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Estado de Minas

Famílias de pacientes que precisam de remédios de alto custo aguardam julgamento

Enquanto STF adia julgamento que definirá se poder público deve custear remédios de alto custo não fornecidos pelo SUS, polêmica opõe gestores e vidas que dependem da Justiça


postado em 29/09/2016 06:00 / atualizado em 29/09/2016 07:34

O drama de Isadora, de 17 anos: medicamento para leucemia custa R$ 6,6 mil e família só tem a substância para 20 dias(foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
O drama de Isadora, de 17 anos: medicamento para leucemia custa R$ 6,6 mil e família só tem a substância para 20 dias (foto: Leandro Couri/EM/DA Press)
A doença de uma jovem de 17 anos vem levando muito mais do que dor a uma família de Santa Luzia, na Região Metropolitana de Belo Horizonte. Além do sofrimento da garota, pais, irmã e tios clamam por justiça. “Temos o remédio para apenas mais 20 dias, e ele custa muito caro. Uma caixa sai por R$ 6,6 mil”, preocupa-se o pai da estudante Isadora, Ronaldo Rangel, motorista afastado do trabalho por problemas de saúde. Na tarde de ontem, enquanto o Supremo Tribunal Federal (STF) discutia a responsabilidade dos estados em prestar assistência no fornecimento de medicamentos de alto custo para pacientes com doenças raras e graves, a família, que vive no Bairro Carreira Comprida, demonstrava esperança, sem esconder a aflição.

Porém, ainda não foi desta vez que brasileiros com problemas semelhantes puderam saber como será o futuro. O ministro Teori Zavascki pediu vistas da ação (mais tempo para estudá-la) e com isso o STF suspendeu ontem a discussão que decidirá se o poder público tem obrigação de fornecer medicamentos que não constam da lista do Sistema Único de Saúde (SUS). E não há previsão sobre quando o julgamento será retomado.

Mas, para as famílias, o relógio não para. Nem o calendário. “Minha filha tem leucemia crônica. A médica já avisou que ela precisará tomar o remédio pelo resto da vida”, explica Ronaldo. A doença foi diagnosticada recentemente, e a única caixa do medicamento foi conseguida por meio de um convênio na empresa que Eliane da Silva, mulher de Ronaldo, trabalha. “Além do medicamento, precisamos do tratamento pelo SUS, por isso já fizemos o cadastramento na Prefeitura de Santa Luzia. Agora, é aguardar.” A tia da jovem, Marlene, conta que a doença, associada à falta de recursos, desestrutura todos. “Não temos recursos para comprar o remédio, aí, fica todo mundo tenso”, afirma.

Certa de que a Justiça poderá ser o caminho mais seguro, a família Rangel procurou na cidade uma advogada para tornar a batalha mais ágil. “Acho prudente esperar a decisão do STF, pois se o município se negar a custear o tratamento e pagar o remédio, vamos ajuizar a ação. Aqui em Santa Luzia há gestão plena da saúde, então a ação será contra o município. Embora muitos brasileiros tenham entrado na Justiça para conseguir o benefício, muitos magistrados negam sentença favorável a pacientes, inclusive com câncer. Nesse caso, o prejuízo maior é para a saúde do cidadão”, afirma a advogada Rosa Maria de Jesus Werneck. No caso de Isadora, no entanto, ela ressalta a urgência da situação, já que o medicamento é suficiente para apenas 20 dias.

A adolescente de Santa Luzia não está sozinha nesse triste calvário, tecnicamente conhecido como judicialização da saúde, quando o poder público se torna réu em processos para custear medicamentos ou tratamentos não disponíveis na rede. Nunca na história de Minas Gerais tantas pessoas recorreram à Justiça para obter remédios, terapias, dietas e outros itens não fornecidos gratuitamente pelo SUS (veja quadro). A média por dia, conforme dados de 2015 divulgados pela Secretaria de Estado de Saúde (SES), é de 42 ações. No período de 10 anos (2005/2015), houve uma explosão no número de processos, com crescimento de 24 vezes.

ESCALADA Os números que traduzem as angústias e sofrimento dos brasileiros são superlativos em Minas. Só este ano, de acordo com dados da SES, o valor total empenhado com judicialização na saúde foi de R$ 192,9 milhões. A aquisição de medicamentos, segundo o órgão estadual, consome R$ 172,1 milhões desse montante. Outros exemplos citados de demandas judiciais são aquisição de leitos e procedimentos, exames, material médico-hospitalar e locação de aparelhos. A estimativa é de que o gasto este ano atinja R$ 250 milhões, correspondendo a 5% do orçamento da pasta.

No ano passado, esse tipo de gasto consumiu R$ 238,2 milhões, aumento de 7,7 % em relação ao ano anterior. O coordenador do Núcleo de Atendimento à Judicialização da Saúde da SES, Fabrício Simões, diz que o impacto é grande. “Esse valor sai dos recursos repassados pelo SUS, ou seja, não são gerados novos valores. Assim, este ano o estado deve deixar de investir R$ 250 milhões em outros aspectos da saúde”, afirma. “Esse tipo de ações, individuais ou coletivas, está crescendo cada vez mais. Há muita pressão para forçar a judicialização, inclusive da indústria farmacêutica. É uma situação muito preocupante. Em São Paulo, por exemplo, essa conta já está na casa de R$ 1 bilhão”, explica.

CONSCIENTIZAÇÃO Apesar da controvérsia, para o advogado José Antônio Guimarães Fraga, a judicialização da saúde decorre de maior conscientização dos brasileiros. Ele lembra que, conforme a Constituição Federal, os cidadãos têm direito à vida e à saúde, sendo, portanto, dever do Estado garanti-las mediante políticas sociais e econômicas que visem à redução dos riscos de doença. “A situação econômica dos municípios hoje é de muita dificuldade. A partir do SUS, é preciso haver solidariedade entre União, estado e prefeituras para atender às necessidades do cidadão que precisa do tratamento ou medicamento de alto custo”, defende. Mas o advogado afirma também que a situação chegou ao limite e acrescenta que só pode haver banalização, com pessoas ajuizando ações para cirurgias estéticas, por exemplo.

(foto: Arte EM)
(foto: Arte EM)

Expectativa no Supremo

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu, pela segunda vez, o julgamento dos recursos extraordinários sobre fornecimento de remédios de alto custo não disponíveis na lista do Sistema Único de Saúde (SUS) e de medicamentos não registrados na Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa). Trata-se de dois processos emblemáticos, um no Rio Grande do Norte e outro em Minas Gerais, que podem formar jurisprudência para decisões futuras relacionadas a esses assuntos. Desta vez, o adiamento ocorreu porque ministro Teori Zavascki pediu vistas do processo quando havia três votos favoráveis aos pedidos dos pacientes . Não há prazo para entrar na pauta novamente, mas o ministro adiantou que, por se tratar de algo com “repercussão geral reconhecida” sua análise será breve.

No primeiro caso, o estado do Rio Grande do Norte se recusou a fornecer medicamento para uma idosa e carente, alegando que o preço e a ausência de previsão no programa de dispensação de medicamentos seriam motivos suficientes para recusa. A mulher ganhou ação em primeira e segunda instância.

Já no segundo caso, o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (TJMG) negou o pedido da autora da ação, que precisava do medicamento cloridrato de cinacalcete, sem registro na Anvisa à época do ajuizamento. O TJMG entendeu que, apesar de o direito à saúde estar previsto nos artigos 6º e 196 da Constituição Federal, não se pode obrigar o Estado a fornecer substância sem registro na Anvisa.


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