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Estado de Minas

Crise carcerária que atinge o país tem origem na internação de menores

Estado admite déficit de 26% de vagas e disponível é precária, o que tem impacto grave na aplicação de medidas a autores de atos infracionais


postado em 06/02/2017 06:00 / atualizado em 06/02/2017 07:42


A crise carcerária que assusta o país, com superlotação e enfrentamento entre faccções, encontra em Minas ingredientes para começar ainda na infância e adolescência. No estado, o Judiciário informa haver um déficit enorme de vagas no sistema socioeducativo, com impactos graves na aplicação de medidas a autores de atos infracionais. São 1.477 vagas para internação definitiva ou provisória e para o cumprimento de medida de semiliberdade – providências mais extremas no processo de ressocialização. No entanto, há hoje 1.862 menores acautelados, dividindo alojamentos superlotados, boa parte com infraestrutura precária. A Subsecretaria de Atendimento Socioeducativo (Suase) da Secretaria de Estado de Segurança Pública (Sesp) reconhece a falta de 385 vagas no sistema, o que representa déficit de 26%, equivalente a mais de um quarto da estrutura existente, e admite: “há pedidos judiciais que não são atendidos”. Ou seja, mesmo operando acima de sua capacidade, o sistema não dá conta de acolher todos os casos encaminhados pela Justiça.

Além da falta de espaço para receber mais menores, a estrutura existente no sistema socioeducativo mineiro enfrenta outros problemas. Já convive com a superlotação, que, para o  Tribunal de Justiça de Minas Gerais, atinge na capital média de 30% em algumas unidades e no interior chega a 36%, em média. E, assim como no sistema prisional, também é alvo de críticas sobre a eficiência da ressocialização, como relatam os próprios funcionários dessas unidades. “Não temos problemas de segurança, mas há muitos de infraestrutura, que é precária. A unidade é pequena, o prédio é adaptado e temos que organizar várias ações em um mesmo ambiente, inclusive visitas de familiares. Isso nos limita a desenvolver poucas atividades com os adolescentes, e o resultado do trabalho fica comprometido”, afirma um servidor público que deu o depoimento à equipe do Estado de Minas sob condição de anonimato.

A execução de medidas socioeducativas aplicadas a adolescentes autores de ato infracional é organizada pelo Sistema Nacional de Atendimento Socioeducativo (Sinase), que entre suas diretrizes estabelece padrões para construção das unidades de internação. Em Minas, há prédios que atendem a essas exigências e têm estruturas modernas, segundo servidores do sistema. Mas, ainda assim, operam atendendo mais adolescentes do que suportariam. “Existem unidades na região que são modernas e, mesmo funcionando acima da quantidade de vagas, conseguem funcionar com mais tranquilidade. Mas nossa unidade é muito pequena, não nos permite fazer todas as atividades que deveriam ser oferecidas aos internos”, afirma um funcionário de um dos centros de internação do interior, que também pediu para não ser identificado.

Segundo ele, o imóvel não tem refeitório ou sala de visitas e é todo adaptado. “Faltam camas para adolescentes e parte deles tem que dormir em colchões no chão”, disse. Nessa unidade, há atualmente 30% mais menores do que o imóvel comportaria. “Existe projeto aprovado para reforma, para fazer mais alojamentos, mas estamos aguardando uma resposta do governo do estado. Enquanto isso, a gente vai trabalhando como dá”, disse.

Menos atividades e maior tensão

Além da infraestrutura física precária, há queixas de falta de materiais de trabalho e profissionais. Segundo servidores, equipes reduzidas representam diminuição das atividades, e consequentemente mais estresse e irritação, o que resulta na ocorrência de mais brigas entre adolescentes.

As medidas restritivas de liberdade, como são as internações provisórias, definitivas ou a semiliberdade, são consideradas as últimas alternativas em busca da ressocialização de adolescentes autores de atos infracionais cometidos com ameaça grave ou violência à vítima. Atualmente, das 1.477 vagas divididas em diversas regiões Minas, 1.240 são destinadas às internações, enquanto 207 se relacionam ao cumprimento das demais medidas, em que o adolescente é recolhido em unidade, mas tem saída permitida para atividades externas. Essas vagas se distribuem em 36 unidades: 24 centros socioeducativos, 11 casas de semiliberdade e o Centro Integrado de Atendimento ao Adolescente Autor de Ato Infracional (CIA), em Belo Horizonte .

