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Estado de Minas

Assédio inibe presença de mulheres no ecossistema de startups


postado em 23/07/2016 08:07 / atualizado em 24/07/2016 13:33

Era apenas mais um evento de startups e um reconhecido empreendedor era uma das atrações. Acompanhada de um amigo, Raíssa levou o convidado para um jantar e de lá os três decidiram emendar uma balada - até aí, nada de diferente do que é pregado neste ecossistema descontraído. Mas ela não imaginava que o que parecia ser apenas outro compromisso profissional era na verdade uma emboscada: neste ‘Happy Hour’, o renomado empreendedor tirou o amigo de Raíssa de cena incentivando-o a beber mais que o que acostumado e, quando estava a sós com ela, tentou agarrá-la a força. Ela precisou de mais que um não para se desvencilhar do agressor. “Era um cara mega conhecido. Foi algo totalmente inesperado”, recordou ela.

O assédio foi um dos incentivos para ela escrever um artigo que repercutiu nas redes sociais durante as últimas semanas. Veterana no ecossistema de startups, Raíssa Klain desabafou sobre os piores problemas desta comunidade, entre eles o ambiente sexista que inibe a presença e prosperidade de mulheres. “Não é só pelo fato de que é difícil empreender. São por outras coisas que fizeram com que eu me afastasse de eventos. Parei de escrever e fiquei confusa por muito tempo. Me fechei para balanço para refletir. Cheguei a muitas conclusões que foram essenciais para ter a atitude que tenho agora e para falar de algumas coisas que acontecem na prática e que são pouco (ou quase nunca) comentadas em grupos como este e precisam mudar”, destacou ela, em sua carta aberta para os participantes da comunidade de startups do Brasil.

Ainda não existem dados sobre o tamanho do problema por aqui, mas uma pesquisa conduzida nos Estados Unidos, batizada de Elephant in The Valley e conduzida com 222 mulheres no Vale do Silício, todas com mais de dez anos de experiência no berço mundial das empresas de tecnologia. 60% delas assumiram que foram vítimas de ‘avanços sexuais sem permissão’ no ambiente de trabalho. 75% delas tinham o cargo de, no mínimo, vice-presidente da companhia que estavam trabalhando. Ou seja, o mundo das empresas nascentes de tecnologia e inovação pode ser hostil para o sexo feminino. Se empreender não é fácil, fica ainda mais difícil para as mulheres.

Repercussão


Depois que Raíssa se abriu sobre o assunto, outras empreendedoras brasileiras tomaram coragem para escrever sobre o problema do assédio sexual no ecossistema de startups. Entre elas, a carioca Monique Fernandes também foi alvo do que pode ser chamado de emboscada.

Ela entrou na comunidade de startups com a ajuda do seu então namorado, que era bem conhecido no ecossistema e a incentivou a empreender. De ínicio, Monique se sentia respeitada no meio. “Foi só quando terminamos que eu percebi que os caras respeitavam mesmo o meu namorado, e não eu”, lamentou. Foram inúmeras as cantadas e comentários inapropriados que escutou enquanto ainda começava a empreender e tinha muita insegurança, mas o pior veio de um cliente - Monique inaugurou uma assessoria de imprensa que atende startups. “Acompanhei ele em uma entrevista na Globo, aqui no Rio. Lá é um local com poucas opções de transporte público, então quando esse cliente me ofereceu uma carona para o metrô, aceitei”, contou ela, que não suspeitava do que estava para acontecer.

“No caminho, ele conversou comigo naturalmente, falamos do término do meu namoro, da comunidade, foi tudo bem tranquilo. Só que em determinado ponto perto da estação do Botafogo, ele disparou: ‘o Panda é aqui pertinho, vamos?’”. O Panda é um conhecido motel da Zona Sul do Rio de Janeiro.

