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Estado de Minas

Medalhista mineiro superou dificuldades para conquistar bronze

Esgoto a céu aberto, ruas de terra, violência e falta de oportunidades. Assim é Justinópolis, em Neves, onde Maicon cresceu e, apesar das barreiras, iniciou sua trajetória olímpica


postado em 28/08/2016 06:00 / atualizado em 28/08/2016 08:02

A poeira de Justinópolis sufoca sonhos, como os da doméstica Maria de Lourdes, que não pôde receber cadeira elétrica para o filho porque a rua onde mora não tem asfalto(foto: Euler Júnior/EM/DA PRESS)
A poeira de Justinópolis sufoca sonhos, como os da doméstica Maria de Lourdes, que não pôde receber cadeira elétrica para o filho porque a rua onde mora não tem asfalto (foto: Euler Júnior/EM/DA PRESS)
O projeto social que trazia cultura e esportes chegou a ter 70 alunos carentes, até fechar, há 10 anos. “Desses, lembro-me de que teve quem entrou nas drogas, no álcool, no fumo, nas coisas erradas que tem na rua. Dos melhores, um arrumou dois filhos antes dos 20 anos e abriu um salão, outro trabalha num caminhão e outra teve filho muito nova e agora é empregada doméstica”, lembra a senhora Vitória de Andrade Siqueira, de 66 anos. Saber da trajetória dos colegas de seu filho traz um alívio ainda maior por ele ter conseguido superar obstáculos que derrotaram tantos outros e seguir tentando até conseguir a carreira no esporte de alto nível. O filho dela é Maicon Andrade Siqueira, de 23, que apesar de ter nascido num dos maiores bolsões pobres e sem oportunidades do estado, Ribeirão das Neves, na Grande BH, venceu no esporte, tornando- se o primeiro atleta mineiro a conquistar uma medalha olímpica em esporte individual ao levar o bronze no tae kwon do até 80 quilos na Olimpíada do Rio de Janeiro. A medalha se mostra um feito inimaginável para quem conhece o distrito de Justinópolis, lugar de onde Maicon veio. Um local violento, com casas de tijolos sem reboco, esgoto a céu aberto e ruas de terra.


A casa de Maicon, onde cresceu com sete irmãos e a mãe, fica numa rua onde a violência faz parte do cotidiano. A cada esquina, grupinhos de jovens se reúnem e por lá ficam sem um objetivo certo que não passar as horas. Alguns são vistos consumindo maconha e álcool, encarando veículos e pessoas desconhecidas que passam por lá. Entre esse movimento, é intenso também o tráfego de trabalhadores e estudantes. Dona Vitória lembra de pelo menos três pessoas assassinadas nesses últimos anos. “Um veio tomando tiros desde a frente do meu portão até que o mataram lá embaixo. Outro estava a cavalo numa festa e pedia socorro. Meu filho (irmão de Maicon) disse que ia ajudar, mas o segurei. Pouco antes de o Maicon ir para São Paulo (há quatro anos), um foi morto dois minutos depois que ele saiu de casa. Foi a maior preocupação da minha vida”, lembra Vitória.


A Justinópolis de Maicon chega a ter mais habitantes (160 mil) que a sede do município de Ribeirão das Neves (134 mil), devido ao fato de suas ruas se confundirem com as vias de Venda Nova, já em Belo Horizonte. Segundo o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 19,7% da população de Neves é composta por novos moradores – perdendo no Sudeste apenas para Cabo Frio (RJ), com 20,34% –, o que a torna uma cidade-dormitório, onde as pessoas só ficam para pernoitar, por não ter condições de edificar residências na capital nem encontrar trabalho perto de casa.


Lutar pela sobrevivência ofusca os sonhos da maioria dos habitantes de Justinópolis. Na rua que leva o nome de um dos maiores ídolos do esporte nacional, Ayrton Senna, o calor é sinônimo de poeira e buracos, enquanto as chuvas trazem lama, poças e inundações. É de uma das nuvens de pó amarelo erguida com a passagem dos carros que surge a doméstica Maria de Lourdes da Silva Pires, de 52, empurrando a cadeira de rodas do filho adolescente Marcelo Borges da Silva, de 15. O esforço para os pneus murchos vencerem os solavancos e buracos sob o sol forte quase fazem dela uma atleta numa pista de obstáculos. “Essa é uma situação diária de dificuldade para nós. Tudo de que preciso – alimentos, remédios e tratamento para meu filho doente – só encontro fora do bairro, depois de atravessar essas ruas”, afirma. Segundo ela, Marcelo entrou na fila do Sistema Único de Saúde (SUS) para receber uma cadeira de rodas movida a motor elétrico. “Só que disseram que ele não poderia receber a cadeira por que a rua não tem asfalto. Meu sonho para meu filho era que ele vivesse melhor, fosse à escola, tivesse saúde. Não precisava ser ninguém importante”, desabafa.


Puxando o cavalo magro que ajuda no transporte diário de mercadorias, o comerciante Hernani Oliveira, de 57, desvia de lixo acumulado, entulhos e buracos no asfalto para não ferir os cascos do animal. “Conheço o Maicon e a história dele é um exemplo para todos nós. Quem sabe com isso sejamos mais bem-vistos e tenhamos mais investimentos na cidade? Do jeito que está, estamos esquecidos nessa poeira”, critica. Nas escolas que há por perto, inclusive onde Maicon estudou (Escola Estadual João de Deus Gomes) e trabalhou como voluntário (Escola Estadual Francisco Labanca), rolos de arame farpado tipo concertina fecham os muros contra invasões de estranhos e a evasão.


No colégio vizinho à casa da família do atleta, a Escola Estadual Professor Guerino Casassanta, nem isso é suficiente, já que até o carrinho do baleiro é usado para escalar o muro. “Meu carrinho está todo amassado de os moleques subirem nele para pular o muro. Para estudar é que não estão fazendo isso”, reclama o baleiro Marlírio Alves, de 58.


O esporte ainda encanta o atendente Igor Eustáquio Morais de Jesus, de 20. Mas, para seguir uma carreira, o jovem, mesmo com o exemplo de Maicon, acha impossível conseguir apoio. “Nós aqui estamos esquecidos. Basta ver o esgoto a céu aberto que corre nas ruas, a poeira, falta de saúde e de educação. Para ser alguém como o Maicon no futebol, por exemplo, eu teria de ir embora de Neves, como ele acabou tendo de fazer, com o apoio de outras pessoas”, lamenta.


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