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Estado de Minas

Ribeirinhos ao longo do Rio Doce ainda sofrem efeitos da lama

Mais de seis meses depois da maior catástrofe socioambiental do país, o medo continua diluído na água, já que o barro secou, a terra morreu e os peixes sumiram


postado em 13/05/2016 06:00 / atualizado em 13/05/2016 07:27

Gado sedento pisoteia a lama nas margens do manancial, que foi cercado por criadores para evitar que animais bebam a água(foto: Charles Albert/Divulgação)
Gado sedento pisoteia a lama nas margens do manancial, que foi cercado por criadores para evitar que animais bebam a água (foto: Charles Albert/Divulgação)
Mais de seis meses depois do rompimento da Barragem do Fundão, em Mariana, em 5 de novembro, milhares de ribeirinhos atingidos em pequenos municípios ao longo do Rio Doce, no Leste de Minas, ainda sofrem com os danos provocados pela maior tragédia socioambiental da história do país. Pescadores estão impedidos de trabalhar, devido à mortandade de peixes. Pequenos produtores não conseguem plantar ou manter suas criações, porque seus terrenos foram arrasados pela lama de rejeitos de minério e eles não têm mais acesso às águas da bacia. A Samarco, responsável pela represa que se rompeu, paga mensalmente uma compensação aos atingidos, mas eles reclamam que o valor não é suficiente para cobrir os prejuízos e dizem que nem todos foram contemplados.


O professor e biólogo Ricardo Motta Pinto Coelho, do Instituto de Ciências Biológicas  da Universidade Federal de Minas Gerais (ICB/UFMG), lembra que foram milhares os atingidos pelo desastre ao longo dos 853 quilômetros  do Rio Doce, e que o pagamento em dinheiro sem que seja oferecida uma nova perspectiva de vida não resolve. “As pessoas atingidas pelo desastre tiveram seus empregos e seus sonhos enterrados pela lama. Não basta indenizá-las. É preciso desenvolver junto com elas alternativas de sustento econômico ambientalmente compatível”, alerta Pinto Coelho.

Enquanto isso não ocorre, pescadores recolheram suas embarcações e apetrechos. Prejudicados pela mortandade de toneladas de peixes, eles ainda não sabem como retomarão os cursos de suas vidas e menos ainda quando e se os cardumes voltarão a povoar as águas. “Na época boa, eu pescava até sete quilos por dia”, afirma Wagner José Pereira, de 33 anos, do município de Galileia. Ele conta que a ajuda mensal da Samarco é inferior à renda que conseguia com o trabalho. Com o sumiço de espécies como cascudos, dourados, tucunarés, tilápias e traíras, ele vive apreensivo, pois não sabe até quando continuará recebendo o dinheiro do “cartão da Samarco”.

Mas a lama de rejeitos  que chegou pelo leito arruinou também a vida de que vivia às margens – pequenos agricultores, como Celiomar Ribeiro de Amorim, de 55 anos, do município de Tumiritinga, de 6,7 mil habitantes. Ele conta que o terreno de quatro hectares que cultivava em uma ilha do Rio Doce foi completamente arrasado. “Eu plantava mandioca, hortaliças, quiabo, batata-doce, milho e outras culturas. Veio a onda de lama e aterrou tudo”, lamenta Celiomar, salientando que foi formada na superfície do terreno uma camada dura de rejeitos que, em certos pontos, chega até a 40 centímetros de espessura.

Casado e pai de dois filhos, Celiomar recebe o pagamento mensal da Samarco –  um salário-mínimo, acrescido de 20% por dependente (R$ 1.056) mais o valor de uma cesta básica, de R$ 417,72. Mas ele alega que o valor fica aquém da renda que obtinha com a sua produção antes da tragédia. Ele é cadastrado como fornecedor de alimentos para a merenda escolar em Tumiritinga. “Estou comprando os produtos e entregando para as escolas do mesmo jeito, para não perder o contrato”, explica.

Também de Tumiritinga, o agricultor João Antônio Valentim vive situação pior. Ele reclama que, por causa da lama, teve que interromper o plantio na pequena gleba às margens do Rio Doce, da qual tirava seu sustento. Até hoje não recebe nada da mineradora. “Tentei fazer o cadastro, mas não consegui nada”, reclama ele, que cultivava milho, feijão e hortaliças na área de cinco hectares, situada próximo ao ponto em que o Rio Caratinga deságua no Doce.

Perfuração de poços é uma das apostas para tentar manter criações(foto: Charles Albert/Divulgação)
Perfuração de poços é uma das apostas para tentar manter criações (foto: Charles Albert/Divulgação)


Com sede ao lado do leito


A mesma lama que sufocou plantações e esterilizou o solo prejudica os animais ao longo do Rio Doce. A lama da Barragem do Fundão afetou também criadores de gado nas propriedades ao longo do curso. Devido à poluição, eles se viram impedidos de usar a água do rio até mesmo para matar a sede dos rebanhos. Também passaram a enfrentar problemas para a alimentação das reses, pois as pastagens das vazantes ou próximas às barrancas do rio foram devastadas ou contaminadas.

O problema é enfrentado em Galileia, de 6,9 mil habitantes. O presidente do sindicato dos produtores rurais do município, Francisco Sávio Martins Nacif, salienta que a Samarco fez um levantamento dos danos e passou a fornecer ração para que criadores mantivessem seus rebanhos, providenciando também caminhão-pipa para levar água potável até as propriedades. “A situação ainda não está totalmente normalizada. Acho que a maior dificuldade enfrentada é a falta de confiança das pessoas, que ficam em dúvida se os alimentos produzidos na região têm contaminação”, diz Nacif. Ele se preocupa com a ameaça de contaminação por metais pesados na água do Rio Doce. “Nosso temor maior é com as consequências futuras, se essa poluição poderá causar doenças. Somente com o passar dos anos vamos saber isso”, diz o sindicalista.

NO POÇO A degradação criou uma situação antes impensável: produtores instalados às margens de um dos maiores rios do país foram obrigados a perfurar poços em suas propriedades para manter os rebanhos. Alguns deles, como Bruno Cardoso, de Galileia, tiveram até que cercar a margem do Rio Doce, para impedir que o gado consumisse a água que considera “envenenada”.

Outros foram obrigados a vender os animais. Um deles foi o pequeno produtor Rulian Costa Marquiori, do município de Resplendor, que criava em torno de 10 reses em um terreno de oito hectares às margens do rio. A lama de rejeitos o forçou a acabar com a criação. “O pasto acabou e a água do rio ficou poluída e não podia mais ser consumida pelo gado”, relata Rulian, que mantém um açougue na cidade.


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