REFLEXO NAS PRISÕES A juíza titular da Vara Infracional da Infância e da Juventude de Belo Horizonte, Valéria da Silva Rodrigues, critica a estrutura existente no sistema socioeducativo mineiro e diz que o número de vagas que o estado oferece é muito inferior aos casos encaminhados pelo Judiciário. “O que se percebe é que o governo vem construindo cada vez mais penitenciárias, sendo que população carcerária é de 18 a 24 anos, principalmente. Com mais investimento no socioeducativo, haveria uma chance muito maior de reduzir essa quantidade de presos”, avalia Valéria Rodrigues. Segundo ela, a reincidência na criminalidade entre menores é de 15%, enquanto entre adultos chega a até 70%.

Na capital, segundo a juíza, a situação dos sete centros de internação é mais tranquila do que no interior, que tem nas regiões Sul e Norte e maior carência de unidades para acolhimento de adolescentes em conflito com a lei. “A superlotação dessas unidades compromete todo o atendimento. Os centros de internação tinham salas de informática, bibliotecas, refeitórios e outros espaços, que foram aos poucos sendo substituídos por alojamentos, para dar conta do aumento da demanda. Então, pegam uma sala de estudo e transformam em alojamento”, afirma a juíza. Ela critica ainda os impactos de medidas como essa: “Esse tipo de mudança gera muito conflito, porque os adolescentes passam mais tempo encarcerados do que fazendo atividades, e isso afeta a execução da medida socioeducativa”, diz.

Há 13 anos atuando na área da Infância e Juventude, a juíza Valéria Rodrigues afirma ainda que faltam investimentos em políticas sociais para proteção da criança e do adolescente, com a finalidade de evitar que tantos meninos e meninas acabem cometendo atos infracionais. “É muito mais fácil trabalhar o caráter de um menino do que buscar alternativas para corrigir um adulto. Mas há casos em que todos os direitos básicos do menor, como moradia, educação, saúde e tantos outros, só são cumpridos dentro de um centro de internação”, afirma.

Em nota, a Secretaria de Estado de Segurança Pública informou que os problemas de infraestrutura são, em grande medida, consequência da superlotação no sistema. Porém, com a abertura de vagas e obras de recomposição das estruturas já existentes, essas questões tendem a ser corrigidas, sustenta. Segundo a pasta, o governo de Minas está executando o Plano Decenal de Atendimento Socioeducativo, para reduzir o déficit no sistema e, neste ano, dobrar o número de vagas da semiliberdade, chegando a 414, além de inaugurar duas unidades de internação, em Passos (Sul de Minas) e Tupaciguara (Triângulo). A subsecretaria articula, ainda, o início de oito obras que viabiliariam 840 novas vagas até 2019.


Palavra de especialista

Robson Sávio dos Reis
coordenador do Núcleo de Estudos Sociopolíticos da PUC Minas, integrante do Fórum Nacional de Segurança Pública

Falta investir em prevenção

“Quando um adolescente comete um pequeno ato infracional, a lei estabelece que sejam cumpridas medidas de liberdade assistida e semiliberdade, porque, se aplicadas, elas permitem que o menor não progrida no crime e, com isso, não precise ir para centros de internação. Essa é uma responsabilidade que cabe aos municípios. Mas, erroneamente, em vez de investirem nessas políticas protetivas, os gestores locais entendem que a única saída é a internação – medida cara e de baixa eficiência, porque se torna uma política de aprisionamento para um adolescente que muitas vezes não precisa ser internado. A maioria dos que vão para esses centros cometeu repetidas infrações que nem sempre merecem privação de liberdade. É um pequeno distribuidor de drogas ou aquele que praticou reiterados furtos ou outros crimes de menor potencial ofensivo. Para esses, a internação é uma medida desnecessária, cara e que não vai se resolver, porque depois eles vão praticar outros crimes e acabar nas unidades prisionais, já superlotadas.”


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