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Estado de Minas

Com apenas uma casa, Xangri-lá é o bairro menos populoso de Belo Horizonte

Empresa tenta lotear área verde em torno da única residência, mas a prefeitura embarga projeto


postado em 18/04/2016 06:00 / atualizado em 18/04/2016 08:17

Neto do fundador do bairro, Eduardo Soares mostra área com postes do loteamento embargado(foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
Neto do fundador do bairro, Eduardo Soares mostra área com postes do loteamento embargado (foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
O bairro menos populoso de Belo Horizonte, segundo o censo de 2010, corre o risco de perder o curioso título no próximo levantamento do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), em 2020. Trata-se do Xangri-lá, na Pampulha, cujo nome é inspirado no romance Horizonte perdido, do inglês James Hilton (1900-1954). Na ficção, de 1933, os ocupantes de um avião sequestrado são levados para Shangrila, povoado paradisíaco nas montanhas do Himalaia, onde o tempo passa num ritmo mais lento.

O mesmo parece ocorrer com os cinco moradores do Xangri-lá de BH. O casal e três filhas residem na única propriedade do bairro, uma espécie de fazendinha, cercada por grande área verde. Os outros destaques do lugar são a casa centenária, a capela dedicada a São Judas Tadeu e o carro de boi que não canta mais. Não há comércio, escola nem posto de saúde. Nada disso é problema para a família, que busca o que deseja nos bairros vizinhos.

“Sou o caseiro (da fazendinha). Vim de Porto Seguro (BA) há 16 anos. Minha família está bem adaptada aqui. Parece um pedaço do interior na cidade grande”, compara Aílson Ribeiro da Silva, responsável por alimentar quatro vira-latas e outras criações. Em 2010, no último censo, oito pessoas moravam na propriedade. Três delas se mudaram. Ainda assim, o Xangri-lá pode deixar de ostentar o rótulo de bairro menos populoso de BH.

“Repare a grafia do bairro e a do livro. São diferentes. O Xangri-lá daqui é com xis”, observou Eduardo Soares, neto do fundador do bairro, Geraldo Menezes Soares, já falecido. Eduardo é diretor da Empresa Belo Horizonte de Imóveis Gerais S.A., atual dona da maior parte do Xangri-lá. É ele quem esclarece a possibilidade de o lugar poder ser ocupado por centenas de famílias.

“A empresa pretende lotear a área. Vai ser bom para a região, para o comércio e para BH, pois falta área para construir moradias”, justificou. Ele deixa claro que o projeto de ocupação não chega à fazendinha, cujo dono é uma pessoa física. A propriedade parece um imóvel miúdo em comparação à área verde que a empresa planeja colocar à venda.

Há mais de 500 lotes. Dezenas de postes foram instalados. Ruas começaram a ser abertas. Mas foram cobertas pelo mato, pois a prefeitura embargou a obra. O município é contrário ao projeto de loteamento da forma apresentada pela Belo Horizonte Imóveis. Resultado: a firma ajuizou ação na Justiça.

A petição leva em conta a orgiem do bairro. O avô de Eduardo era dono de uma grande extensão de terra na região. Em 1953, ele conseguiu do poder público autorização para lotear suas terras, com base na lei em vigor da época (decretos federais 58/1937 e 3.079/1938). Naquela década, como a área pertencia ao território de Contagem, a prefeitura local foi a responsável por avalizar o empreendimento. Parte do terreno começou a ser loteada pouco tempo depois, dando origem ao bairro homônimo em Contagem, onde há mais de 8 mil habitantes, segundo o IBGE.

Nem todo o terreno do avô de Eduardo foi loteado. Parte foi reservada para ser negociada posteriormente. Justamente essa área foi incorporada ao território de Belo Horizonte, em 1981, por causa de um acordo entre as prefeituras, que redefiniu os limites territoriais dos dois municípios. Foi assim que surgiu um Xangri-lá em Contagem e outro em BH.

Eduardo conta que a prefeitura da capital começou a cobrar o Imposto Predial e Territorial Urbano (IPTU) dos lotes em 1983, reconhecendo, segundo ele, “a existência do loteamento para fins de tributação”. Por outro lado, quando a empresa desejou iniciar o loteamento, a prefeitura recusou o plano urbanístico que havia sido aprovado pelo município de Contagem.

