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Estado de Minas SÓ RESTOU A DOR

Catástrofe de Mariana reaviva momentos traumáticos em atingidos por outros desastres

Vítimas de 2001 e 2014 em Macacos e Itabirito relembram o sofrimento por que passaram e lamentam pelos que estão agora passando pelo mesmo drama


postado em 09/11/2015 00:12 / atualizado em 09/11/2015 16:56

Maria das Graças e Fernando, mãe e filho de Adilson Santos Batista, morto em Itabirito(foto: Euler Júnior/EM/D.A Press)
Maria das Graças e Fernando, mãe e filho de Adilson Santos Batista, morto em Itabirito (foto: Euler Júnior/EM/D.A Press)
São Sebastião das Águas Claras e Itabirito – A tragédia em Bento Rodrigues, distrito de Mariana, reacendeu memórias tristes para quem enfrentou desastres ligados à exploração de minério em municípios e povoados próximos de minas e barragens.


Há 14 anos, Jair Gomes Santos, de 68 anos, passou uma hora soterrado depois do desabamento ocorrido na mineradora Rio Verde, no distrito de São Sebastião das Águas Claras, conhecido como Macacos, a 25 quilômetros de Belo Horizonte. Lama e dejetos foram arrastados por seis quilômetros. No acidente, morreram cinco trabalhadores da empresa. Duas novas barragens foram construídas desde 2001. Atualmente, elas deixam moradores apreensivos, sobretudo depois da tragédia em Mariana.

“Voltava para casa, em Macacos, no momento em que veio tudo abaixo. Trabalhava como mestre de obras no condomínio Morro do Chapéu. Desci no posto da rodovia e peguei carona com um colega. Estávamos no carro, quando, de repente, ouvimos um barulho muito forte, parecia explosão. Em questão de segundos, surgiu a enxurrada de lama que nos lançou para o barranco. Ficamos presos por quase uma hora vendo toda aquela lama descer, quase cobrindo o veículo”, conta Jaime Gomes, que hoje trabalha no restaurante de seu filho.

Natural de Salvador, Jaime se mudou para Macacos há mais de 30 anos. Ele conhecia um dos mortos, Romero Faustino Leonídio, de 47. “Romero veio de Ibirité, era muito conhecido. Um negão gente boa, muito trabalhador e educado. O triste é que ele ia sair de férias na semana seguinte. Vi ele e um colega dentro do trator desgovernado, descendo morro abaixo. Não pude fazer nada para ajudar”, lembra.

Jaime se emociona ao lembrar os momentos de desespero que passou debaixo da lama. “Não consigo dormir pensando nas pessoas em Bento Rodrigues. É um sofrimento imenso perder amigos e parentes de forma tão assustadora. Infelizmente, esses casos se repetem em Minas”, lamenta.


O rompimento da barragem de rejeitos da Rio Verde ocorreu em 22 de junho de 2001, atingindo cerca de 43 hectares de mata atlântica e afetando a flora e a fauna da microbacia. A onda de lama assoreou os córregos Taquaras e Fechos. O desastre gerou ações cíveis e penais na Justiça mineira. Diretores da Rio Verde foram condenados a penas de reclusão – revertidas em prestação de serviço – e pagamento de multa. A empresa foi condenada a construir um estacionamento para 150 veículos no distrito de Macacos e a pagar multa.

A Rio Verde assinou quatro termos de ajustamento de conduta (TAC) com o Ministério Público Federal e o Estadual. Apenas em um deles foi determinado o pagamento de R$ 4,2 milhões pela empresa. Famílias dos funcionários mortos foram indenizadas em ações trabalhistas.
“Não se pode falar que a empresa ficou impune”, alegou a promotora de Justiça Andressa de Oliveira, uma das responsáveis pelo caso. Em 2006, a Minerações Brasileiras Reunidas (MBR) comprou a Rio Verde e, no ano seguinte, a MBR foi comprada pela Vale.

Família destroçada em Itabirito

Há um ano, a aposentada Maria das Graças Santos Batista, de 65 anos, recebeu a notícia de que o corpo de seu filho, o operário Adilson Aparecido Batista, havia sido encontrado 40 dias depois do rompimento da barreira de rejeitos da Mineração Herculano, em Itabirito, a 55 quilômetros de Belo Horizonte.


