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Estado de Minas

Time de Bento Rodrigues volta a jogar após ter campo destruído pela lama

Dezoito dias depois da destruição, equipe amadora retorna aos gramados e vence torneio de amigos. Mesmo tristes, jogadores tentam manter viva a comunidade


postado em 23/11/2015 06:00 / atualizado em 23/11/2015 09:20

Bento se sagrou campeão depois de disputar três partidas na competição, que reuniu oito equipes marianenses de futebol de várzea (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Bento se sagrou campeão depois de disputar três partidas na competição, que reuniu oito equipes marianenses de futebol de várzea (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
A lama da barragem do Fundão levou a igreja, a escola, o bar onde as pessoas se encontravam em Bento Rodrigues e não poupou o campo de futebol. Soterrou o local das partidas de domingo e de socialização da comunidade em questões de minuto, deixando para trás a história de quase 40 anos da equipe União São Bento. Mas Bento – assim mesmo que os moradores costumam se referir ao distrito, como se fosse uma pessoa – ressuscitou no brasão do time, que, depois da tragédia, voltou a entrar em campo. A equipe venceu o 1º Torneio de Amigos do Bairro Santo Antônio, realizado no bairro de mesmo nome na periferia de Mariana, no dia de ontem. Depois de terem campo e casas apagadas do mapa, parte da comunidade se reuniu para torcer para o time criado em 1976. Tirado de seu território pela tragédia, a exemplo da Seleção da Palestina, o time é uma forma de tornar viva a comunidade.

O lamaçal que enterrou álbuns de família e cartas de amor também deixou para trás os dois conjuntos de uniforme do União São Bento. Sem ter nem os uniformes, a memória tornou-se o território revisitado, onde os moradores encontram elementos para que os modos como viviam e se divertiam não sejam jamais esquecidos.

Bento disputou três partidas na competição, que reuniu oito equipes de futebol de várzea marianense no campo conhecido como Prainha. A primeira partida foi vencida nos pênaltis, com a defesa do taxista Alisson Geraldo da Silva, de 28 anos, conhecido como Buiu – o goleiro do time. A segunda também foi decidida nas penalidades máximas contra o time da casa, o Parma, cujo jogador não teve sorte e acertou a trave na última das cinco cobranças. A decisão com a equipe União Passagem, do Bairro Passagem de Mariana, foi com o placar de 2 a 1. O time de Passagem começou ganhando, mas, em menos de um minuto, o time de Bento conseguiu empatar. O gol da virada foi feita por José Paixão do Carmo, de 40, o Dedeco. “Com tanto sentimento triste, o futebol é uma forma de nos alegrar”, disse.

Auxiliar de topografia, Marcelo José Felício queria distrair a mente e não pensar na mãe, que ainda está desaparecida(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Auxiliar de topografia, Marcelo José Felício queria distrair a mente e não pensar na mãe, que ainda está desaparecida (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Além do uniforme verde e branco, que foi feito às pressas para essa partida, já que os uniformes antigos foram soterrados pela lama, os jogadores que entraram em campo traziam consigo a lembrança da destruição do distrito. “Minha casa ficou toda embaixo do barro. Mas hoje é uma satisfação grande estar vivo aqui com meus amigos. É bom demais. Quando vi aquela lama não achei que iria sair com vida. Nunca presenciei um mar como aquele. Na hora, minha preocupação era tirar os mais velhos, porque sou jovem e conseguiria correr”, diz emocionado Ravano Augusto da Silva, de 23, que atuou como lateral na partida. Todos os domingos, ele costumava sair de sua casa em Bento para jogar, mas ontem foi diferente. Saiu do da Pousada Gerais, onde está provisoriamente com a família até que consiga uma casa definitiva.

EM MEIO ÀS INCERTEZAS Ao focar nas jogadas, o auxiliar de topografia Marcelo José Felício queria tirar o pensamento das incertezas em relação à mãe, Maria das Graças Celestino da Silva, de 64, que está desaparecida desde que o tsunami de rejeitos passou por Bento. “Vim distrair a mente. Passo o dia inteiro pensando. Acordo meia-noite. A perda material não é nada quando a gente perde alguém da família.” Por tudo que passaram, a partida foi entendida pelos jogadores e por quem estava assistindo como recomeço. “É uma alegria para nós. É um recomeço para Bento. Não começamos do nada. Partimos de uma vitória”, avaliou ao final da partida Onézio Izabel de Souza, de 50, que é o técnico da equipe.

Onézio lembra quantas vezes tentou ser jogador nos campos de Bento, mas como esse não era seu maior talento, se dedicou ao esporte de outra forma. Amante de futebol, ele viu a lama encobrir uma de suas paixões: as 76 camisas da coleção do time do coração – o Clube Atlético Mineiro. Desde o dia da tragédia, ele tem sido presenteado com camisas do time alvinegro, uma delas recebeu das mãos do lateral Marcos Rocha.

Não houve por parte das outras equipes qualquer concessão ao time de Bento, mas mesmo não gostando de terem sido derrotados, os adversários entenderam que a vitória de quem perdeu quase tudo era muito maior. “Torci para o Parma, mas foi bom Bento ter vencido”, afirmou João Paulo, o Tico-tico, um dos organizadores do torneio. A mesma opinião foi compartilhada por Pedro Souza, de 30, que defendeu a equipe vice-campeã. “Foi bom eles terem vencido, devido a tudo que estão passando.” Muita gente que foi assistir vibrou com as vitórias de Bento. É o caso da moradora de Santa Rita Gisele de Fátima, de 23, que pela cerca de alambrado incentivava o time. “Vai, Bento!”, “Cuidado com a marcação”, “Tira essa bola daí”, gritava a moça. Ao final da partida, os jogadores correram ao centro, abraçaram-se, rezaram um Pai Nosso e uma Ave Maria. Ao receber o troféu, muitos deles se emocionaram.


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