Só aí que Monique ligou seu instinto de sobrevivência: “Me senti ameaçada, meu primeiro pensamento foi de como sair ilesa. Comecei a dizer que não queria, não estava afim, tentando não demonstrar muito nervosa”, lembra ela, que precisou insistir muito para escapar da situação. “No fim, ele disse que ia me liberar só porque ainda tinha que ir para o trabalho. Eu desci do carro e tremia muito”, completou.

Se o momento do assédio é complicado, o depois pode ser mais ainda. Para não perder o cliente, Monique passou o atendimento para uma sócia, mas muitas mulheres em situação parecida se sentem divididas com a possibilidade de ganhar o desfavor de uma pessoa que pode ser extremamente influente e importante na comunidade de startups.

Abusivo e absurdo


Quando lembra de quando passou por situação parecida, Rayanny Nunes, empreendedora na Klipbox e na 9ação, admite que passou pela sua cabeça que poderia ser algo com ela. “Na minha cabeça ainda era o seguinte pensamento: o cara é renomado, todo mundo gosta dele… pensei que poderia estar viajando. Mas não, isso não é normal, é abusivo e absurdo”, ponderou.

Rayanny foi uma das fundadoras do Jerimum Valley, a comunidade startups e empreendedores do Rio Grande do Norte. Criada em 2012, de ínicio ela era a única mulher. Na sua empresa, eram raras as meninas, assim como nos eventos locais. “O que mais me incomodava é que as pessoas achavam isso normal, faziam piadas e diziam que ali não era ambiente de mulher. Até então eu não tinha entendimento que isso era machismo”, pontuou, dizendo que foram muitas as vezes em que, ao apresentar seu negócio, ficava em segundo plano: “muitas vezes, em uma reunião, os caras nunca se dirigiam a mim, apenas ao meu sócio, mesmo se fosse eu que estivesse falando”, apontou.

Mas o mais marcante foi em 2014. Rayanny participou da organização de um evento em Natal com muitos visitantes de fora. “O cara era super renomado e muito conhecido. Mas antes mesmo dele chegar, ele já foi me cantando, fazendo piadas de mal de gosto e sendo extremamente desagradável pelo telefone. Algo constrangedor de um jeito que nunca tinha visto na vida”, reclamou. “Quando a gente se conheceu pessoalmente, não queria ficar nem perto dele. Só que durante o evento, esse comportamento não mudava, ele fez comentários desrespeitosos com todas as meninas, ao ponto que uma amiga minha teve uma briga com o namorado porque esse cara comentou algo sobre a aparência e a roupa dela”, desabafou.

Esperanças de melhorar


Hoje a assessoria de Monique não tem nenhuma startup comandada por uma mulher em seu portfólio de clientes. No passado, já tiveram algumas, mas ela admite que a falta de representatividade na área e o assédio podem reprimir mulheres empreendedoras. “Eu tenho amigas que se sentem intimidadas por não termos bons exemplos. Não foi meu caso, eu me inspirei muito no meu pai, que é um cara muito feminista que sempre me incentivou a ser independente”.

Mas além dos corajosos depoimentos de Raíssa, Monique e Rayanny, existem outras ações delas para começar a mudar a cultura sexista do ecossistema de startups. “Junto com a Rayanny, sou facilitadora do Startup Weekend e começamos em 2014 uma versão para mulheres empreendedoras, o Startup Weekend Women”, contou Monique. Em 2016, serão 10 edições do evento em que os homens podem participar, mas com um máximo de 25% do público total.

“No começo, o preconceito por ser mulher acontecia dentro da minha equipe, com pessoas que considerava e ainda considero amigos. Eu conversei com eles e isso mudou”, considerou Raíssa, que ainda tem esperanças no ecossistema.”Na minha experiência com startups, encontrei pessoas muito legais, que estão batalhando pelo sucesso e não tem nada a ver com esse perfil que conversamos hoje. Tem gente séria. Mas não podemos ignorar os problemas”, completou.


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