“Os lotes aprovados passaram a ser considerados clandestinos”, reclamou o neto de Geraldo. A prefeitura da capital, continua ele, exigiu nova aprovação de loteamento, com base em legislação mais recente. “Desconheceu, assim, o direito adquirido da aprovação anterior, concedida pelo município de Contagem”, reclamou. Procurada pela reportagem, a prefeitura não se manifestou sobre o assunto até o fechamento desta edição.

BALEIA

O segundo bairro com menor população em Belo Horizonte, segundo o censo de 2010, é o Baleia, que tem parte do território na Região Leste e outra na Centro-Sul. A área, onde residiam 17 pessoas, também é ocupada por um prédio do hospital homônimo.

Poucos e bons vizinhos

Dona Maria Horta Martins, de 73 anos, saboreia colher laranjas, mangas e abacates para fazer doces, sucos e vitaminas com o que as árvores de sua casa oferecem a ela e aos vizinhos. “Não há muitos moradores por aqui, o que é bom, porque, assim, todos se conhecem”, conclui a moradora da Mala e Cuia,  vila cuja entrada é protegida por um portão de ferro cinza na Avenida Uruguai, quase esquina com Nossa Senhora do Carmo, na Região Centro-Sul.

A Mala e Cuia, cujo nome é ligado a um tradicional restaurante que funcionou na região por vários anos, é uma das 12 unidades territoriais da capital em que a população não somava 100 pessoas no censo de 2010. Naquele ano, 60 homens e mulheres viviam nas casas da vila. Hoje, os moradores garantem que há menos gente.

Maria Horta, a mais antiga moradora da Mala e Cuia, colhe fruta no quintal de casa.
Maria Horta, a mais antiga moradora da Mala e Cuia, colhe fruta no quintal de casa. "Aqui, todos se conhecem" (foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
O lugar ocupa área de 0,002 quilômetro quadrado. Das 18 residências, apenas uma tem garagem. Para entrar ou sair do espaço, o automóvel precisa passar dentro de um posto de combustível. “Sou a moradora mais antiga daqui. Cheguei com 3 anos. Lá se vão 70 anos. O lugar era bem diferente. Não tinha tantos prédios, casas e ruas para essas bandas de cá”, recorda dona Maria.

A nora dela, Geilsa Amaral, de 47, se mudou para lá há 23 anos. “Casei-me e vim. É um lugar diferente, onde a amizade é forte”, conta. E brinca que é “mãe” de dona Enói Pereira de Andrade, de 84. “Porque ela vive sozinha. Então a ajudo no que posso”. Dona Enói é piauiense, de Teresina. Há seis décadas chegou à Mala e Cuia, onde conquistou a simpatia dos vizinhos.

Piauiense, Enói de Andrade adotou a vila há 60 anos e conquistou a amizade dos poucos vizinhos(foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
Piauiense, Enói de Andrade adotou a vila há 60 anos e conquistou a amizade dos poucos vizinhos (foto: Beto Novaes/EM/DA Press)
“Não me casei. Não tenho filhos. Somos eu e Deus. Mas os vizinhos são como uma família. Na última semana, o rapaz da casa ao lado, por exemplo, veio aqui e me ajudou a podar minha roseira”, recorda a idosa, que faz questão de dizer que não perde um jogo do Cruzeiro. “Mas gosto é de ouvir no rádio. Dá mais emoção.”

Na mesma região, há outra vila com menos de uma centena de moradores. Em frente à faculdade Fumec, o lugar é batizado com o nome da instituição de ensino. Na área de 0,003 quilômetro quadrado, há 22 imóveis. Alguns funcionam como bar e restaurante, frequentados, sobretudo, por alunos da entidade de educação.

Luiz Felipe Araújo, de 39, ganha a vida num dos restaurantes, onde a refeição, sem balança, tem preço camarada. Mas o rapaz mora bem longe de lá: em Juatuba, na Região Metropolitana de Belo Horizonte.

“Gasto cerca de uma hora e meia de minha casa até o restaurante. Saio de lá por volta das 6h. Retorno à casa por volta da meia-noite e meia”, diz o rapaz, que pensa em se mudar para um imóvel mais perto.

Campeão


Ao todo, Belo Horizonte conta com 487 bairros. Em 2010, o Sagrada Família, na Região Leste, ocupava o primeiro lugar entre os mais populosos, com quase 35 mil pessoas. Segundo divulgou a prefeitura à época, “este número é elevado, considerando que, entre os 853 municípios de Minas Gerais, apenas 14% (116) têm mais de 28 mil residentes”.


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