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Estado de Minas

Estação centenária de Lassance é restaurada após anos de abandono

Uso da estrutura na cidade que se tornou conhecida pelo trabalho de Carlos Chagas ainda será definido


postado em 02/09/2015 06:00 / atualizado em 02/09/2015 08:30

Imóvel já teve o madeiramento do telhado trocado e aguarda cobertura. Recuperação tem previsão de término para o fim do ano(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Imóvel já teve o madeiramento do telhado trocado e aguarda cobertura. Recuperação tem previsão de término para o fim do ano (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Lassance – O trabalhador rural Marco Antônio Silva, de 51 anos, mora em frente à antiga estação da Estrada de Ferro Central do Brasil em Lassance, no Norte de Minas Gerais, a 260 quilômetros de Belo Horizonte. Depois de anos no abandono, o imóvel começou a ser restaurado. Deve ficar pronto no fim do ano, quando a prefeitura vai definir sua nova utilidade. A construção é tombada pelo Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan). “É um resgate da história da cidade. Quando eu era pequeno, viajei no trem. Partia para Pirapora (a 77 quilômetros de distância) às 5h. Retornava às 10h”, recorda Marco Antônio.

A reforma da estação, erguida em 1907, não resgata apenas as lembranças da época em que vagões de passageiros cortavam Lassance – cidade batizada em homenagem a Ernesto Antônio Lassance Cunha, engenheiro-chefe da Central do Brasil. O imóvel faz parte do complexo ferroviário que entrou para a história da medicina mundial: foi num vagão improvisado como laboratório, ao lado da estação, que Carlos Chagas (1879-1934) identificou, em 1909, o protozoário Trypanosoma cruzi, responsável pelo mal posteriormente batizado como doença de Chagas, em reconhecimento ao cientista.

O médico havia sido enviado pela Central do Brasil ao município para combater um surto de malária entre os funcionários da ferrovia. Mas suas pesquisas o tornaram mais conhecido pelo esclarecimento da doença causada pelo barbeiro: Chagas foi o primeiro brasileiro a desvendar todas as etapas de uma doença infecciosa: o patógeno, o vetor, os hospedeiros, as manifestações clínicas e a epidemiologia.

O vagão que lhe serviu de laboratório não foi preservado, mas a estação se transformou em um dos símbolos da passagem do cientista por Lassance, município emancipado de Pirapora em 1953, cuja população atual soma cerca de 6,5 mil habitantes. “A expectativa é terminar a obra de restauração em 2015, mas imprevistos podem ocorrer. Constatamos que a madeira do subsolo, por exemplo, está podre. E ela é a base da construção”, informa o secretário municipal de Obras, Antônio Silva de Carvalho. Debaixo do escaldante sol do Norte de Minas, ele acompanha o trabalho dos cinco homens responsáveis pela reforma protegido com chapéu de couro.
Todas as telhas foram retiradas do imóvel. Parte da estrutura de madeira que vai sustentar a nova cobertura já foi colocada. Uma camada de reboco também foi jogada em parte da parede externa. A obra desperta a curiosidade e o interesse dos moradores, sobretudo em relação à nova utilidade do imóvel. “Ainda estamos discutindo o que ele será”, diz Sebastião Gomes, secretário municipal de Turismo, acrescentando que outros imóveis do complexo ferroviário, como a construção em que funcionou o hospital, também devem ser restaurados.

Chagas, primeiro a identificar ciclo completo de doença, trabalhou em vagão de trem(foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
Chagas, primeiro a identificar ciclo completo de doença, trabalhou em vagão de trem (foto: Paulo Filgueiras/EM/D.A Press)
A expectativa de moradores é de que a antiga estação seja transformada em biblioteca ou em ponto de apoio ao turismo – Lassance é uma das cidades que integram o circuito Guimarães Rosa (1908-1967). O município é citado pelo romancista mineiro no clássico Grande sertão: veredas, publicado pela primeira vez em 1956. Na obra, Riobaldo Tatarana, o personagem principal, descreve a cidade: “Esse lugarim Os Porcos existe de se ver, menos longe daqui, nos gerais de Lassance”. Os Porcos é uma cachoeira, uma das principais atrações turísticas da área rural.

No perímetro urbano, um dos cartões-postais do município é o memorial Carlos Chagas, que conta tanto a vida do cientista quanto a descoberta do Trypanosoma cruzi. O memorial foi erguido a cerca de um quilômetro da antiga estação. Objetos antigos, como equipamentos médicos e cartazes estão expostos ao público. Em frente à porta principal, uma estátua do cientista, nascido em Oliveira, no Centro-Oeste de Minas.

Marli Gomes da Silva Alves, de 55, é a responsável pela faxina do lugar. Viúva e mãe de oito filhos, dos quais três moram com ela, Marli costuma ir ao trabalho na companhia de seus dois cães, Legal e Chaulim. “O Brasil precisa de mais pessoas como o doutor Carlos Chagas”, constata.

FEITO MUNDIAL O reconhecimento não é sem motivo: o médico colocou Lassance no mapa mundial com a descoberta da doença, em uma menina de 3 anos chamada Berenice. O avanço foi noticiado por revistas especializadas em todo o planeta. A Academia Nacional de Medicina, em um fato singular, fez do cientista membro titular extraordinário.

Na época, Oswaldo Cruz (1872-1917), pioneiro no estudo de moléstias tropicais e da medicina experimental no Brasil, destacou o trabalho de Chagas: “O descobrimento desta moléstia constitui o mais belo exemplo do poder da lógica a serviço da ciência”. “Nunca até agora (1909), nos domínios das pesquisas biológicas, se tinha feito um descobrimento tão complexo e brilhante e, o que mais, por um só pesquisador”, prosseguiu.

Carlos Chagas batizou o protozoário que havia descoberto em homenagem ao amigo. De acordo com o memorial em Lassance, 1,6 milhão de brasileiros estavam infectados com a doença em 2007.

Saiba mais

Trypanosoma cruzi

O ciclo de vida do protozoário identificado por Carlos Chagas começa quando o barbeiro se alimenta do sangue do hospedeiro vertebrado, eliminando, em suas fezes e urina, o parasita. Por meio de mucosas ou ferimento na pele, eles infectam células dos hospedeiros, como as do coração. No interior destas, o parasita ganha forma arredondada, multiplicando-se por divisão binária. Quando as células estão repletas dos micro-organismos, eles se disseminam pela corrente sanguínea, infectando novos tecidos e órgãos.


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