaria Municipal de Educação seguiu o mesmo rumo do Plano Nacional de Educação (PNE) e não evocou a questão de gênero no plano da rede municipal, deixando para tratar como diversidade de maneira geral. A Secretaria de Estado de Educação (SEE) seguiu a mesma linha e informou que trabalha com a temática de gênero e diversidade de forma transversal nos conteúdos disciplinares compatíveis, seguindo as “Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educação Básica: Diversidade e Inclusão”, do Conselho Nacional de Educação e Ministério da Educação. Afirmou ainda refletir o que é posto no Plano Nacional de Educação (PNE), com ações que buscam a “superação das desigualdades educacionais, com ênfase na promoção da cidadania e na erradicação de todas as formas de discriminação”.

Em abril, o Ministério da Educação (MEC) também surpreendeu ao retirar do documento da Base Nacional Comum Curricular (BNCC) entregue ao Conselho Nacional de Educação (CNE) trechos que diziam que os estudantes teriam de respeitar a orientação sexual dos demais. O MEC suprimiu também a palavra gênero em alguns trechos do documento. Todos esses termos constavam na versão enviada à imprensa poucos dias antes. Na época, a pasta se defendeu dizendo que “preserva e garante como pressupostos o respeito, a abertura à pluralidade, a valorização da diversidade de indivíduos e grupos sociais, identidades, contra preconceito de origem, etnia, gênero, convicção religiosa ou de qualquer natureza e a promoção dos direitos humanos” – posição que afirma manter.

Para a presidente do Sindicato dos Professores da Rede Particular de Minas Gerais (Sinpro-MG), Valéria Morato, os documentos que tratam das diretrizes da educação não especificam o tratamento de gênero para não incorrer no erro de tratar de um gênero só. “Quando você destaca, já trata de forma diferente. Se isso não ocorre, todos estão sendo tratados de maneira igualitária”, afirma.

Supervisora de ética do Coleguium, Juliana Tauil diz que a construção social de gênero é cultural. “Faz parte de compreender a sociedade e também a estrutura social de gênero. Ignorar isso é o mesmo que não fazer ou não ensinar o aluno a compreender o mundo ou a sociedade em que ele vive”, destaca. O colégio aborda a questão desde 2009 em vários momentos e no 8º ano do ensino fundamental os alunos discutem especificamente assuntos relacionados ao preconceito na disciplina de ética. Racismo, gênero, homossexualidade, deficiente físico estão entre os assuntos abordados. “Falamos da necessidade de compreensão e reconhecimento do outro como ser humano, independente se é menino, menina, negro, cigano, cristão. Sempre orientamos o estudante a perceber a perspectiva humanista ao olhar do outro”, diz.

A psicopedagoga e mestre em educação Jane Patrícia Haddad também é favorável a uma discussão baseada em relatos de discriminação e não em forma de protesto ou de defesa. “O tema é real e está nas salas de aulas, na sala de professores, nos pais dos coleguinhas que já estão em uma relação homoafetiva. Enquanto tivermos pais e professores preconceituosos, teremos gerações preconceituosas levando o discurso de ódio”. “Muitas pessoas já foram colocadas à margem da sociedade por serem homoafetivas, negras, espíritas. O momento é de uma ética em que a liberdade de cada um seja respeitada.”

Ponto crítico

É prudente as crianças terem contato com esses assuntos na sala de aula?

SIM
Valéria Morato, presidente do Sindicato dos professores da rede particular de Minas Gerais (Sinpro/MG)


Essa deturpação do tratamento à questão do gênero mostra um pouco o caráter conservador e de desconhecimento da formação humana. A escola e os professores não podem se furtar a isso. O fazer do professor não é técnico, é humano. Qualquer projeto pedagógico que se preze não pode deixar de tratar da igualdade, do respeito, do acolhimento dos seres humanos. Uma ação para impedir tratar as questões de gênero dentro de uma escola demonstra um profundo desconhecimento das relações humanas e de um projeto político-pedagógico que precisa formar as pessoas em suas diferenças, sejam homens, mulheres, negros ou brancos, e que trate crianças, jovens, adultos e idosos da mesma forma.

NÃO
Guilherme Schelb, procurador Regional da República no Distrito Federal

Na verdade, a cláusula “questões de gênero e sexualidade” tem servido para autorizar alguns professores a falar o que bem entendem aos seus alunos menores sobre a sexualidade. Um professor resolve ensinar os alunos de 8 anos sobre masturbação; outro ensina sobre coito anal, e um terceiro sugere que “é possível homem beijar homem na boca”. Para praticarem essas ilegalidades, alegam pretextos como “combater discriminação”, “cidadania” e outras cláusulas abertas. Mas estão é erotizando precocemente crianças. A Constituição e as leis devem ser respeitadas. Pedagogias não revogam a lei nem autorizam violar direitos da criança e da família.


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