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Estado de Minas ATÉ GOIÁS E BRASÍLIA

Empresas usam recurso judicial para transportar passageiros

Além de atrasos, passageiros têm de lidar com panes nos veículos


postado em 24/08/2015 06:00 / atualizado em 24/08/2015 07:56

Com atraso de 49 minutos na partida em Bonfinópolis de Minas com destino a Brasília, ônibus faz parada na rodoviária de Riachinho: passageiros reclamam dos bagageiros pequenos(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
Com atraso de 49 minutos na partida em Bonfinópolis de Minas com destino a Brasília, ônibus faz parada na rodoviária de Riachinho: passageiros reclamam dos bagageiros pequenos (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)

Bonfinópolis de Minas e Arinos –
Das 26 linhas de ônibus interestaduais que faziam a ligação dos municípios do Noroeste e Norte de Minas com Goiás e Brasília até o fim do ano passado, apenas três foram mantidas em funcionamento, via liminar, depois do fim das atividades do Grupo Amaral. Utilizando-se do mesmo recurso judicial, outros dois ramais das linhas existentes foram criados. Municípios como Brasília de Minas, Buritis, Passa Três, Carinhanha e Cocos, os dois últimos na Bahia, entretanto, permanecem sem opção de transporte regular com destino à capital federal. A operação das linhas remanescentes da Empresa Santo Antônio (ESA) ficou a cargo de outras três novas viações, que começaram a circular a partir de fevereiro: Januária Transporte e Turismo, com ônibus partindo de Bonfinópolis de Minas, São Francisco e Juvenília, na divisa com a Bahia; Era, de Bonito de Minas; e Carvalho Turismo, que também opera a linha de Itacarambi, passando em trecho totalmente asfaltado, via Montes Claros. De acordo com a Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT), entretanto, atualmente, apenas a Januária tem autorização judicial para rodar no trecho mineiro.


Para conhecer a realidade do longo percurso das linhas, o Estado de Minas viajou em parte do itinerário da empresa Januária, na linha entre Brasília e Bonfinópolis de Minas. Diariamente, às 5h20, o ônibus que tem viagem marcada para sair 20 minutos depois já aguarda os passageiros na pequena rodoviária do município, com cerca de 6 mil habitantes, na microregião de Unaí. Os tons vibrantes de azul e verde da lataria ofuscam o estado de conservação do veículo, que deixa a desejar. O interior está sujo, com farelos de biscoito sob as poltronas e o piso empoeirado. Alguns assentos não reclinam e no sanitário a bordo, no lugar da torneira, há apenas um suporte. Poucas pessoas aguardam o embarque: uma mulher acompanhada de duas crianças e um homem de pouco mais de 50 anos, que tenta a todo custo acomodar uma velha bicicleta de carga no bagageiro traseiro do coletivo.

Nas duas primeiras tentativas, não consegue. Ele decide, então, desparafusar o suporte dianteiro da velha magrela. “O bagageiro desse ônibus é pequeno. Há outros, maiores, em que dá para colocar a bicicleta sem desmontar”, responde, ao receber a oferta de ajuda. O ônibus não sai no horário marcado e, diante do frio que toma conta da rodoviária de Bonfinópolis, os passageiros ficam apreensivos. O motorista da Januária, um rapaz magro e de sotaque baiano, aparece com duas baterias. Substitui as do veículo, mas, ao verificar uma faísca, nota que o problema não é esse. Já passa das 6h e o motorista percebe que a falha é outra. Mexe ali e aqui, e consegue dar a partida no ônibus. No embarque, explica aos passageiros que pegou o veículo na garagem da empresa em Arinos porque o outro ônibus escalado para a linha, maior e equipado com ar-condicionado, estava com odor de vômito no interior.

Na viagem até Brasília, algumas poltronas não reclinam e, no banheiro, não há torneira(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
Na viagem até Brasília, algumas poltronas não reclinam e, no banheiro, não há torneira (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)


BALDEAÇÕES O veículo da Januária deixa a rodoviária de Bonfinópolis às 6h19, com atraso de 49 minutos em relação ao horário programado. Na primeira esquina surge uma senhora acompanhada do marido. Ela embarca, questiona o motorista do atraso, reclama que aguarda desde as 5h30, está com frio e dá bom dia a todos a bordo. Dois quarteirões depois, o ônibus para novamente. Descem o motorista e o homem da bicicleta, que ajuda a carregar as duas baterias. Ambos entram no depósito da Secretaria Municipal de Obras e Serviços Públicos e de Transporte de Bonfinópolis, onde as baterias foram deixadas. Por volta de 6h40,  o ônibus segue viagem. Engrenado, o motor emite um ruído de funcionamento estranho. Na primeira parada em Riachinho, 40 quilômetros à frente, aguardam no pequeno prédio coberto que serve de rodoviária 12 passageiros, entre jovens, mulheres e homens mais velhos.