“Foi uma tristeza muito grande perder um filho daquela forma. As buscas tinham até sido interrompidas pelos Bombeiros. Já não tínhamos certeza do que aconteceu, nem de que ele seria encontrado. Até hoje, não entendo o que levou meu filho à morte”, lamenta Maria das Graças. A família recebeu a visita de psicólogos nos sete dias seguintes à localização do corpo, mas esse acompanhamento especial não prosseguiu. A família se queixa da falta de atenção da Herculano.


O filho mais velho de Adilson, Fernando Rodrigues Batista, de 24, trabalha como motorista para mineradoras, a mesma atividade de seu pai. “Sei que é perigoso. Mas é a opção que tenho para me sustentar. Não tem muita escolha, não. É pedir a Deus para que essas tragédias não se repitam”, diz Fernando.


A morte de Adilson separou a família, pois seus filhos, de 13 e 3, moram em casas diferentes. Além de Adilson, o topógrafo Reinaldo da Costa Melo e o operário Cristiano Fernandes Silva morreram no desabamento, ocorrido em 10 de setembro.


Os familiares entraram na Justiça para exigir indenização, mas não sabem em que etapa está o processo. “Procuramos a empresa para descobrir o que aconteceu e quem era responsável pelo acidente, mas eles não deram explicações. Pagaram o acerto trabalhista do meu pai, cerca de R$ 4 mil, e não voltaram”, diz Fernando Batista. A mãe de Adilson faz acompanhamento psicológico por meio do Sistema Único de Saúde (SUS).


De janeiro a junho do ano passado, a empresa foi autuada 34 vezes por irregularidades, inclusive por não apresentar um plano de gerenciamento de risco. Semanas depois do acidente, a Herculano foi interditada e teve suas atividades suspensas pelo Departamento Nacional de Produção Mineral (DNPM) e pela Secretaria de Estado de Meio Ambiente. As causas do acidente ainda são investigadas. De acordo com ambientalistas, serão necessários pelo menos 10 anos para que os danos ambientais sejam reparados. A reportagem não conseguiu localizar os representantes da empresa.


Avalanche depois do rompimento da barragem da Mineração Rio Verde, em Macacos(foto: Sidney Lopes/EM/DA Press)
Avalanche depois do rompimento da barragem da Mineração Rio Verde, em Macacos (foto: Sidney Lopes/EM/DA Press)

Reforma gera apreensão


Moradores de Macacos temem novos problemas em represas construídas no local. Eles se queixam da falta de informações sobre a situação das barragens sob o comando da mineradora Vale. “A represa da Mina dos Tamanduás subiu oito metros nos últimos três anos. Nós, que pescávamos lá, vimos trincas na construção. O leito do rio é muito estreito e há ribeirinhos ali. A Vale fez reforma na represa, mas as pessoas ficam com grande receio de um novo acidente”, diz Gerson de Souza, morador de Macacos há 47 anos.

O comerciante cobra fiscalização mais eficiente do poder público. “Há um ano, fizeram vistoria e falaram que a mina que desabou em Mariana estava em perfeitas condições. Ou seja, não temos garantia nenhuma. Quando houve o acidente em Macacos, ficamos ilhados por muito tempo, foi bem complicado”, lembra Gerson.

Dono de um bar em Macacos, Sérgio Bonzi, de 57, também guarda na memória as cenas da tragédia em 2001. “Por volta das 16h30, aquela montanha de dejetos desceu de repente. Não teve chuva naquele dia ou nos dias anteriores. O problema foi o excesso de dejetos e de lama. As pessoas ficam com receio, pois são desastres imprevisíveis”, relembra Sérgio.

Por meio de nota, a Vale informa que trabalha “em todos os projetos de barragem com técnicas de engenharia avançadas, seguindo rigorosos controles, realizando monitoramento sistemático e auditorias externas anuais para garantir as condições de segurança. Neste momento, todas as nossas estruturas estão funcionando em absoluta normalidade, seguindo a legislação vigente e com todos os aspectos de segurança garantidos”.


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