Na bilheteira, foi possível verificar que duas das linhas que partiam dali, com destino à São Francisco e São Romão, não funcionam mais. Quilômetros à frente, o ônibus deixa a estrada que segue direto para Arinos para apanhar mais passageiros em Urucuia. Ali, aguardam outros cerca de 10 passageiros, que deixam o coletivo lotado. Na rodoviária de Arinos, nem sinal do outro ônibus prometido para seguir viagem até Brasília. O motorista explica aos passageiros que não haverá baldeação. Uma mulher reclama. “Vai ser nesse ônibus mesmo? Então vamos, não tem jeito”, diz. Até Brasília são mais 246 quilômetros e cerca de 3h30 de viagem. O percurso é asfaltado, passando pelas cidades de Cabeceiras e Formosa, ambas em Goiás. No total, de Bonfinópolis de Minas à capital federal, o tempo estimado de viagem é de 7h. A linha é a mais curta da empresa, que também realiza baldeação dos veículos por outros mais simples na linha de Juvenília (a troca é feita em Januária).

DEPENDÊNCIA O secretário municipal de Obras e Serviços Públicos e Transporte de Bonfinópolis de Minas, Joaquim Bernardes da Silva, não vê problema no empréstimo temporário das baterias do município para a Januária Transporte e Turismo. Para ele, a falta de estrutura das empresas de ônibus se deve à forte concorrência do transporte com as caronas e táxis na região. “Na maioria das linhas de ônibus de cidades pequenas, está faltando passageiro para essas empresas dar melhor assistência. Hoje, todo mundo tem carro ou moto. Eu mesmo, se for de carro para Unaí, gasto R$ 70 no petróleo, enquanto a passagem de ônibus custa R$ 84.”

Na rodoviária de Arinos, onde foi prometida troca de ônibus, baldeação não foi feita(foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)
Na rodoviária de Arinos, onde foi prometida troca de ônibus, baldeação não foi feita (foto: Alexandre Guzanshe/EM/DA Press)

Frota renovada

Um dos três sócios da empresa Januária, Marcelo Moreira de Melo, explicou, por telefone, que a empresa iniciou as linhas de Brasília em 22 de fevereiro, inicialmente de forma clandestina, porque notou que a região havia ficado isolada no transporte. Depois de obter as liminares na Justiça, a Januária pretende agora se regularizar formalmente junto à Agência Nacional de Transportes Terrestres (ANTT). Para se enquadrar às exigências do órgão, por meio de autorização especial, a empresa adquiriu 10 ônibus novos que devem começar a rodar num prazo de 75 dias.

Sobre as falhas apresentadas pelo veículo da linha de Bonfinópolis, Melo afirma que foram pontuais e a frota passa por manutenção rigorosa. “Assim que o veículo chegou à garagem de Brasília, foi corrigido o problema, que na verdade, era uma mangueira solta. Quando há algo assim, enviamos um veículo de socorro, mas, devido ao grande movimento, todos os ônibus estavam em reforço. Antes de assumirmos as linhas, o pessoal estava ilhado. Como muita gente estuda e tem parentes em Brasília, vimos que tínhamos de fazer alguma coisa”, diz.

A ANTT sustenta, por outro lado, que as liminares podem ser deferidas pela Justiça a qualquer momento. O órgão chegou a publicar chamamento público (3/2014) para licitar/autorizar as linhas interestaduais da Santo Antônio, mas foi suspensa por decisão judicial do Grupo Amaral. “A suspensão se deu em razão da empresa apresentar recurso administrativo, que tem efeito suspensivo”, declarou o órgão, em nota.

Em defesa dos táxis


Na zona rural de Januária, populares afirmam que o deputado licenciado e secretário estadual de Desenvolvimento e Integração do Norte e Nordeste de Minas Gerais, Paulo Guedes (PT), teria intercedido para ajudar as empresas de ônibus, que assumiram as linhas da Santo Antônio, a obter as autorizações judiciais. Guedes, que, em março, foi condenado em primeira instância pela Justiça de Montes Claros por improbidade administrativa, porém, nega ter a ajuda. O político, que é natural de Manga, onde exerceu o cargo de vereador por três mandatos, entretanto, reconhece ser árduo defensor do táxi lotação intermunicipal.

“Sempre fui defensor dos táxis legalizados com placas que pagam impostos e têm alvará de funcionamento. As pessoas (do Norte de Minas) aprovam e gostam dos táxis. Existem muitas cidades pequenas que nem têm empresa de ônibus ou só há um horário por dia. Não se pode impedir a população do direito de ir e vir. Não tenho nada contra empresa de ônibus, mas tenho de reconhecer que o serviço de táxi é bem-feito”, afirma Guedes, acrescentando que os próprios taxistas e várias associações obtiveram o direito de circular na Justiça.

Enquanto exercia o mandato de deputado, Guedes chegou a propor projeto de lei para a regularização do transporte alternativo em Minas, prestado por pessoas físicas ou jurídicas, mediante licitação. Nas últimas eleições, ele foi eleito o deputado estadual mais bem votado do estado, com 164.831 votos.

LINHAS DESERTAS
Desde 2013, a Secretaria Estadual de Transportes e Obras Públicas (Setop) realiza, junto às empresas, a renovação dos contratos de concessão de linhas intermunicipais de ônibus, por meio de pagamento de outorga e a licitação de linhas que trafegavam com documentação irregular. A licitação, equivalente a mais de um quarto dos trajetos entre municípios do estado, ocorreu no segundo semestre do ano passado. Dos 343 itinerários colocados em concorrência, 111 encerraram o processo desertas – sem empresas interessadas em operá-las.


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